O Bobo. Imagem de arquivo. |
Os artistas tentavam trazer um pouco de luz às trevas daqueles tempos. Os nobres mandavam vir músicos, pintores, dançarinos, poetas, atores para alegrar banquetes hipócritas onde elogiavam a feiúra das marquesas, apalpando também o ego de reis e barões, encenando o que os fidalgos quisessem ouvir ou ver.
Dentre todos os artistas, que nem sempre tinham dons artísticos já que isto era supérfluo, o mais requisitado subserviente que fazia cócegas ao espírito dos nobres era o bobo da corte – preferido e muito requisitado ao lustre.
Houve um, dentre muitos bobos, de muitas cortes, que se notabilizou pela versatilidade com que se deslumbrava pelo reino alheio. Os nobres o contratavam num dia, no outro lá ia ele às festas e banquetes dados por outras realezas. Fez isso continuamente e por quase toda a vida. Quando algum fidalgo se zangava, o bobo deslumbrado apenas mudava de endereço, e sem nada dar notícia; e não tinha cavaleiro ou lanceiro que o alcançasse, muito menos o capturasse de volta. Porém, o bobo já não era mais tão jovem; assim, num dia de feio chuvisco, ele se encantou por um reino muito bonito e distante, e que lhe agradou como nenhum outro. O sol retornou à vida pedante. O rei daquela corte não o tratava como reles animador cômico, mas sim como genuíno artista; a rainha lhe deixava os lençóis nas noites frias e escuras; a princesa lhe dava as maças mais frescas; e os cavaleiros e lanceiros não o perseguiam, muito. O reino inteiro o respeitava como se ele fosse da própria família do principado.
Mas o bobo tinha seus traços típicos... Num maldito dia, um padre franciscano lhe convidou às artes no convento. Ele angustiou-se. Acabou por ceder ao temperamento infiel de artista. Não culpemos um bobo! Há reinos tão belos menos atraentes que a modesta ambição. Deu-se cabo das atividades naquela corte encantada e distante, e declarou-se os motivos da deserção. O rei era bom, compreendeu tudo; não se opôs. A rainha, porém, desejou-lhe sombras de sombras. Assim, partiu. Muito tempo depois, um arquiduque o encontrou por acaso numa celebração monja:
- Como vai o amigo religioso? – perguntou-lhe o fidalgo.
O bobo hesitou, tartamudeou e, por fim, resmungou:
- Agora me chamam de Dom Avejão...
- Mas, então, ora... Desejou tanto as coisas alheias... Enfim, és agora um homem nobre!
- Sim! – exclamou com a beca estufada. - Mas confesso que houve outro tempo em que fui mais feliz...
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Por Ricardo Novais