Ilustração: BlogMail. |
Leopoldo
é velho conhecido no colégio do bairro Republicano. Professor de língua
portuguesa, ele é bem quisto pelos pais e mal visto pelos alunos. Há um conflito ali em vias de atrapalhar a boa educação do futuro. Tudo porque
um tal de Renato, recém contratado para a turma da manhã, insiste em trocar o
pronome você por simplesmente vc entre as suas aulas de gramática.
-
Mas que absurdo! Isto é fonema subversivo! Onde já se viu, meu amigo? E um professor, hein! Um professor! –
esbraveja pelos corredores Leopoldo, fora de si, ao perceber que perde cada vez mais espaço para um docente mais moço e
mais ágil do que ele.
Renato nunca deu muita bola para afetações, é atrevido e confiante como o quê. Olha com certo desdém para o colega, e os alunos acham muita
graça na briga. Noutro dia, Ritinha, estudante de alguma série, estranhou:
-
Que há entre esses dois? São inimigos?
- Ai, menina. Sim – explicou-lhe Cláudia, a professora de história. – Na verdade,
eles são primos distantes. Mas agora o Renato chegou e quer tomar o lugar de
Leopoldo, entendeu?
-
Mas chegou... Ele veio de onde? Como?
-
De alguma escola de outra República. Mais ou menos como o próprio pronome você. Antigamente era tratamento real, vossa mercê; depois foi suprimido para vosmecê, dado somente aos nobres da
Corte; aí que veio o nosso conhecido você
e ainda, com o advento das redes modernas, o simplíssimo vc. O medo de Leopoldo é que ele acabe remanejado para o colégio
das palavras arcaicas ou pior, seja acabado como letra morta.
-
Ah, Ritinha! – gargalhou Jaime, o professor de matemática – Mas é que enquanto
o Renato é jovem e as alunas não desgrudam os olhos dele, o Leopoldo é velho
ranzinza e sofre de reumatismo. Nada mais natural...
Natural
ou não, o encanecido professor ainda tem o seu pronome nos dicionários da
língua republicana e o pronome recém-chegado é quase um bruxo da linguagem consoante. Sintomático, e curioso. Educadores, teóricos e a dona-de-casa não falam de outra coisa. A ortografia do você e vc já confunde também os pais e os alunos. E para tu, leitor, quem vencerá esta briga?
Por Ricardo Novais
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