Cachaça Corintiana

Imagem de divulgação.
Na mesa do bar, ao lado de amigos corintianos, eu me sentia um peixe fora d’água. Não pelo fato do Santos estar jogando na mesma noite de sua estreia na Copa do Brasil, mas sim porque não havia jeito de entrar em sintonia com o pensamento daqueles gaviões.

Estava lá por amizade, pelo chope gelado em noite quente e por certa curiosidade cômica do fracasso. Eu poderia estar em casa, vendo muitos jogos de uma só vez, mas não; aceitei o convite boêmio e vi o Corinthians estrear na Taça Libertadores da América 2010. Digo que não gostei do jogo, mas gostei da noite... Sorrisos, vibração, preocupação, empolgação e alívio. Pobres uruguaios, se ainda fosse o Nacional ou querido Penãrol vá lá, mas o modesto Racing não conseguiu segurar o ímpeto alvinegro.

À medida que eu ia emergindo no álcool, mais complicado ficava entender o esquema tático de Mano Menezes. Confuso, embora os jogadores estivessem bem posicionados, não havia movimentação de várias peças alvinegras em campo. DeFrederico jogou mal, Ronaldo foi muito marcado e Jorge Henrique ficou preso na disciplina do treinador gaúcho. Logo no primeiro ataque da partida o Racing fez 1 a 0, pequena satisfação de alguns no bar (confesso que empolguei-me um pouco, apesar de nunca ter ido à Montevidéu e não saber vibrar em espanhol), mas, repentinamente, instaurou-se grande frustração do lado preto e branco. Era de ver o rosto dos corintianos naquele boteco; não sou leitor de expressões faciais, mas era notório que passava um filme na cabeça do torcedor: uma mistura de esperança por ser apenas o primeiro jogo desta tradicional e cobiçada, porém tecnicamente fraca, competição sul-americana, em ano de centenário do 'time do povo', e leve preocupação pela reminiscência das campanhas do Corinthians na Libertadores do ano de 2006 e, principalmente, de 2003.

Quando Theco deu excelente passe, de letra – aliás, ao contrário do que se via quando o jogador atuava defendendo o clube da Vila Belmiro, lá ele trançava as pernas e caia –, Elias recebeu a bola e empatou. O burburinho do bar deu lugar à histeria. O Jogo prosseguiu; nada de alguma tática e técnica; diverso disto, a peleja era ruim de assistir. Passei a ingressar uma conversa impensável sobre política, depois sobre a geografia dos Estados do norte deste país – será que o Acre existe? Qual a distância de lá até o Amapá?

Quando do início do 2º tempo, eu já sabia que o Corinthians ganharia. Todos ali sabiam. Mas futebol é apreensão. No entanto, os mais conscientes perceberam e preocuparam-se, Mano Menezes mexeu errado no time, reposicionou Jorge Henrique ainda mais para trás, e sobrecarregou o ataque com outro jogador de pouca mobilidade, o centroavante Souza. Ronaldo, que passe o tempo que for continuará genial, saia mais da área para buscar a bola – ele parecia querer relembrar os seus tempos de ‘fenômeno’. Mas o jogo continuava ruim. Antagonicamente, no entanto, foi por este momento que saiu o gol da virada corintiana. Que categoria! Souza, sim, Souza passou bola primorosa e Elias, novamente, estufou as redes uruguaias. 2 a 1, e vamos parar esta escrita por aqui que o resto não vale a pena o sacrifício de memória.

Concluo que deveria ter ido para casa assistir o belo futebol do Santos – embora, diga-se, o Peixe não jogou bem, 1 a 0, em Campo Grande-MS, e não eliminou o jogo de volta pela Copa do brasil; o próximo duelo peixeiro é justamente o clássico contra o Corinthians, domingo, pelo Campeonato Paulista. Ah, minha nossa! Tive agora uma lembrança esparsa. É que por falar em Copa do Brasil, no jogo do Atlético, o atacante Obina, por coincidência que casou-se como luvas em mãos à conversa sobre geografia travada nesta mesma noite, provou que o Acre existe mesmo! Ele fez todos 5 gols da classificação atleticana de 7 a 0 contra o pobre do Juventus de Rio Branco, ou seja, além de agora sabermos que o Acre existe (de fato e não somente nos mapas), ainda há lá capital, habitantes e até estádio de futebol. Os 'políticos' do botequim exaltaram-no: "Obina sim, é o homem mais importante do mundo!" Mas, tornando à minha aventura boêmia entre os gaviões, penso, tentando compreender a causa e a razão deste meu desvio de comportamento, que eu poderia ter ido assistir o Flamengo, que também estreou na Taça Libertadores, ou, quiçá, como última alternativa, ir dormir mais cedo... O sono é bom conselheiro, apesar de ser péssimo patusco. Quem sabe eu devesse ter ligado para aquela garota de recepção que me deu o telefone, ou ido a internet twittar sobre a baleia assassina que matou sua treinadora ou, ainda, conjecturar os próximos passos do prisioneiro Arruda. Enfim, eu poderia ter feito muitas outras coisas, não fosse o fato do Corinthians ser a ‘cachaça do futebol'; não obstante eu não aprecie muito cachaça.

Por Ricardo Novais
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