O Último Fla-Flu

“Tudo é Fla-Flu, o resto é paisagem”. (Nelson Rodrigues)


O velho ‘Maraca’ viu na noite de ontem o último Fla-Flu.  Quantas noites foram mais memoráveis?... E o pôr-do-sol?

Sol no Rio de Janeiro, domingo, à tarde, Maracanã – lotado! De um lado os geraldinos tricolores, do outro os geraldinos rubro-negros; é o “Clássico das Multidões”. Depois vieram outros rivais, outras torcidas de “milhões”, mas nenhum duelo é igual a um Fla-Flu naquele templo do futebol.

No dia 14 de outubro de 1951, Flamengo e Fluminense fizeram o primeiro “jogo antes do nada” da história do Maracanã. Naquele tempo, o time tricolor venceu por 1 a 0. Havia lá toda a gente... Ontem, quase 59 anos depois, poucas almas vivas e mortas testemunharam as  duas tradicionais equipes cariocas em seu último confronto neste gramado teatro de sonhos.  Sim, enfático torcedor, o último clássico antes do fenecimento de toda uma vida, vivida apenas na paixão ao esporte bretão; daqui 3 anos, os portões reabrem no mais emblemático palco de futebol da Terra, mas totalmente reformulado à pretensão de abrigar finórias instalações, padrão FIFA, visando os lucros da bola, bem redonda pela pecúnia, na Copa do Mundo de 2014.

Incrível clube das Laranjeiras e fantástico clube da Gávea, um faz parte do outro. Como o Morro Dois Irmãos, um vive e o outro respira, seja no hino seja na inveja. Irmão mais novo, o Flamengo é dissidência do Fluminense; com o amadurecimento, trilharam caminhos opostos, mas sempre tornam e se encontram... e brigam. Brigam feio! Ora; se o amor, também o ódio,  entre irmãos nada mais é que sentimento de respeito; concordas comigo, querido torcedor carioca já saudoso do velho ‘Maraca’?

Mário Filho teria saudade do “Fla-Flu da Lagoa”, Nelson Rodrigues de um Fla-Flu de 1919 ou outro qualquer onde a multidão já tenha morrido, ou quase toda ela já não mais exista. A voz da dona leitora queima minhas orelhas: "E que tens tu, desgraçado autor paulista, cá com nosso maciço e nossos bulevares?" Ó, minha querida senhora, eu só conheço as crônicas empoeiradas, as imagens de fundo de gaveta, as sensações da meninice ouvindo vozes do rádio e os arquivos de internet. Pouco para àqueles que sobreviveram ao tempo, mas bom para mim, que com o escasso imagino muito e vejo todos os mortos e sobreviventes do antológico estádio tremendo, elegantes mulheres boquiabertas, comportadas crianças a pular, e a mais extraordinária euforia Tricolor e o mais belo e notável amor Rubro-Negro.

Ouvem-se gemidos, o último suspiro, de outra criança que chora e escorrega da Geral do Maracanã – que nem é mais a mesma e jamais tornará a ser. Quer chorar também, torcedor geraldino? Pois chore! Mas mantenha esperança em glórias do incerto futuro com um de teus pés atrás. Sei que o  desanimo é grande, chutam para longe o encanecido romantismo e buscam hodierno prazer tecnológico. Da mesma maneira a tristeza é tamanha nas tribunas e nas arquibancadas, atingindo todos os apaixonados pelo Fluminense e o povo flamenguista de laço fraterno e coração sôfrego.

Maracanã colorido em duas metades: rubro-negro e tricolor. Imagem de arquivo.

Pouco importa o placar deste último Fla-Flu. Sabe-se, no entanto, que, assim como em 1951, os tricolores venceram aos rubro-negros, em duelo derradeiro. Ponto. Fechou-se a tampa do passado no Maracanã. Mas daqui começa outra história. Anseio apenas que a sorte que há de vir seja como um autêntico Fla-Flu, a arte de transformar briga em espetáculo.


Por Ricardo Novais

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