Réveillon: Esperança e Tragédia

Poucas vezes se viu na história deste País o senso de identidade humana alcançar o seu ideal, ou ao menos chegar próximo dele, como na tragédia ocorrida em Angra dos Reis, Rio de Janeiro, neste réveillon. Temos nossas mãos sujas de lama e barro erguidas para os Céus numa esperança quase cética de esperança.

Talvez, querendo dissimular a própria hipocrisia, seja pelo fato, irretratável, de que apenas pessoas desprovidas de recursos sociais (e financeiros) - ou seja: pobres - morram soterradas na lama neste País; ou também porque muitos dos nossos queridos "moralistas" 'midiáticos' passem seus 'réveillons' em Angra, o mesmo local de uma catastrófica peça de comédia da vida real que une dores essencialmente humanas mais que qualquer outra, seja ela sociológica, filosófica, sentimentalista ou para os 'sensíveis' programas de Tv.

Este acidente terrível da natureza terá um culpado? Perguntas deste tipo 'pipocam' a todo instante em todos os meios de convivência. As pessoas tem direito ao livre acesso às praias, como podem existir praias privativas então? Um esbraveja que o desastre do réveillon foi uma resposta a uma agressão à natureza. Outro chama a atenção para o crime contra o meio-ambiente e que a Constituição Federal, nossa maior Carta de direitos e deveres, define as praias como bens públicos e de uso comum.  

No entanto, este trágico episódio, tão sintomático para o cotidiano brasileiro, são aqueles casos em que quem detém muito dinheiro, e a influência que este acarreta sobre as outras pessoas, fazem comprar tudo, ou quase tudo, como morros de 'boas vistas', encostas estratégicas, praias paradisíacas, etc. Além de fazer construir decks à beira-mar, pousadas luxuosas em locais estrategicamente construídas para ricos fúteis e uma verdadeira indústria de divertimento e entretenimento ordinário que não visa nada mais que o lucro com glamour abundante.

O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, lamentou o episódio de Angra dos Reis e alertou que a tragédia estava anunciada. Ex-secretário de Meio Ambiente do Rio de Janeiro, o ambientalista afirmou que a ocupação das encostas na região é antiga e que a resistência em mudar o quadro urbanístico ajuda a piorar o problema. "Nossa briga sempre incluiu uma política que modificasse essa ocupação desordenada. A gente derrubava tanto casas populares como mansões clandestinas que ocupavam encostas, mas ainda é difícil mudar a realidade", disse ele numa entrevista no início da tarde de sábado, um dia após o deslizamento da encosta. "As pessoas desrespeitam a natureza, mas um dia ela se vinga", afirmou.

De férias em Iratu, no litoral da Bahia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva telefonou ao vice-governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, e lamentou o ocorrido. Durante cerca de 15 minutos de conversa, Lula ofereceu apoio irrestrito no resgate e busca de vítimas do deslizamento no litoral fluminense. A ajuda do governo federal partirá do Ministério da Integração Nacional e da Marinha. Ontem, o presidente telefonou ao ministro da Integração, Geddel Vieira, para fazer o pedido. Geddel suspendeu as férias para prestar ajuda e aguarda levantamento para repassar os recursos às áreas atingidas.

Nenhuma autoridade sequer prestou atenção aos personagens da tragédia. As cenas marcadas pela ousadia, seja na exposição da humanidade comum que define a fragilidade de sua condição não importando a classe na qual esteja inserida, na análise dos erros que cometem a arrogância prepotente, colocando um papel dramático frente a frente com os analistas de conceito burguês e desfasado, símbolo de uma época. O povo também serve de mote para diversas reflexões que faz a respeito de seu modo desenfreado e consumista de se viver, do que é o poder, a felicidade enquanto conceito, e também o azar.

Haviam pessoas de várias partes do Brasil em Angra dos Reis naquela fatídica sexta-feira. As mortes também sensibilizaram 'artistas' que escolhem a região para passar a festa de fim de ano. Pela internet, muitos deles relataram que o clima de forte chuva predominava no dia 31. O casal Luciano Huck e Angélica, 'analistas midiáticos siameses' postou frases no twitter antes da virada do ano: "Hoje vamos colocar nossa melhor roupa de mergulho branca". Um dia após a tragédia, escreveram suas mensagens imbecis de solidariedade à população da região onde ocorreu o deslizamento.  

2010 já inicia como o ano que já é morto e todos os outros vários anos que nos antecederam, sempre com a hipocrisia rondando nossa falta de identidade autêntica. Resta-nos lamentar a morte de nossos irmãos que foram varridos pela lama deste País num momento de tanta esperança interior tão comum a espécie humana. Até quando as mãos enlameadas erguidas aos Céus tentarão segurar sem sucesso as mãos frágeis dos mais desesperados?




Por Ricardo Novais

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