Nietzsche, por certo, condenaria o Brasil, pois não pôde conhecer o paraíso

Brasil visto pelo egocentrismo paulista. Arte: Blog Borrifando.

Três jovens, passeando de carro, avistaram algo grave:

- Tem uma pessoa coberta no asfalto, deve ser assaltante! – apontou Heitor.

- Essas coisas são comuns aqui no Rio... – reconheceu Roberto.

- Também em São Paulo! – retrucou o outro em consolo bobo.

Enfim, concordaram em alguma coisa os dois primos. Sempre se encontra algo em comum entre as pessoas...

Diante da anuidade deste consolo inocente, Xavier se pronunciou, sumariamente:

- Pode ser, mas não troco nossa violência por aquela maluquice que vocês têm lá... – disse o doce rapaz, fitando Heitor, que, por sua vez, calou-se.

Mas alcançando que deveria, também, dizer algo em favor de sua cidade, o outro carioca  alfinetou:

- Verdade mesmo, Xavier. Por aqui as pessoas se cumprimentam, vão à praia e percebem o nascer do sol. Lá todo mundo correndo e achando que estão vivendo... Cidade horrível à beça!

- São Paulo pode não ser a mulher mais bonita do mundo, mas, sobremaneira, é a mulher mais charmosa sob a face da Terra... E, meus caros, à medida que se envelhece, valem-se mais a elegância e a inteligência que a beleza!

- Pô, meu irmão! O velho poeta boêmio já dizia: “Que me desculpem as feias, mas beleza é fundamental...”. Não troco o Rio por nenhum lugar deste mundão...

- É?... Aposto que aquele sujeito que ficou estirado lá atrás, no asfalto, também não trocaria... – ele sorriu – Agora que o coitado não pode trocar nada mesmo... Pobre diabo!

Heitor disse isto por escárnio e por certa raiva dos amigos, ou seja, poderia ser qualquer sentimento, menos compaixão. Antes de seguirem viagem, eles caíram num silêncio profundo, tristes e, até, reflexivos.

A lôbrega que havia se instaurado foi quebrada, finalmente, pela seguinte frase que, além de perfazer toda a oração, continha uma representação antropológica:

- O cara morto lá no asfalto... Deve ser um paraíba! – foi o que constatou Xavier.

Tal qual um filme célere, que passa pela mente em segundos, Heitor pensou mesmo que a correlação, entre o determinismo de ser nordestino e a denominação pejorativa atribuída a ser um “paraíba”, aponta um estigma carioca. “Malditos estigmas!”, ele resmungou. Embora alguns, mais antigos, tenham por si que a cognação corresponde aos provenientes do além-Paraíba; ainda assim, seriam pessoas da mesma estirpe e marcadas apenas por delimitar limites oriundos do norte do rio Paraíba do Sul.

Bendita seja a Feira de São Cristóvão!

Marca de supressão também existente entre os paulistas, pois que denominam de “baianinho”, “baianão” ou “baianada” todas as mazelas sociais e suas derivativas. Pobre sina esta dos que têm sua raiz nos que clamam por Padrinho Cícero! Ainda refletindo sobre este pensamento dos jovens amigos, verifica-se existir espécie precavida de apartheid sócio-regional de norte a sul do Brasil; ou do sul para o norte, mas isto não importa muito... Temos mais uma divisão supérflua, talvez imbecil, neste país. País que teima em não amadurecer... Mas perceba, meu irmão nordestino, acompanhe, por favor, o meu atilamento. Veja se não concorda comigo que é comum a classificação teatral numa sociedade de aparências; os próprios habitantes do nordeste brasileiro alcunham de “são-pauleiros” os seus sertanejos que vêm à São Paulo trabalhar na lavoura. Os cidadãos do mundo inteiro têm sinais característicos da inflexibilidade humana, em sua habitual inclemência que não aceita diversidade cultural, ou na simples cegueira social. “Paraíbas”, “baianos”, “bolivianos”, “cucarachas”, “sudacas”, “argelinos”, enfim, ainda que artificiais, são mesmo malditos estigmas!

Destarte, as concentrações urbanas badaladas reverenciam cariocas, paulistas, mineiros, paranaenses, gaúchos e assim por diante, em detrimento a todo um povo legítimo, originário de toda uma nação. Onde Cabral aportou, afinal? De onde vem o próprio nome Brasil? Só isto já bastaria para verificar que se há algum débito entre as regiões este é do sul/sudeste para com o nordeste. Num povo tão esparso como o nosso, onde até dentro dos municípios as idéias se confundem, não há mais espaço para a convivência? Assim como, também, teima-se que as áreas metropolitanas do Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Recife, Belém inventarão o progresso. Mentira! Talvez haja mesmo algum progresso, alguma civilização, mas falte a ordem, a consciência humana; portanto, será tudo dissimulação caso reneguemos nosso berço. Parece-te cômodo que agricultores sejam “jecas”? Estamos é fabricando e embalando cidadãos flexíveis, de espírito atalhado ao enriquecimento do extraconhecimento, de igual modo aniquilamos a cultura livre, descartando tudo aquilo que  poderia nos tornar brasileiros autênticos e não esta sociedade deslumbrada e estereotipada que somos hoje.

As plantações hodiernas de cana de açúcar, a moderna indústria, a mineração e a siderurgia, a agricultura da soja e a diversificação da economia em todas as áreas (inclusive as longínquas lavouras na roça e a pobreza de lugares como o Vale do Jequitinhonha, onde não se consegue garimpar a própria vida), não são representadas pela sua própria cultura, mas sim pelas tais áreas metropolitanas. Para a legislação ordinária pátria, que também é prevista na Magna Carta, todos os brasileiros são iguais, sem diferença de raça, crença, classe ou de qualquer outra natureza social; entretanto, pragmaticamente, os municípios apresentam-se, paradoxalmente, separados do desenvolvimento, quase retrógrados; posto a representatividade política que possuem as metrópoles. Em todo caso, é sabido que as pessoas moram em casas, apartamentos, sítios, chácaras, chalés, barracas, barracos, embaixo de pontes, enfim, vivem nas residências, e não envoltas em bandeiras. Portanto, sendo assim, e sem me estender mais, digamos que a antinomia incontestável do pensamento nacional está no fato do Estado não se ater apenas em suas únicas duas obrigações: de promover um meio para realização da cultura; e, como diz Nietzsche, de fazer um ambiente para nascer o além-do-homem.

Fossemos mais rigorosos, concluiríamos que jamais houve um autêntico federalismo no Brasil ou, ainda, que, nós brasileiros, vivemos uma tragédia de composição federativa. Sem uma cultura autêntica, este país vive de decretar regras e mais regras, a torto e a direito... Quais resultados? Responda o senhor mesmo, leitor, ou peça ajuda a minha amiga dona leitora.

Desculpe ao cidadão e também a eleitora, porém toda esta minha irritação é quanto à cisão, tipicamente, brasileira, agindo intempestivamente, como se irmãos tivessem que se tolerar. Tolerância, intolerância; por que não convivência?

Com isto escrito em aflição, assustado que fiquei com a onda xenófoba registrada no Twitter e outras redes sociais da internet, talvez deflagrada pela campanha política sórdida feita nesta última eleição republicana, percebo que este nosso país é um paraíso fantástico – filho único e resto de tudo.

Por Ricardo Novais
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