Edouard Manet - óleo sobre tela - 1864. |
Entrei em um bar e, enquanto aguardava
amigos para o happy hour, fiquei a observar dois homens que discutiam sobre
política na mesa em frente. Discutiam tão alto que era possível ouvir com
exatidão o motivo do entrave.
- Você é idiota, Carlos! É claro que o
governo neoliberal traz progresso ao país...
- Não, senhor! O neoliberalismo enrique
uma casta e o povão fica na merda! O nosso país deveria seguir a política dos
países nórdicos...
Era uma discussão tão superficial que
logo me desinteressei. Menos que um quarto de chope, os meus amigos chegaram.
Alguma bebida, risos e piadas ao estilo do mestre Ary Toledo depois e eu já
estava meio bêbado; meio bêbado é um eufemismo, caro leitor, já que não existe
ebriedade pela metade.
- Então você não acha que o campeão de
87 é o Flamengo? – questionei um.
- Claro que não, Heitor! É o Sport do
Recife...
Embora fossemos trintões, a nossa
discussão era sobre futebol e coisas relacionadas ao ambiente de garotos da 5ª
série.
De repente, olhei para frente e vi os
dois camaradas que estavam discutindo política saindo do bar, juntos e
abraçados, porta fora. A dona leitora bem sabe, a curiosidade alheia é a
salvação do tédio do espelho. Então chamei um garçom e lhe perguntei se sabia
quem eram aqueles dois.
- Não sei, senhor. Mas acho que se
conheceram hoje. Eles chegaram antes do senhor... Bem, quando eles chegaram eu
ouvi eles falando... Apresentaram-se formalmente... Acho que tinham marcado o
encontro pela internet. Por quê?
- Por nada.
Acabei de beber, dei um abraço nos meus
amigos e saí do bar. Poucos metros, vi alguém caído na calçada.
Aproximei-me, já havia umas cinco ou seis pessoas envolta. Reconheci o sujeito agonizante na calçada, era um
dos homens que estava no bar discutindo política, jaz moribundo; não tinha
sinal do outro.
Um senhor velho, de barba branca bem
rala, que parecia velar o local, abaixou e sumiu o relógio do morto. Veio mais
gente; moradores de rua, seguranças, funcionários do metrô, executivos que
estavam saindo do trabalho e duas mulheres da vida e um travesti alto.
A esta altura, o morto já tinha perdido
a carteira, o celular, a gravata e a honra política; chegou a polícia. A
polícia chamou o SAMU. O cadáver, mais político do que nunca, aguardava o
rabecão e o seu esquife.
Passei bem um quarto de hora a admirar
o espetáculo da morte na república. Depois me afastei, devagar, reflexivo de
quem seria o cadáver, de que lado do Fla-Flu ideológico ele se encaixava, em
vida e em morte; cheguei em casa e fiquei o resto da noite acordado. Procurei e
procurei uma posição política e de ética em uma rede social da internet. Não
achei nada além de julgamentos republicanos, esparsos e rancorosos. Perto de amanhecer, eu desisti; e
fui ler as notícias esportivas.
Por Ricardo Novais