Brasão da República. |
Acusam disto e daquilo este
ou aquele candidato à cadeira republicana. Paira no ar da Nação um pombo
cinza... Temo meu próprio olhar crítico e ferino, muitas vezes
até preconceituoso, contra o pensamento de esquerda – principalmente
o de linha positivista-marxista. Só porque é de esquerda? Não, porque tendem à
revolução e/ou ao golpe. Entretanto, lendo, um dia desses, o artigo de um
professor, revejo certos impulsos alojados no inconsciente. É que muitas
vezes a prudência excessiva é covardia, assim como ter atitude ofensiva o tempo
inteiro é egocentrismo fútil e imaturo. Notório que os dois candidatos à
presidência que sobraram no segundo turno desta eleição republicana não se
diferenciarem em nada um do outro no cunho ideológico, sendo eles, de alguma maneira
hodierna, discípulos da fenomenologia e do pragmatismo decorrentes da filosofia
hegeliana. Há apenas nesta escolha presidenciável a
mera concorrência de cargos, disputa inerente à própria disputa,
coisa tão comum entre seres humanos. Pensei nisto por semanas. Percebi que
entre os grupos envolvidos no pleito, de fato, tanto o PT, Partido dos
Trabalhadores, quanto o PSDB, Partido da Social Democracia Brasileira, têm suas
origens na mesma esquerda social-democrata da França e da Alemanha – talvez um
mais alinhado ao ofício de classe e o outro à defesa de grêmio.
Ocorre que fiquei muito
impressionado com o tom desta campanha política eleitoral, a hipocrisia tomou
conta dela. Temas religiosos, que não são da alçada de quem irá sentar na
cadeira republicana, vêm à tona como apelo ridículo. Falam em nome da tradição,
da família e da propriedade como se isto fosse a base de um governo, quando
tais coisas no máximo dão as linhas para alguma construção daquilo que
fundamentalmente deveriam discutir: projetos. Não podemos nos enganar. E se nos
enganam, não temos culpa. Mas a nossa única obrigação de cidadão é analisar, de
acordo com a própria consciência, os dois projetos – que, aliás, quando
expostos e discutidos publicamente, ficam muito aquém dos anseios do povo;
desgraçadamente.
Colocando-me no papel de
agente comunitário, embora de poucas ideias, tenho lá minhas críticas ao
positivismo-marxista das esquerdas; como disse. Mas isto pouco importa.
Reconheço no Governo Lula uma luta digna e um esforço monumental para melhorar
a vida das pessoas necessitadas. Entretanto, não quero saber de ideologias, nem
de religião ou convenções balofas e superficiais de dogmatismos. São muitos os
que deixam à mostra os dentes esbravejando o ideial cristão, mas se esquecem de
pregá-lo. A coisa é simples: dane-se a ideologia, de direita ou de esquerda;
dane-se até o personalismo do candidato, se é populista, acadêmico, preparado
ou o diabo. Embora eu não seja um dos cristãos mais praticantes desta
república, tenho consciência que o importante é o projeto, a meta. Dois grupos
foram testados em igual período, oito anos cada, de administração. Nos dois
existiu a corrupção, em um mais em outro menos. Sim! Contudo, qual foi o que
mais olhou para o que importa: a desigualdade, o social, os mais pobres? Creio
que ser cristão é ser caridoso, justo, querer ver o irmão bem; e não a avareza,
o favor pessoal, a vaidade que se infla acima do bem-estar comum. Se Cristo foi
mesmo crucificado em nome de todos, Ele ficou desgostoso de ver como usaram Seu
santo nome em vão para defenderem ideias de injustiça,
de miséria social e apregoarem uma tradição de requinte da espoliação
e da exploração ao semelhante. Jesus Cristo não é isto! Jesus Cristo,
acredite-se Nele ou não, simboliza o sangue da fraternidade.
Neste sentido, eu não sei se a dona Dilma Rousseff tem plena condição de governar de maneira tão grandiosa, socialmente, veja bem, socialmente, como Lula fez em seu governo – este senhor rústico, sempre barbudo, que desperta tanta ojeriza nos salões lustrosos e vazios, que tem lá muitos defeitos e que poderia sim ter feito as grandes reformas, ter agido com mais transparência em seus atos governamentais. Sim, tudo que as bocas escovadas dizem é verdade; mas também é verdade que Lula foi um dos poucos homens deste país a conhecer a alma deste povo. Noutro dia, por hábito, estudava o contestado período autoritário do Governo Vargas, o Estado Novo, e percebi o quando Lacerda, com tanta eloquência em plenário e em crônicas bem escritas, quis o mal dos pobres. Tive de reconhecer que Getúlio Vargas, muitas vezes de maneira até torta e pouco democrática, agiu como alguém que sabia muito bem quem era o povo que governava e o respeitou acima de tudo – e até deu pelo povo a própria vida, sem vaidade alguma, como insistem alguns ainda hoje. Cabe a lembrança. E se Lula não foi o mandatário dos sonhos de muitos, eu, sinceramente, reconheço nele a postura de quem, igualmente a Getúlio, soube ler a alma do brasileiro. Fernando Henrique, o presidente FHC, custou sabê-la. Consta nos livros de história que ele tenha brilhado em seu período sentado na cadeira republicana. Não desacredito de tal ensinamento. Mas, não sei o porquê, FHC não quis saber de transformar este maravilhoso pedaço da Terra em terra justa. Não me parece bom ir à Europa, com dinheiro, e ouvir: "Você é do Brasil, aquele país de miseráveis?" Se o sujeito tiver o mínimo de consciência social ele perceberá, facilmente, que não se trata apenas de se ter boas condições de subsistência própria e de seus entes, e sim que deveríamos exigir a melhora da vida de todo o povo; ou pelo menos o de sua maioria. Nisto está consistido o valor republicano, e, do mesmo modo, o tal valor cristão. Mas é claro que ninguém tem a obrigação de agir diretamente empenhado para diminuir a desigualdade e a fome. Contudo, penso que temos tão-somente a obrigação de não agir para evitar que alguém o faça.
A senhora Dilma me parece,
para dizer o mínimo, enigmática; não temos a mínima garantia, de nada,
elegendo ela. Entretanto, penso que eleger presidente da república o senhor
José Serra é agir para impedir a tal melhora de vida do cidadão, dando novo poder à
espoliação deste povo, por intermédio da cúpula do PSDB paulista – o paulista,
porque creio que o PSDB mineiro, por exemplo, tenha mantido certo senso de
dignidade humana herdada do PMDB do doutor Tancredo Neves. Enfim, eleger Serra
é eleger a não-cidadania. Elegê-lo é eleger a volta da política do mercado
livre de nichos, que dá a certos detentores do grande capital e, ao mesmo
tempo, retira a esperança e a oportunidade do cidadão que produz com o esforço
do trabalho a riqueza desta Nação – seja o do sul, seja o do norte e o de toda
a parte. Tenham por certo, (e)leitores e (e)leitoras, eles virarão as costas à multidão de
brasileiros, criativos e podados desta criatividade, se vencerem este pleito
republicano. No dia em que o Brasil for um país equilibrado socialmente, aí
sim, poderemos conjecturar a tal liberdade de mercado ou o "vire-se como
puder". Agora, não podemos compactuar com a fome, a pobreza de muitos, e a
má educação das crianças; poxa, justo quando o país começa a andar nos trilhos
para se encontrar com o que realmente é. Justo agora que muitos parecem
verdadeiramente comprometidos com a descoberta da identidade autêntica deste
povo; esta identidade que D. João VI, D. Pedro II, Vargas, JK, mesmo Mário de
Andrade, Villa-Lobos e outros tantos se empenharam em buscar. Temos mais uma
chance de seguir com a toada da soberania do Estado e do desenvolvimento humano, honrando assim todos aqueles que, de alguma maneira, derramaram um
pouco de sangue em glorioso passado. Presente é continuar construindo futuro. E
se é neste tempo que podemos cobrar e receber respostas, interferir no rumo
nacional e, principalmente, contribuir para que os brasileiros galguem com boas oportunidades os
caminhos da esperança, da justiça social, do convívio criativo e de direito – que
seja! Esta é uma terra tão bonita, profícua, onde tudo é possível e só nos falta ainda esta tão almejada identidade genuína.
Não! Não a não-cidadania!
Sim para o povo brasileiro!
Serra é mal? Creio que não seja; mas o PSDB, partido oriundo de São Paulo, fruto do pensamento de quem desejava um Brasil moderno e justo, caiu no vício da alienação bandeirante. Outrora pungentes homens, hodiernamente ultrapassados. É de se abismar. Franco Montoro, Mário Covas e o próprio FHC não mereciam isto. O que houve com o PSDB? Antes um partido comprometido com o ideal republicano, agora reduzido a um braço, direito, do DEM. Não creio que tenhamos o dever de sermos alinhados à direita nem à esquerda, temos apenas o dever de desejarmos o bem para todos.
Realmente acredito, mesmo
que tão-somente assistindo, que o povo brasileiro está melhorando em suas
condições fundamentais de existência. Talvez por causa do Governo Lula, talvez
não, talvez por causa do imponderável; às vezes não sei bem do porquê. Mas é que
esta terra que tanto me diverte é o mesmo lugar onde repouso meu sono quieto e
esperançoso. Amo esta pátria, embora eu não seja patriota. "Acode, acode,
acode a bandeira nacional".
Por
Ricardo Novais