Rivalidade no escritório

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Seres inanimados têm relação diferente com o mundo. Relação de rivalidade. Não crê, leitor? Pois preste atenção aos objetos de teu escritório. Em meio ao universal tédio do ofício cotidiano, um grampeador de papel, um clipe de atrelar papel e um post-it de fixação ao papel travam a mais absurda e acirrada das competições quase um reflexo humano, se a alma não fosse menor que a vaidade.

- Ora, senhor grampeador, eu sou livre, tenho desprendimento da vida; ao mesmo tempo em que cá estou num ofício, acolá estou numa carta pessoal... O senhor, não! Serve para deixar seus frutos presos em folhas vulgares, a enferrujar o coração alheio e o próprio. Um grampeador de papel apenas prende, e prende para a eternidade... inicia a peleja o clipe, todo presunçoso e galhofeiro.

Mas o grampeador é cioso de si:

- Não diga besteiras, amigo! protesta irritado. Não vê que meu mister é mais confiável; o homem do escritório confia em mim... Além de usar minhas barrinhas de grampos como arte em seus momentos de prazeroso fastio ao trabalho.

- Arte? Essa é boa! Artista sou eu, que faço correntes, pulseiras ou artesanato. Sou de diferentes tamanhos, modelos que se prendem e se soltam, com cabeça para muitas certidões. Vivo conforme a necessidade de meu dono. Sou terapêutico! Tu nada é, nem será... Se já está mesmo aí a espátula para arrancar, à força, teu trabalho do formulário... Vive a machucar a dona folha, isto sim! E ainda declara a morte de valorosos documentos, aos poucos...

- Morte qual?

- Calem-se, seres ultrapassados! repentinamente brada o post-it aos dois colegas. Não percebem que sou eu o material mais útil? Sirvo de anotação grudado ao computador ou à máquina portátil. Fixo-me na dona folha com suavidade, requinte; sou elegante e maleável...

- É um anêmico, isto sim! provoca, gargalhando animadamente, o clipe de atrelar papel.

- Mais respeito, senhor! diz o post-it solicitando ao rival.  Onde já se viu... Invejoso!

- Invejoso. Qual?

- Invejoso sim, senhor! Apenas porque sou melhor, insulta-me. Sou moderno, não deixo marca nem resíduo; enquanto tu, clipe ingênuo e mal-educado, és um arremedo metálico. Sou a melhor utilidade do escritório há várias décadas; quanto a ti, contorcem-lhe à vontade, por brincadeira...

- Ah, sua fitinha frustrada de uma figa!

Assim passam as tardes na repartição o post-it, o clipe e o grampeador; acredite-me, meu caro leitor. Comece a reparar nos objetos à tua volta, em cima de tua mesa de trabalho ou da escrivaninha iluminada; todos lá, discutindo entre si, por nada. Sim, são representações de seus proprietários ou detentores aquele de quem de direito seja a posse. E podem mesmo ficar em contenda frívola por toda a soberba eternidade, caso não chegue logo o furador de papel com um risinho altivo nos cantos de suas traves.

- Seres do passado! Cafonas! repreende a todos o furador. – Brigam e brigam por nada, ou pela vida mais miserável que a própria. Fiquem sabendo que também sou tudo o que dizem, mas não me prendo a ninguém, não me entrelaço em calhamaço algum e jamais serei uma criatura grudenta; levo toda a alma das folhas brancas e também das escritas dentro de mim, e, quando estou cheio, esvazio-me para mais bolinhas de essência. Corto, furo e alimento-me. Sou livre por profissão, e não dou caminho a quem não tem consciência da própria condição finita de ferro-velho.

O furador de papel é de fato um membro admirável no ambiente de escritório, gerente que faz calar quaisquer ânsias rivais. Contudo, por estes dias, surgiu pela secretaria um atrevido dispositivo eletrônico que promete a amarração de todas as folhas sem a necessidade de nenhum colega de trabalho; nem a liderança do furador e mesmo a imponente secularidade do glorioso papel fazem-se respeitar diante do pragmatismo do tal aparelho eletrônico.

Não gosto muito de modernidade! confessa então, por fim melancólico, o papel ao seu furador. A cada novidade que trazem à luz do hoje o mundo vai regressando às trevas, e a passos largos.

Por Ricardo Novais

O Bule Tv

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Trem azul

Brasão de Armas Nacionais, composto por um ramo de café e um de tabaco e a constelação do Cruzeiro do Sul no escudo ao centro.

Vai indo o trem azul. Avante. Avante. Traçando planaltos e colinas, todos os olhos partem de passageiros dentro dele. Contemporâneo. Mas a constelação do Cruzeiro do Sul é e será sempre o seu guia. Estrela-guia. O mérito do trem azul é trilhar caminhos e sonhos, próximos e distantes. Magnífica máquina! Quase humana; quase feliz. Leva a locomotiva celestial o homem de terno escuro e cara rapada, o menino de boné e sorriso bucólico, o padre e o jogador de futebol, a linda prostituta, o elegante senhor de charuto, o motorista de ônibus e o maquinista de metrô, o branco, o negro, o amarelo, gente de todas as cores e de todas as idades, do norte, do sul, nosdestinos, do novo horizonte, do velho, o traficante, o comentarista de vida alheia, o cão vira-lata e o professor universitário, e leva também a pueril dona-de-casa e seu nobre eleito. Toda a gente está nele. Mortos e vivos, vivos e mortos! O mendigo vê o colossal comboio passar imponente pela estação, deitado em sua calçada, levanta a cabeça, faz reverência e torna ao sono divino e perpétuo.

Celeste como o céu. Brilhante como as estrelas. Forte como o Cruzeiro do Sul. A melhor definição de engenharia ou de ciência não faria justiça a este personagem refletido em nossos espelhos todas as manhãs, e não seria melhor que o atrito estridente das rodas de aço nos trilhos de ferro e a vida estancada dos dormentes de madeira. Quilômetros a fio de sangue, esperança e saudade. É minha alma, é tua, é nossa.

Avante, avante trem azul!

Por Ricardo Novais

Tesselário


Tesselário - Lançamento do livro de minicontos do escritor, companheiro bulesco e amigo Geraldo Lima. Noite de autógrafos dia 17/5/2011, a partir das 19h, no Martinica Café, 303 Norte, Plano Piloto, Brasília-DF.

A angústia de se viver

Quando a vanglória é o assassinato de um homem, seja este quem for, deve ser porque a angústia já tomou conta do mundo... A angústia de se viver*. -- Foto: Google Imagens.
Matutando em Kierkegaard, que foi, em tantos aspectos, o arauto destas espécies de experiência vivida e, de qualquer maneira, um excelente conhecedor em matéria de angústia; escreveu a este respeito, que “o nada, que é o objetivo da angústia, assume, de alguma maneira e progressivamente, figura de realidade. (...) O nada da angústia é, pois, neste aspecto um complexo de pressentimentos que se reflete em si próprios e se tornam cada vez mais próximo do indivíduo”. Enfim, parece bom refletir sobre o aforismo deste filósofo; pois podemos pensar que este nada da angústia derruba e violenta os conceitos estratificados.

Já Schopenhauer diria: “viver é sofrer”. Concordemos que a vontade humana é concebida como algo sem qualquer meta ou finalidade, desta maneira, gerando uma inevitável dor. O prazer é apenas um momento fugaz de ausência da dor,  porém, desgraçadamente, nosso júbilo é sempre instável, finito e temerário. Um tanto quanto pessimista em relação ao circuito da vida. Mas, eis que é fato, a elegância e a extravagância da maldade, devagarzinho, virem e se encarnarem na rotina e na trivialidade da sociedade.

Posto, com efeito, que não sou o arauto deste grande circo de horrores; por isso, como diz Nietzsche, “os homens não têm de fugir à vida como os pessimistas, mas como alegres convivas de um banquete que desejam suas taças novamente cheias, dirão à vida: uma vez mais”. Assim, benevolência, afeição, objetividade, humildade, subserviência, piedade, compaixão, amor ao próximo, constituem valores inferiores, pelo orgulho, pela altivez, pelo risco, pela personalidade criadora, pelo amor ao distante. O negativo subsiste somente como invasão própria à afirmação, como a crítica cabal que acompanha a criação. Em todo o caso, em Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extra-Moral, do mesmo inquietante Friedrich Nietzsche, leva-nos a crer que vivemos num contexto mesmo extravagante, mas de cidadãos obedientes, com espírito que impede a evolução de uma cultura livre, tornando-a deslumbrada e estereotipada; ou, como diz o próprio homem que têm seus escritos e si próprio fora do tempo: “alguns nascem póstumos”, outros têm “obrigação de mentir segundo uma convenção sólida, mentir em rebanho, em um estilo obrigatório para todos”.

Mas ora, leitor amigo, valendo-me, por esta hora, do poeta Augusto dos Anjos, que alguns, desde tempos remotos até o atual, qualificaram como marginal; este magnífico poeta, também da angústia, declamaria: “Tenho uma vontade absurda de ser Cristo / Para sacrificar-me pelos homens!”.

Por Ricardo Novais
* 'A angústia de se viver'; capítulo CLI de O BoêmioRicardo Novais, Bookess, S. Paulo, 2010.

O casamento real

Ilustração: Melo.

Extra! Extra! Juca Brasil, nossa maior personalidade mundial, foi o único super-herói entre os comensais do deslumbrante casamento real. Quanta fidalguia, Juca! 

Acompanhe todos os detalhes desta heróica façanha brasileira n'O Bule. 
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Oficina literária gratuita em Campos

Projeto semeia novos escritores e leitores

Com o apoio da Funarte e da Academia de Letras do Rio de Janeiro, no dia 26 deste mês, aconteceu mais uma etapa do nosso projeto, realizado em escolas públicas dos municípios incluídos no Programa Territórios da Cidadania, do Governo Federal.



O objetivo da oficina é o estímulo à leitura, a criação e o desenvolvimento de novos públicos leitores. Para tanto, de forma lúdica e inovadora, o projeto vem realizando há 6 meses um ciclo literário gratuito, onde se misturam palestras, oficinas, saraus e concursos, buscando novas práticas e relações entre leitores e escritores. A intenção deste coletivo não é o de ensinar a ler nem a escrever, mas a gostar de ler e a gostar de escrever.



Os escritores Leandro Leite Leocadio e Omar Dawud visitaram, desta vez, a Escola Municipal Professora Vilma Tâmega, em Campos dos Goytacazes (RJ), onde ministraram duas Oficinas Literárias: uma para a idade de 12 a 14 anos e outra para os alunos de 15 a 18 anos.



Em cada oficina, serão escolhidos os 10 melhores textos produzidos pelos alunos. Após esse ciclo de visitas, todos esses textos serão publicados numa antologia produzida especialmente para fechar o circuito. Cada autor receberá gratuitamente 15 exemplares e cada escola terá direito a 30 exemplares – a serem distribuídos entre biblioteca, diretoria e professores.

Agradecemos a colaboração das diretoras Rita, Lívia e Sílvia. Sem elas, o evento não seria possível.

As próximas etapas acontecerão na Escola Estadual Bairro Cubatão, em Cananéia (SP), no dia 3 de maio (da qual participará o escritor ), e no Colégio Estadual de Itabuna Geral, em Itabuna (BA), no dia 6.

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