Um rosto na multidão... Imagem de arquivo.
Sabe
quem é o homem mais feliz do mundo, leitor? Aquele homem, bem-sucedido,
alinhado, refinado, cabelo aparado, cara rapada, bem apessoado, sorriso fácil à
mostra, que calado não fica mal? Aquele que hasteia bandeira grande, ostensiva,
que tem uma multidão de dependentes, desgraçados, amarelos, velhos e crianças?
O homem à beira da eterna glória, que tem o testemunho da fama, que enrosca-se
e desata-se, confundindo-se e, depois de algum tempo, encontrando-se? Sabe quem é ele? Aquele
homem, senhor leitor, que mesmo com o tédio consumindo-lhe as entranhas e corroendo-lhe
a pele consegue quebrar a própria monotonia
existencial, desavisado do pobre-diabo que, tão à vista, degusta suculento
churrasco-grego com cachaça numa praça pública sintomática, indiferente também
ao crente desocupado, tão exaltado, a perseguir bela jovem passante e
aventureira do metrô que, concentrada e preocupada com o atraso alquebrado, vai
algum seu compromisso marcado pela rotina?
Não
sabes quem é este homem tão feliz e ao mesmo tempo tão resignado que transborda
toda luz proveniente de cômoda debilidade? Aquele ente humano de ideias tão
livres e que ainda assim sofre de censura moral?
É
o mesmo homem melancólico ao jantar, combalido e amarelo ao almoço, magro de
ideias de dia, talentoso de julgamentos à noite, que come pouco e suspira
muito. É aquele mesmo desgraçado que deixa frases pela metade, elevando os
olhos ao céu, com pouca luz de aurora e outra tanta artificial; que guarda
tesouro de ouro de tolo, glamour em gaveta rasa para que salte aos olhos de
algum visitante, fortuna em estante espelhada que a duplique e esconda algum
sofrimento passado ou presente de lágrimas ou saudade; é o mesmo homem que
carrega o próprio cadáver às costas, com vida boa e que, mesmo bem-sucedida, é
irrealizada, incompleta daquilo que se poderia ter sido, mas não se foi; que se
pode ser, mas não é; que se quer ser, mas não será; é tão-somente o resto de
tudo que fica estacionado nos primeiros estágios – esperando por algo que ainda
está por fazer, quando der e se der. Vida boa; sim! Vida boa e muito
ordinária... Talvez até medíocre.
Já
adivinhou? Já sabe quem é este homem, homem verdadeiramente, sobretudo,
humano? Ora, como não? Mas se este homem és tu, leitor.
Por
Ricardo Novais