tag:blogger.com,1999:blog-5676541321532600332024-03-09T22:30:17.353-03:00Blog do Ricardo NovaisRicardo Novaishttp://www.blogger.com/profile/01327903255629606839noreply@blogger.comBlogger301125tag:blogger.com,1999:blog-567654132153260033.post-16466782365010567942024-03-02T20:55:00.004-03:002024-03-02T20:55:28.014-03:00Equilíbrio<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgVpVNYwGP7EAsN3WTkPdfpZCoOdIr4wwH92JeaLqbPcpACkqny-WUwgbCiWSa3-YN_xCTv_FyOYsI_NfViPyaO1AWQuDkb5jklVc3b-1ukr6jztrsrl6qncbtJUR8B7_c1ERDDwEnWSFQ/s1600/O+Grande+Bar,+do+pintor+italiano+Alberto+Sughi.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" dua="true" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgVpVNYwGP7EAsN3WTkPdfpZCoOdIr4wwH92JeaLqbPcpACkqny-WUwgbCiWSa3-YN_xCTv_FyOYsI_NfViPyaO1AWQuDkb5jklVc3b-1ukr6jztrsrl6qncbtJUR8B7_c1ERDDwEnWSFQ/s400/O+Grande+Bar,+do+pintor+italiano+Alberto+Sughi.jpg" width="340" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O grande bar, de Alberto Sughi.</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, "Times New Roman", serif;">Não eram dez horas ainda, mas a noite parecia acabada. Ah!, leitor, uma noite encerrada precocemente é como o amor sem o gozo. A cidade é feita para se apreciar, sair de casa, andar a pé pelo bairro, parar em um bar. Preencher a vida com rostos desconhecidos de todas as cores e idades. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, "Times New Roman", serif;"></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, "Times New Roman", serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, "Times New Roman", serif;">Parei em frente ao bar do Juarez, não entrei. Fiquei a olhar com insegurança as ruas ao redor, cheias de bares apinhados de gente, homens e mulheres desconhecidos fumando nas calçadas, copos tilintando beijados pelas mesmas bocas, bocas transmitindo as mesmas conversas. Não eram dez da noite.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, "Times New Roman", serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, "Times New Roman", serif;">Entrei no bar. Pode dizer-me ambíguo, leitor. Fui direto ao balcão, bebi uma dose e chegou uma mulher. Fomos para uma mesa nos fundos do bar, a única que vagou rápido. Em cinco minutos, eu olhava para uma mulher em prantos acusando-me de crápula; não julgue à toa, dona leitora; a coisa pareceu-me triste, a noite terminando precoce...</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, "Times New Roman", serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, "Times New Roman", serif;">Há muito tempo, um velho bruxo dizia que existem pessoas que choram pelos espinhos na rosa, mas há outras que sorriem porque entre os espinhos colhem-se as rosas. Possível que o pensamento não seja deste jeito tão rude, mas é que não tenho a elegância daquele bruxo, e também porque a paciência da escrita deste tempo é mais curta do que outrora.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, "Times New Roman", serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, "Times New Roman", serif;">Sim, fui um crápula. Saí do bar. Sozinho. A mulher ficou, solitária, terminando a cerveja sem álcool à espera de alguma boa companhia. Andei pelas mesmas ruas entre os mesmos bares apinhados de gente de todas as idades. Entre todos os desencontros, encontrei boa companhia em pub de ladrilho descacado. Bebemos, rimos, cantamos; bebemos outra vez... A noite precoce estendeu-se um pouco mais, e mais, até que virou dia. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, "Times New Roman", serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, "Times New Roman", serif;">- O que você está pensando?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, "Times New Roman", serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, "Times New Roman", serif;">- Na bebida colorida desta cidade!</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, "Times New Roman", serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, "Times New Roman", serif;">- É tão simples...</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, "Times New Roman", serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, "Times New Roman", serif;">Há coisas que me fascinam demasiadamente. Os sorrisos fracos entre os goles de cerveja e a névoa do cigarro que não se fuma pesam às costas daqueles que se conhecem bem, entretanto, entre aqueles que tenham se visto pela primeira vez há poucos instantes todo momento é único e futuro.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, "Times New Roman", serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, "Times New Roman", serif;">- É tão simples...</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, "Times New Roman", serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, "Times New Roman", serif;">Enquanto alguém lamenta, caro leitor e querida leitora, outra ri; o mundo é perfeito. Seria um tédio só se tudo fosse lágrima, mas também sorriso o tempo todo seria fútil e débil. Não acha? O equilíbrio é a felicidade da vida, em sua variedade humana, entre lamúria e dança, ressaca e impulso; um copo sendo cheio por uma garrafa brilhante em um bar qualquer desta megalópole barulhenta, cinza e de passos anciosos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: right;">
<span style="font-family: Georgia;"><em>Por Ricardo Novais</em></span></div>
Ricardo Novaishttp://www.blogger.com/profile/01327903255629606839noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-567654132153260033.post-23119396330137812812023-01-03T01:03:00.030-03:002023-01-03T03:38:54.372-03:00O funeral do Rei Pelé<div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><span><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhm-tTzszK_ZTAyuEgf_urAIr_Ft_a3ej4pQPY_tp0mWa900jDaPz32zQMiq_W5lRHrUFzaAzojgJFDziu_TZcKnMobiIcbj5UT6xMxry8dXliRqYdV8lcyEhX3LyyY_GLL7ZV9U5hhD7E4LPP0uZu72LGkcVASwAh8spJAY3zllQ4FKMSdUQtUioAl/s1600/Vel%C3%B3rio%20Pel%C3%A9.jpeg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="1554" data-original-width="1600" height="311" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhm-tTzszK_ZTAyuEgf_urAIr_Ft_a3ej4pQPY_tp0mWa900jDaPz32zQMiq_W5lRHrUFzaAzojgJFDziu_TZcKnMobiIcbj5UT6xMxry8dXliRqYdV8lcyEhX3LyyY_GLL7ZV9U5hhD7E4LPP0uZu72LGkcVASwAh8spJAY3zllQ4FKMSdUQtUioAl/w320-h311/Vel%C3%B3rio%20Pel%C3%A9.jpeg" title="Imagem do autor." width="320" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: times;">Foto do autor.</span></td></tr></tbody></table></span></span><span style="font-family: georgia;"><span> </span><span> </span></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><span> </span><span> </span>Escrevo é para esclarecer as emoções. Estive no velório do Pelé. A escrita vem como uma necessidade, quase sobrenatural, de descrever os sentimentos; nem sempre, é verdade, mas neste caso é este o sentido. Atribua-se ao imponderável.</span></div><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><span style="white-space: pre;"> </span>Tenho um amigo que disse que “um rei não morre, apenas repousa”. Eu não conheci o Pelé, mas já o vi das arquibancadas; ele estava no camarote. Lembro-me de ter ficado feliz de vê-lo, mesmo que de longe; um súdito do rei contemplando sua alteza real do futebol.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><span style="white-space: pre;"> </span>Hoje foi um dos dias mais inesquecíveis da minha vida. Eu me lembrei de meu saudoso pai contando quando ele viu o Pelé jogar no Pacaembu em 1974, lembro dos olhinhos tão bondosos e admirados dele reconstituindo cada jogada do "maior de todos", do "atleta do século"; sempre sinto a presença de meu pai, mas hoje foi mais forte. Eu me lembrei de um amigo santista fanático que, encontrando-o recentemente, disse ser o dia do título do Santos no Brasileirão de 2002, qual estávamos juntos no Morumbi, o segundo dia mais feliz da vida dele; o primeiro é do nascimento da filha. Recordando, desordenadamente, cheguei em outro amigo santista, também fanático, que faleceu quando estávamos numa viagem juntos com vários amigos em comum. Ele morreu nos nossos braços, literalmente, pois o levamos, às pressas, para o hospital; entre suas últimas palavras me recordo ter ouvido um pedido para "seguir acompanhando o nosso Peixe".</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"> <span style="white-space: pre;"> </span>Lembrei-me de tudo, de nada, mas de tanta coisa. Memórias descompassadas que fizeram lembrar que a dona Celeste, mãe do Pelé, está viva com mais de um século de vida; não existe coisa mais sublime que mãe, isto eu sei por causa da minha própria mãe e seu amor incondicional.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><span> </span>Eu já estava no litoral desde antes do réveillon. Estava com a família no Guarujá e marcamos de encontrar um corintiano lúcido e democrático na Vila Belmiro por volta das nove horas da manhã... Antes, percebo que o leitor torcedor e a leitora amante de futebol cantam por uma explicação. Aí vai o esclarecimento: Pelé marcou 1.283 gols, sendo este feito reconhecido pela Fifa, e o Corinthians foi o time que mais levou gols dele; de modo que um corintiano ir até a Vila Belmiro prestar homenagem ao seu maior carrasco só pode ser a lucidez da sabedoria. Pelé representa o acesso à arte da democracia do esporte.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><span> </span>Trânsito terrível! Para andarmos menos de 20km até Santos demoramos mais de uma hora e meia. </span><span style="font-family: georgia;">Atravessamos a balsa de Guarujá a Santos com ansiedade de quem tem pressa.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><span> </span>Quando a balsa estava quase atracando na Praça Coutinho, que logo me fez lembrar da extraordinária dupla Pelé e Coutinho, parecia que íamos cair no mar. Não caímos, a camisa do Santos é pesada demais para sucumbir. Seguimos então para o final da fila que estava indo para a entrada da Vila Belmiro. Caminhando, lado a lado, santistas e corintianos, adultos e crianças, jovens e velhos, vivos e mortos; todos os torcedores de todos os times apaixonados pelo futebol.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"> A</span><span style="font-family: georgia;"> fila era quilométrica. O calor era forte. Sol a pino, passava já dos 30°C antes do meio-dia. </span><span style="font-family: georgia;">Mas estava tudo bem. Vínhamos de uma passagem de ano em família bem legal, um réveillon ensolarado e divertido. Assim, na fila tudo era descontração. A gente conversava, encontrava outros torcedores santistas e de outros times, falávamos sobre lembranças do Pelé, alguns se lembravam de recordações reais e muitos apenas de imaginações baseados nos registros históricos ou nas imagens emblemáticas.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><span> <span> </span><span> </span></span>Tinha também torcedor do Vasco naquela fila. Isto me fez lembrar de meu irmão, que é vascaíno doente e vive repetindo que o Pelé era cruzmaltino quando criança em Três Corações. Avistei torcedores do São Paulo, do Corinthians, Palmeiras, Fluminense, Flamengo, Botafogo, Bahia, Grêmio, Internacional, Cruzeiro, Atlético, Paissandu, Ceará... Do Boca e do River... Do Los Angeles do basquete americano... Pareceu-me ter visto todos times e todas as cores. Mas pode ser só imaginação. Não sei quantas camisas esportivas eu avistei. O mar branco do alvinegro praiano tomava conta de toda a visão.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"> Havia gente do Japão nos arredores do estádio, conversando, provavelmente, em japonês; eu não entendia nada, mas tinha umas letras japonesas que deveriam significar “Pelé eterno”. </span><span style="font-family: georgia;">De repente, apareceu um argentino. O cara estava com a camisa da Seleção Argentina, nas costas estava a 10 do Maradona. Juro por Deus! O cara chorou. Um torcedor paramentado de México passou pela rua. Estávamos olhando o mexicano, ele passou no sentido do final da fila, que se perdia de vista dobrando os quarteirões. Depois um com as cores da Colômbia, outro da Bolívia. Ingleses se misturando com gente de São Vicente ou de Osasco, franceses com quem veio do ABC ou do Ipiranga, Vila Mariana, Santo Amaro, Grajaú, Parelheiros e descendo para a Serra do Mar novamente a Peruíbe, Pedro de Toledo, gente do sul, gente do norte, nordeste, centro-oeste. Assim foi numa mistura de povos, uma fila de gente em um funeral.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><span> </span><span> </span>Mas não pense a dona leitora que era um clima triste, era mais clima de emoção do que de tristeza. O choro era quase uma homenagem natural e leal. </span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><span> </span><span> </span>Eu tirei foto de quase tudo durante o percurso desta fila para entrar no templo da Vila Belmiro. Eu bebi umas cervejas, contava piadas, ouvia histórias, relatos. Um senhor, no auge de seus setenta e muitos anos, passou, vagarosamente, fazendo graça que a fila já estava em Peruíbe. Uns falavam de outros assuntos pessoais, de preços das coisas, de viagens, do dia de folga no trabalho; assuntos diversos para passar o tempo. Nem parecia um velório. Por muitos momentos me confundia achando que era um jogo festivo do Santos FC. Tinha hora que a gente se esquecia de tudo e só sorria, alegre como se nem lembrasse que o Pelé morreu.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><span> </span><span> </span>Tudo bem que um rei não morre, mas o senhor Edson Arantes do Nascimento estava morto. Quando eu entrei no portão 3, que é a aquele da faixada histórica e principal, as coisas mudaram. O clima mudou. Um frio na barriga apareceu. Eu fui fotografando tudo que conseguia pela câmera do celular, mas só até na frente do caixão. Assim mesmo, foi difícil. O sol era muito forte, eu tinha bebido e a imagem do Pelé no caixão acabou comigo. Parecia que ele estava dormindo. Tive vontade de chegar perto, para ver se, por acaso, ele acordava. Ele estava dormindo naquele caixão, um sono calmo e sereno.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><span> </span><span> </span>Guardei o celular e chorei. Estava de óculos de sol, então nem sei se alguém percebeu; talvez minha mulher tenha percebido, ela percebe tudo...</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><span> </span><span> <span> </span></span>Fora do estádio eu estava bem arrasado. O clima tinha mudado mesmo. Parecia que a balsa da travessia Santos-Guarujá tinha dado um tranco forte e eu tinha caído no canal do estuário sendo depois tragado pelo mar.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><span> </span><span> </span>A sensação de ver o Rei do Futebol dentro do caixão foi a de ver seu time do coração levando um gol decisivo, tipo aquele gol que o Tevez marcou para o Boca Juniors em cima do Santos na final da Libertadores de 2003.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><span> </span><span> <span> </span></span>Só que tive sorte e encontrei o sósia do Pelé. Eu me alegrei, achei engraçado na hora. Este sósia é o Seu Nicanor, ele estava lá, como milhares de almas torcedoras, prestando sua homenagem ao Rei do Futebol. Seu Nicanor depois disse que foi alcoólatra e o Pelé salvou a sua vida. Não sei direito como se passou a história que ele contou, nem a veracidade dela, mas sei que pedi para tirar uma selfie com o Seu Nicanor e percebi que o dia ainda seguia radiante como um gol de Pelé.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;"><br /></span></div><div style="text-align: right;"><span style="font-family: georgia;"><i>Por Ricardo Novais</i></span></div><div style="text-align: justify;"><br /></div>Ricardo Novaishttp://www.blogger.com/profile/01327903255629606839noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-567654132153260033.post-11394067397866580422020-06-15T14:16:00.000-03:002020-06-15T14:16:07.389-03:00Mineiro encantado<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjJQnG3PUMk1rH-eWZsYyNIngYRhv5ydiztWxm7mIrON0khR7s94TZ3UCi4jMAcx9SKF3w-V-NfPxDubj8WrWa_Yd_WWi5BD44Rwjc4RnKQBRiU6y8T8ZoqjO053na5M84mMSlNhRt6V7o/s1600/1280px-Ponte_em_Sara.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="960" data-original-width="1280" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjJQnG3PUMk1rH-eWZsYyNIngYRhv5ydiztWxm7mIrON0khR7s94TZ3UCi4jMAcx9SKF3w-V-NfPxDubj8WrWa_Yd_WWi5BD44Rwjc4RnKQBRiU6y8T8ZoqjO053na5M84mMSlNhRt6V7o/s320/1280px-Ponte_em_Sara.jpg" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
João Guimarães Rosa, mineiro da central mineira, com os pés para o norte, dizia que ‘as pessoas não morrem, ficam encantadas’.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Sempre que alguém querido fica encantado, lembro-me da crônica de Rubem Alves, outro mineiro que, brilhantemente, intrigou-me com suas perguntas inesperadas que massageiam tanto a nossa alma desavisada. Dizia ele, “(...) há dores que servem a nada. A dor da morte serve para qual ser humano? ”. Nenhum, pensei. Embora sempre exista alguma serventia para a dor, mesmo a mais inesperada.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Pois que ao terminar a leitura daquele questionamento tão profundo, alcancei que a resposta pouco importava. A morte e a vida não são contrárias. São irmãs. E isto é um alívio danado, mais até do que outra compreensão universal, e me faz crer que meu pai, outro mineiro de coração de doce de leite lá de acolá do Vale do Rio Doce, já lhe estendeu a mão, em sussurro de amizade tranquila, dizendo-lhe que a lembrança e o amor são eternos como um sobressalto encantado que não apresenta ameaça.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: right;">
<i>Por Ricardo Novais</i></div>
<div>
<br /></div>
</div>
Ricardo Novaishttp://www.blogger.com/profile/01327903255629606839noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-567654132153260033.post-64690916507597330342019-07-24T22:39:00.000-03:002019-07-26T11:24:16.938-03:00Três vezes me negarás<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgmGi8mcX_zKVnH1AkFqKX9WUsJkBae1MNals-GxrMwoHZl6Iz0kWq5trSkpSeyENwlnnHA3nfMgyOL45WcWKSRJMIgYpHn5VcN-8hNE9ox0T6A6NFbbLK2Pl5NyQUlKGeMNjPve3PxkB0/s1600/S%25C3%25A3o+Pedro.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="500" data-original-width="333" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgmGi8mcX_zKVnH1AkFqKX9WUsJkBae1MNals-GxrMwoHZl6Iz0kWq5trSkpSeyENwlnnHA3nfMgyOL45WcWKSRJMIgYpHn5VcN-8hNE9ox0T6A6NFbbLK2Pl5NyQUlKGeMNjPve3PxkB0/s400/S%25C3%25A3o+Pedro.jpg" width="266" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 19.5px; margin: 0px; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 19.5px; margin: 0px; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">Muitas vezes se usa palavras frequentes. Frequentes como as diversas rotinas que se cruzam todos os dias. O amigo leitor e a querida leitora, tão habituados às rotinas, tenham em mente que este conto se trata de coisa tão rotineira como feijão-com-arroz. Embora nem sempre haja feijão e nem arroz no prato de todos; ao contrário do que pensa o excelentíssimo presidente da república.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 19.5px; margin: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 19.5px; margin: 0px; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">Excrescências de ideias rasas acerca do enigma da fome à parte, era hora do almoço. Saí para almoçar, sozinho, com os olhos na tela do telefone celular. Pelas redes sociais, tentei me inteirar dos acontecimentos tragicômicos que teimam em assolar o país em suas manhãs cinza-escuras.<u></u><u></u></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 19.5px; margin: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 19.5px; margin: 0px; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">Desci do elevador já dentro do <i>shopping center</i> e, poucos passos, ainda com os olhos dentro da tela das redes sociais, cheguei à praça de alimentação. Entrei na fila do restaurante <i>fast food</i>, pedi uma mumificação comestível qualquer pelo número de ordem ou pelo nome descrito em inglês, não me recordo, e aguardei. Poucos minutos, a bandeja estava pronta com aquela gororoba publicitária.<u></u><u></u></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 19.5px; margin: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 19.5px; margin: 0px; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">Ao procurar um local para me sentar na praça de alimentação, irritou-me não haver uma mesa vaga. Tive de me sentar naqueles bancos com balcão alto, e ainda ao lado de uma senhora com uma criança.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 19.5px; margin: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 19.5px; margin: 0px; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">Sabe, dona leitora que tem filhos, deixe de levar seus rebentos aos <i>shoppings</i>; leve-os ao parque, ao cinema, à igreja, à exposição da Tarsila do Amaral, ao bar... Oh, não, amiga leitora! Não falo em tom de ameaça ou deboche, acredite! Embora este autor que vos escreve não tenha dons pedagógicos, neste momento, a escrita está em minhas mãos; de modo que, sobremaneira, poder-se-ia crer que a educação das crianças estará, irremediavelmente, comprometida se a escola delas for o pátio de um <i>shopping center</i>.<u></u><u></u></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 19.5px; margin: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 19.5px; margin: 0px; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">Sentado naquele banco com balcão alto naquela praça de alimentação tão vulgar, iludindo as retinas nas balofas redes sociais e almoçando aquele lanche quase que na velocidade da luz, demorei alguns segundos a perceber que havia se aproximado um homem.<u></u><u></u></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 19.5px; margin: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 19.5px; margin: 0px; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">- Boa tarde! Desculpe... O senhor pode me pagar alguma coisa de comer? Estou...<u></u><u></u></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 19.5px; margin: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-stroke-width: 0px; background-color: white; font-style: normal; font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; font-weight: 400; letter-spacing: normal; line-height: 19.5px; margin: 0px; orphans: 2; text-align: justify; text-decoration-color: initial; text-decoration-style: initial; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 2; word-spacing: 0px;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">- Desculpe! Não tenho dinheiro, estou só com cartão...<u></u><u></u></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 19.5px; margin: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 19.5px; margin: 0px; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">- Pode ser qualquer coisa... Tenho fome. Estou...<u></u><u></u></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 19.5px; margin: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 19.5px; margin: 0px; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">- É que não tenho. Só estou com o cartão mesmo.<u></u><u></u></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 19.5px; margin: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 19.5px; margin: 0px; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">- Mas pode comprar ali na lanchonete... Lá fora a coxinha é dois reais. É que estou desempregado. Estou...<u></u><u></u></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 19.5px; margin: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 19.5px; margin: 0px; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">- Desculpe, não tenho!<u></u><u></u></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 19.5px; margin: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 19.5px; margin: 0px; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">O homem balançou a cabeça e foi indo embora. Fiquei olhando ele se afastar, devagar. Trajando uma vestimenta de cunho social: uma calça azul-escura, camisa branca de manga comprida, sem paletó, não alcancei os sapatos, mas enxerguei a mochila magra e surrada nas costas. Ia indo, indo... Ele pediu ainda comida em mais uma mesa, e também teve seu pedido negado. Então, de repente, sumiu na multidão.<u></u><u></u></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 19.5px; margin: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 19.5px; margin: 0px; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">Momentaneamente, distraí-me e tornei os olhos ao <i>smartphone.</i> Mas algo aconteceu. Deu-me um estalo, violentíssimo; era como se eu tivesse levado um soco na boca do estômago.<u></u></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 19.5px; margin: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 19.5px; margin: 0px; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">Antigamente, eu via um céu tão azul. Nunca mais o céu foi tão azul. O céu ficou cinza e o nada existente é pedir demais.<u></u><u></u></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 19.5px; margin: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 19.5px; margin: 0px; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">Em meio a uma confusão de sentimentos, propriamente humanos, onde a maldade se avulta menos do que a covardia de ser indiferente, rompi o portão da emoção genuína. Tal qual àquela passagem bíblica: Três vezes eu havia negado aquele homem, um pedinte com fome.<u></u><u></u></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 19.5px; margin: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 19.5px; margin: 0px; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">Joguei o resto da comida fora e guardei a bandeja. Descobri cinco reais perdidos na carteira. Levantei-me, de certo, um pouco desorientado, e fui atrás do homem para saciar sua fome. Como imaginas, quem ainda tem estômago para ler estas parvas linhas, não o encontrei.<u></u><u></u></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 19.5px; margin: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-stroke-width: 0px; background-color: white; font-style: normal; font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; font-weight: 400; letter-spacing: normal; line-height: 19.5px; margin: 0px; orphans: 2; text-align: justify; text-decoration-color: initial; text-decoration-style: initial; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 2; word-spacing: 0px;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">Dei três voltas incompletas na praça de alimentação, fui até o extremo do corredor das inalcançáveis lojas de joias e saí pelo outro lado do <i>shopping</i>. Aquela caça deixou minha vista fadigada. Nisto, outra vez, numa franca emoção dos que sabem que ter benevolência é ter audácia, quase derrubei uma lágrima – ora, sabemos que toda emoção vem da paixão fugaz; de maneira que por pouco uma lágrima comprida não escorreu de cara com conhecidos naquele lugar de frias paredes de mármore.<u></u><u></u></span></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-stroke-width: 0px; background-color: white; font-style: normal; font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; font-weight: 400; letter-spacing: normal; line-height: 19.5px; margin: 0px; orphans: 2; text-align: justify; text-decoration-color: initial; text-decoration-style: initial; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 2; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-stroke-width: 0px; background-color: white; font-style: normal; font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; font-weight: 400; letter-spacing: normal; line-height: 19.5px; margin: 0px; orphans: 2; text-align: justify; text-decoration-color: initial; text-decoration-style: initial; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 2; word-spacing: 0px;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">Repentinamente, uma angústia serena me acometeu. Percebi que há coisas tão imponderáveis que não conseguimos compreender, como se estivéssemos dentro de um romance russo. Vivemos como os “Os irmãos Karamazov”, onde a nossa personalidade é formada por um lado místico, por um lado globalista, por outro lado selvagem, ainda sendo composta por um lado oprimido e, por fim, por um lado tirano.<u></u><u></u></span></div>
<div class="MsoNormal" style="-webkit-text-stroke-width: 0px; background-color: white; font-style: normal; font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; font-weight: 400; letter-spacing: normal; line-height: 19.5px; margin: 0px; orphans: 2; text-align: justify; text-decoration-color: initial; text-decoration-style: initial; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 2; word-spacing: 0px;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"> </span><span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"> </span></div>
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><span class="im" style="background-color: white;"></span><span class="im" style="background-color: white;"></span></span><br />
<div style="background-color: white;">
<div class="im">
<div class="MsoNormal" style="line-height: 19.5px; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">Tão adiantado foi o fracasso da empreitada aqui contada, que é crucial levar a cabo este texto. Se não neste ponto final, nesta vírgula. Ainda porque o horário do almoço findou-se; e as tardes de trabalho também são cinzas nesta cidade. Mas antes de ir-me deixo diante do leitor um espelho, e assim revelo o personagem cardinal deste conto.<u></u><u></u></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 19.5px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 19.5px; text-align: right;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><i>Por Ricardo Novais</i></span></div>
</div>
</div>
Ricardo Novaishttp://www.blogger.com/profile/01327903255629606839noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-567654132153260033.post-71466407184264539722017-09-08T19:01:00.000-03:002017-09-09T10:24:42.378-03:00Vitrine<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEic4SsnOvpNvUX4zXrzGz1O0123kj3qbEiC8bcL1lFfIzaoI10pdTLeAfWkbNZhLvlclY1I27Ai-_qOKqGzHmlMVdvuGscirDctfELisaNJXN1g6Q1WFfBNDoiG5mwac0Ks50Jz7xhNCxU/s1600/Jean+Baptiste+Debret.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="252" data-original-width="350" height="287" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEic4SsnOvpNvUX4zXrzGz1O0123kj3qbEiC8bcL1lFfIzaoI10pdTLeAfWkbNZhLvlclY1I27Ai-_qOKqGzHmlMVdvuGscirDctfELisaNJXN1g6Q1WFfBNDoiG5mwac0Ks50Jz7xhNCxU/s400/Jean+Baptiste+Debret.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Jean Baptiste Debret.</td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Almoçávamos
uma suculenta feijoada em um dia bastante ensolarado. O restaurante se
localizava em uma região badalada da cidade, onde o passado, por certo, se
alimentava de feijoadas menos deslumbradas.
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">- Vamos
tomar uma cerveja? – perguntei à Clarice que estava sentada ao meu lado, mas
tinha os olhos perdidos pelo mundo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">- Sim,
Heitor. Vamos, está quente – respondeu-me depois de uns segundos irritantes.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">O amigo
leitor que aprecia uma cerveja gelada que brinde comigo neste momento, pois a
seguir o conto poderá ficar pouquíssimo saboroso e então torço para que o amigo
tenha estômago de avestruz para lê-lo até o fim. A dona leitora eu desejo bom
apetite!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Vá lá,
ânimo! Tudo aconteceu em pouco tempo. Avistei um homem, maltrapilho, típico cidadão
não contado no Censo do IBGE, parou à entrada do restaurante e então um
segurança, enfiado num terno preto, naquele calorão, afastou o maltrapilho da
passagem dos clientes. O sujeito, que definitivamente não era bem-vindo ali,
permaneceu ao lado da entrada, em frente à vitrine que dava para o hall do
salão de almoço.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Não tenho
certeza se de onde ele estava conseguia ver dentro do restaurante, mas eu,
apreciando o espetáculo, conseguia vê-lo quase perfeitamente; lá estava ele,
parado, maltrapilho, provavelmente esfomeado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">-
Clarice, eu acho que aquele homem quer comer...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Ela olhou
de relance e respondeu sem muita vontade:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">- Sim,
Heitor. Deve estar com fome.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Vendo a
apatia de Clarice e dos outros clientes do restaurante com relação à
gastronomia alheia, acovardei-me. Mudei a visão, olhei para o celular, depois
peguei o pote de pimenta, mexi no garfo, na faca, limpei-os um no outro e
levantei o copo de cerveja... Bebi um longo gole. Mas tornei a visão. O homem
maltrapilho lá estava, parado, ainda, imóvel como o cardápio pendurado na
parede a exibir o mostruário de pratos de comida sofisticada. Sob o sol e
refletido pela luz do meio-dia que batia forte na vitrine, o homem maltrapilho
era parte da mobilha ou da decoração do ambiente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Levantei-me.
Fui até quase a porta do restaurante, olhei para o maître e retrocedi virando
à direita no sentido da toalete. Mijei a cerveja, lavei as mãos, olhei-me no
espelho. Tive ânsia de vômito e precisei vomitar a feijoada toda na pia daquele
banheiro espelhado. “<i>Por que diabos esse
mendigo não me sai da cabeça? Porra! Esse filho da puta deve estar com uma fome
do caralho! Foda-se!</i>”, desgraçadamente, eu pensei isto, leitor, ou neste sentido, porque as ideias estavam atrapalhadas uma em cima das outras e não sei
se pensei exatamente escrevi aqui; foi tudo muito rápido e, talvez, eu tenha também pensado
muito alto porque um senhor, de camisa polo bege, qual pendurava um óculos
esverdeados, olhou-me de cima a baixo, balançou a cabeça e riu discreta e cinicamente
– tanto assim que só percebi esta atitude cínica dele porque eu já havia bebido bastante e todo bêbado é cientista social.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Voltei à
mesa, olhei para Clarice, que estava entretida em outro mundo olhando para a
tela do celular. Nada eu disse e ela nada percebeu, ou ao menos não quis dizer
se percebeu como aquela feijoada tinha me afetado e me deixado atordoado; olhei
para fora daquele salão, lembrei-me de um velho autor que dizia que as vitrines
dos restaurantes chiques refletem os esfomeados, os esfarrapados e vale
acrescentar ao pensamento que também espelham a desgraça de um mundo que sofre
de inanição.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Alcancei
a visão na vitrine daquele restaurante e não vi mais o esfomeado e maltrapilho que
lá estava há pouco, parado, aguardando a migalha de uma mão invisível. Aquilo
me entristeceu, por pouco tempo. Ao fim de cinco ou seis cervejas, eu havia me
esquecido do maltrapilho e já mal me lembrava da vitrine reflexiva de sombras. A
indiferença coletiva havia retornado à mesa solitária para nos fazer companhia.</span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: right;">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"><i>Por
Ricardo Novais</i><o:p></o:p></span></div>
Ricardo Novaishttp://www.blogger.com/profile/01327903255629606839noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-567654132153260033.post-799903593316046112017-03-06T20:30:00.000-03:002017-03-06T20:40:48.928-03:00Sessão espírita<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgzteltPKh4e8aHan78QghuStR8vRtgmX1Wq4mhEceJuQp6K_XzP9WqU-za3RCPqYgOu4KvYVg1awZjh85Qqk-d9Xexym052leAcNYOs3h_VYBQI_ZPHaNMUIBX0BvXz9M5zZqCi-rTM9k/s1600/sonhei-com-porco-assado.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="218" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgzteltPKh4e8aHan78QghuStR8vRtgmX1Wq4mhEceJuQp6K_XzP9WqU-za3RCPqYgOu4KvYVg1awZjh85Qqk-d9Xexym052leAcNYOs3h_VYBQI_ZPHaNMUIBX0BvXz9M5zZqCi-rTM9k/s400/sonhei-com-porco-assado.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Imagem de Internet.</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Os negócios não iam bem. Eu era formado recente,
e escritório de advocacia tem que ter clientela. Minha clientela era a de meu
sócio, o doutor Jader Zanzone. Doutor Jader era um velho de sessenta e poucos anos,
muito branco, quase pálido e calvo, que era pai do Marcos, um colega meu da época da
faculdade; como o Marcos foi morar na Europa, indicou-me de sócio minoritário do
pequeno escritório de seu pai.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">- Vamos dar um jeito, meu jovem! – dizia o Doutor Jader, sempre com um sorriso bonachão.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Verdade é que desde que o nosso maior cliente, o
Bingo Zona Sul, findou na contravenção, entramos numa crise financeira. Os legisladores
brasileiros cismaram que o jogo de bingo deveria passar de jogo de senhoras
para jogo de azar. Azar o meu!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Acontece que o Doutor Jader não estava nem aí
para aquele escritório, ele era rico e dono de fazendas no interior. Mas se
compadeceu, talvez por mim, talvez pela meritocracia de fazendeiro ou ainda pela
pura influência de seu melhor amigo, o Doutor Pedro Moura. Doutor Pedro era um
advogado gaiato, também deveria ter passado dos sessenta anos, mas não
aparentava mais do que quarenta. Era um senhor negro de barba branca,
sempre alinhado em um terno cinza risca-de-giz e sapatos envernizados. Ele também
era rico, e metido a líder espiritual.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">- Vamos no centro espírita... Você vai conosco! Sua vida vai
melhorar cem por cento, filho! – dizia-me convicto o Doutor Pedro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">- Vai mesmo, meu jovem! É uma coisa inexplicável,
diviníssima! – completava Doutor Jader, sempre sorridente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Eu engoli minha descrença e os acompanhei. Era
uma sexta-feira, passara das dezoito horas. Entrei no local, muita gente vestida
de branco. Apenas eu metido em um terno preto bem vagabundo. Doutor Jader e
Doutor Pedro estavam alinhados em ternos caros e cinzas, possivelmente de grife
italiana... Difícil recordar-se de tudo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">De repente, cessou a sessão comunitária. As
pessoas dispersaram, como fantasmas. Então fui levado a uma sala, sozinho.
Entrou um senhor. Em um primeiro momento, pensei ser o Doutor Pedro, dada a fisionomia,
mas as vestes dele eram brancas; parecia até que usava uma batina.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">O homem entrou fumando um charuto. Aquilo me incomodou,
um pouco, mas eu nada disse. Um dialeto ininteligível começou. Lembrei-me dos
padres católicos do catecismo que, em dado momento da cerimônia religiosa
cristã, também falavam uma língua próxima e incompreensível; naquela época, eles diziam que era
Deus falando com seus fiéis.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">O negro, vestido de branco, fumando um
charuto asfixiante, também falava a língua de Deus; pensei. Pensei, nada disse,
outra vez. Controlei-me, mas algo estranho ocorreu.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">A porta se abriu. Doutor Jader, branco como um fantasma bonachão, entrou segurando em
sua mão direita uma garrafa de pinga, dessas de marca ruim, e na outra mão ele trazia uma galinha, uma galinha preta; pretíssima! Ele a segurava pelas asas e ela esperneava em desespero.
Havia também entrado um porco, rosnando forte e todo arisco. Um suor frio correu
sobre meu rosto. O mestre espiritual jogou sal grosso e batatas por todos os cantos, pegou
uma faca grande e a fincou no peito da galinha preta. O sangue jorrou. Tive mais
asco do que pena da galinha.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">O porco lambia o sangue, eu quis ir embora. Não
me deixaram sair, já estava terminando.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">É triste ter que contar, leitor, mas é necessário ser fiel ao conto; é de meu ofício, doa ao leitor que doer. Perdoe-me por quaisquer constrangimentos, caro leitor e querida dona leitora. Nem todo lance de vida é prazeroso, feliz ou adequado aos costumes da civilidade. O fato é que o porco parecia estar possuído pelo demônio, dado aos gritos
horríveis que dava cuspindo batatas, mas poder-se-ia também dizer ser uma manifestação de Deus. Eu sei que
o mestre espiritual, ainda esfumaçando o lugar com aquele maldito charuto,
dizia algo baixinho, sussurrando em homilia; Doutor Jader repetia ao estilo do
terço-do-rosário. Por um breve momento, julguei ser uma sinfonia diabólica, devido a tanto sangue, penas pretas, batatas masticadas e cuspidas em formato de tridentes; no entanto, logo percebi que eu não estava ameaçado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Nada era possível se compreender naquele altar, exceto que o porco chafurdava no mar de lama formados pelo sangue, cachaça e batatas; que focinho suíno aterrorizante! Por fim, repentino, um
silêncio tomou conta do ambiente. Os dois homens fecharam os olhos, o porco
parecia estar desmaiado e a galinha já não mais agonizava. Deram-me sete velas,
cada uma de uma cor que, naturalmente, não me recordo quais eram.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Depois das orientações sobre as velas, fui para
casa. Dormi mal naquela noite, tive pesadelos horríveis com porcos assassinos cuspindo batatas quentes mortais e com galinhas sendo dilaceradas por guardas do inferno. Logo cedo, acordei com minha
mãe, católica apostólica romana, jogando as velas no lixo, irritada, rezando
para que eu me firmasse na vida; desfez-se assim o trabalho espiritual. Há coisas que as
religiões não explicam, mas é permitido competirem em meio à nebulosidade pela
falta do aclaramento.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Como o conto precisa terminar, mesmo contra minha vontade, digo apenas que me
demiti do escritório. Arranjei outro emprego longe dos doutores espirituais, e
fiquei sem saber se sangue de galinha preta, misturado com cachaça, causa
ressaca em porco ou se as penas pretas são eternas nas memórias do povo de Deus.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: right;">
<i><br /></i></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: right;">
<span style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;"><i>Por Ricardo Novais</i></span></div>
</div>
Ricardo Novaishttp://www.blogger.com/profile/01327903255629606839noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-567654132153260033.post-53928404167902665582017-02-21T19:52:00.000-03:002017-03-07T16:56:31.232-03:00O caso do bar<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgnC6xZdsu3wDde2KPhc14ACoPSIyaQBcMUi9uJUMPfI-TeoR-bG_Wz_Vug88wXaYtrSiZFePHfX_fFxIo2-A39dnmD1IhEG9waCsJ9xb6L-_rvSq-SpgZ8Bm0h0W0fIAkF764-fwgcTbc/s1600/Toureiro+morto.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="178" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgnC6xZdsu3wDde2KPhc14ACoPSIyaQBcMUi9uJUMPfI-TeoR-bG_Wz_Vug88wXaYtrSiZFePHfX_fFxIo2-A39dnmD1IhEG9waCsJ9xb6L-_rvSq-SpgZ8Bm0h0W0fIAkF764-fwgcTbc/s400/Toureiro+morto.JPG" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Edouard Manet - óleo sobre tela - 1864.</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12pt;">Entrei em um bar e, enquanto aguardava
amigos para o <i>happy hour</i>, fiquei a observar dois homens que discutiam sobre
política na mesa em frente. Discutiam tão alto que era possível ouvir com
exatidão o motivo do entrave.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12pt;">- Você é idiota, Carlos! É claro que o
governo neoliberal traz progresso ao país...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12pt;">- Não, senhor! O neoliberalismo enrique
uma casta e o povão fica na merda! O nosso país deveria seguir a política dos
países nórdicos...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12pt;">Era uma discussão tão superficial que
logo me desinteressei. Menos que um quarto de chope, os meus amigos chegaram.
Alguma bebida, risos e piadas ao estilo do mestre Ary Toledo depois e eu já
estava meio bêbado; meio bêbado é um eufemismo, caro leitor, já que não existe
ebriedade pela metade.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12pt;">- Então você não acha que o campeão de
87 é o Flamengo? – questionei um.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12pt;">- Claro que não, Heitor! É o Sport do
Recife...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12pt;">Embora fossemos trintões, a nossa
discussão era sobre futebol e coisas relacionadas ao ambiente de garotos da 5ª
série.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12pt;">De repente, olhei para frente e vi os
dois camaradas que estavam discutindo política saindo do bar, juntos e
abraçados, porta fora. A dona leitora bem sabe, a curiosidade alheia é a
salvação do tédio do espelho. Então chamei um garçom e lhe perguntei se sabia
quem eram aqueles dois.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12pt;">- Não sei, senhor. Mas acho que se
conheceram hoje. Eles chegaram antes do senhor... Bem, quando eles chegaram eu
ouvi eles falando... Apresentaram-se formalmente... Acho que tinham marcado o
encontro pela internet. Por quê?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12pt;">- Por nada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12pt;">Acabei de beber, dei um abraço nos meus
amigos e saí do bar. Poucos metros, vi alguém caído na calçada.
Aproximei-me, já havia umas cinco ou seis pessoas envolta. Reconheci o sujeito agonizante na calçada, era um
dos homens que estava no bar discutindo política, jaz moribundo; não tinha
sinal do outro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12pt;">Um senhor velho, de barba branca bem
rala, que parecia velar o local, abaixou e sumiu o relógio do morto. Veio mais
gente; moradores de rua, seguranças, funcionários do metrô, executivos que
estavam saindo do trabalho e duas mulheres da vida e um travesti alto. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12pt;">A esta altura, o morto já tinha perdido
a carteira, o celular, a gravata e a honra política; chegou a polícia. A
polícia chamou o SAMU. O cadáver, mais político do que nunca, aguardava o
rabecão e o seu esquife.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12pt;">Passei bem um quarto de hora a admirar
o espetáculo da morte na república. Depois me afastei, devagar, reflexivo de
quem seria o cadáver, de que lado do Fla-Flu ideológico ele se encaixava, em
vida e em morte; cheguei em casa e fiquei o resto da noite acordado. Procurei e
procurei uma posição política e de ética em uma rede social da internet. Não
achei nada além de julgamentos republicanos, esparsos e rancorosos. Perto de amanhecer, eu desisti; e
fui ler as notícias esportivas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="text-align: right;">
<i><span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">Por Ricardo Novais</span></i></div>
</div>
Ricardo Novaishttp://www.blogger.com/profile/01327903255629606839noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-567654132153260033.post-11699233030202832282016-11-29T14:39:00.000-02:002016-12-15T14:37:04.253-02:00A bola que não entrou<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: center;">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12pt;"> </span><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgY_hrmj6pw17ZJlaMV0LHkpIMbX9skbucRpNPlpqcEuxFJm2DGaUaTik-m3H0OEYP8FZwD1QY0XZ2Wcz3XF2yLaUPhCZGJltxUMGKFaIVAasjwf_hBwwK2oabSBpgE-basBeDbr4b40pM/s1600/Chapecoense.jpg" imageanchor="1" style="font-family: Georgia, serif; font-size: 12pt; margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="366" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgY_hrmj6pw17ZJlaMV0LHkpIMbX9skbucRpNPlpqcEuxFJm2DGaUaTik-m3H0OEYP8FZwD1QY0XZ2Wcz3XF2yLaUPhCZGJltxUMGKFaIVAasjwf_hBwwK2oabSBpgE-basBeDbr4b40pM/s400/Chapecoense.jpg" width="400" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Outro dia, acho que foi no pós-feriado do dia 15 de Novembro,
eu estava vendo pela tevê o jogo Botafogo x Chapecoense. A Chapecoense venceu,
em plena Arena da Ilha do Governador, pelo placar de 2 a 0. Eu vi o Cleber Santana
jogar demais naquele dia; no primeiro gol, ele colocou a bola, praticamente com
as mãos, para o Kempes assinalar. Os dois estão mortos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Lembro-me que, naquele dia, tive muita saudade do Cleber
Santana defendendo o meu Santos; eu gostava dele. Foi um bom jogador!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Alguns da crônica esportiva e da torcida matutam: “E se
aquela bola que o Danilo defendeu entrasse? Não teria a tragédia...”. Por
certo, matutam errado. A tragédia não é a bola não ter entrado, a tragédia é o
imponderável. Não há derrota! Não há derrota nem no jogo que levou a Associação
Chapecoense de Futebol à primeira e histórica final internacional, nem na
defesa milagrosa do goleiro Danilo e nem na tragédia.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">O futebol não é apenas um esporte. O futebol é um reflexo,
caricato, da vida. É uma música de Moraes Moreira com saudades do Zico; é a
comemoração da vitória de ser campeão depois de ser rebaixado; é um clube do
interior de Santa Catarina levando uma cidade inteira aos extremos das emoções,
de alegria eufórica à tristeza profunda. Futebol é o imponderável!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Bem faz o Atlético Nacional, de Medelín, em reconhecer a Chapecoense
como legítima campeã da Copa Sul-americana. A rivalidade da disputa do jogo
ficou no apito final de um voo derradeiro; do que poderia ter sido, mas não foi;
do que poderia ser sonhado, mas não será; bola parada, estática, em seus
últimos lances como naquela bola que não entrou defendida pelo Danilo. Nem toda
bola vinga em gol.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<div align="right" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: right;">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"><i>Por Ricardo Novais</i><o:p></o:p></span></div>
Ricardo Novaishttp://www.blogger.com/profile/01327903255629606839noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-567654132153260033.post-26581350099265560442016-09-27T23:28:00.003-03:002017-03-13T18:13:21.772-03:00Carta ao leitor<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEir_yDUyrAKxQxmejFtfF6t6iUEg4cIr7TxiQwyJ1LfBU8KnpbCTMc8nUkycM0qpVzBgtLiXwdcnbVYWbIG-XQrxyLlukd3DN6gNAhW-UbBldVIVbDK17kNrJzY9WGVp7QQ6QcFI-DvApk/s1600/van-gogh-233x300.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="" border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEir_yDUyrAKxQxmejFtfF6t6iUEg4cIr7TxiQwyJ1LfBU8KnpbCTMc8nUkycM0qpVzBgtLiXwdcnbVYWbIG-XQrxyLlukd3DN6gNAhW-UbBldVIVbDK17kNrJzY9WGVp7QQ6QcFI-DvApk/s400/van-gogh-233x300.jpg" title="Van Gogh" width="310" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="background-color: #f3f3f3;"><span style="background-color: white; font-size: x-small;">Van Gogh - Arquivo BRN.</span></span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="background: white; color: #212121; font-family: "georgia" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Leitor, </span><span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: #212121; font-family: "georgia" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Caro
amigo, compreendo e concordo com quase tudo que pensaste. Não acredito mesmo no
comunismo, entretanto, também não creio que seja um problema político as
mazelas sofridas pelos povos, sobretudo os dos mais explorados. Estais certo, por
outro lado, o liberalismo econômico é reduzir tudo à superficialidade. Mude-se
o regime político, nada adianta. Como diria o velho Machado: "<i>Que vem lá? É um papagaio? Não, é a
república</i>". Penso que o viés de nossa desgraça é o próprio ser humano,
talvez ainda não esteja devidamente aperfeiçoado - sabe-se lá. Fora de nossos
aposentos nos parentamos vaidade, arrogantes que somos, donos de verdades que
não temos, ciosos de uma desgraça prudente; eis toda origem de nosso poder
calhorda e repugnante. Nisto vale uma única crítica de Saramago.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: #212121; font-family: "georgia" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Com
relação à obra de literato, esta não a julgo - creio que só o tempo futuro haverá
de fazê-lo. Ainda assim, seria eu doidivano se não respeitasse o escritor; grande
romancista, grande contista! Grandessíssimo! Ocorre que não me agrada tal
literatura; assim como um Alencar, pelo que consta, já é julgado pelo tempo.
Senhora do tempo... A escrita refinada não combina com meus olhos que leem tudo
com espírito lascivo e pessimista. Sim, leitor, é uma desgraça isto! Não me
julgue também, querida leitora. Algumas almas preferem os estilos que só contam
a verdade pela metade, saber tudo as desagradam. Vê, não é minha culpa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: #212121; font-family: "georgia" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">E no
caso das religiões... Convicções são convicções, assim como tudo é tudo - ou
nada. Eu penso que todas as religiões são boas, desde que
não subestimem o controle remoto da televisão. Sabemos que quase
todas as ideias proveem de Deus, mas algumas vieram da curva prazerosa do diabo;
e Deus e o diabo são os rótulos de tudo, desde as garrafas de vinhos das
melhores uvas até as meias-calças das mulheres bonitas e que gostam de viver;
Deus e o diabo são os rótulos sagrados dos desavisados, estejam eles vivos ou
mortos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: #212121; font-family: "georgia" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Eu
gosto dos rótulos, são divertidos; superficiais, concordo, mas divertidos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<div align="right" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: right;">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"><i>Por
Ricardo Novais</i><o:p></o:p></span></div>
Ricardo Novaishttp://www.blogger.com/profile/01327903255629606839noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-567654132153260033.post-67837438393791800702016-02-26T02:07:00.001-03:002016-02-26T02:26:33.411-03:00Um cortejo<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiWHFFnPMCvGLe-E1x4KSlYRT1bqezkLQ4FCNWN0QPX15oC5zf8Jrv-MoJtKlwoFY7-YEGfPNZrcoaARC-GtbpG__Z-mlCANFhGJJBMzWkb16fA0QH_NfvZkCq-_IssIqzLJ4FAM_paEZA/s1600/Golconda.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="310" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiWHFFnPMCvGLe-E1x4KSlYRT1bqezkLQ4FCNWN0QPX15oC5zf8Jrv-MoJtKlwoFY7-YEGfPNZrcoaARC-GtbpG__Z-mlCANFhGJJBMzWkb16fA0QH_NfvZkCq-_IssIqzLJ4FAM_paEZA/s400/Golconda.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">"Golconda", René Magritte.</td></tr>
</tbody></table>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "trebuchet ms" , sans-serif;"><br /></span>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">Morreu-lhe o pai. Era uma manhã bastante
comum e, de repente, fez-se extraordinária. Viver é difícil... Era necessário reconhecer o corpo, o corpo do
próprio pai. </span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><br /></span>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">- Defunto? - questionou-se.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><br /></span>
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: "trebuchet ms" , sans-serif;">Lembrou-se que logo de manhãzinha havia tomado café preto na padaria de esquina, com o
padrinho, talvez algum irmão, tinha mais alguém presente. Desfez a lembrança do café e desandou à
casa das necrópsias. </span>Morreu-lhe o pai.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><br /></span>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">A hora demorava minutos eternos. Aguardou o tempo para sempre e ainda assim viu faltar alguns minutos; constatou, a vida há sempre de ser curta... Curtíssima!</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><br /></span>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">Leitor, interrompo o conto para uma palavra íntima contigo. Sinceramente, desejo que esteja longe a tua morte, mas já pensou em que músicas quer que toquem em seu velório? Músicas bonitas, naturalmente; réquiens são assombrosos! Digo, confessando-te também sobre a questão, que em meu velório não gostaria de que rezassem a cartilha dos ofícios religiosos; nada de céu ou inferno, menos ainda purgatório que terei que despender recursos para a propina da salvação.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><br /></span>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">Tornando ao conto e à via dolorosa. De repente, viu-se seguindo, a certa distância, o carro fúnebre que transportava o morto; este rabecão era surpreendentemente branco com prefixos fúnebres das laterais pintados à cor preta.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><br /></span>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">- Que dor! - afirmou-se.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><br /></span>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">Era um cortejo quase solitário, embora não estive sozinho. Há uma multidão de homens, homens diferentes; disse certa vez um artista cujo nome não me recordo. O séquito da
cidade sendo percorrido por homens diferentes a avistar-se todas as suas luzes débeis das ruas. Ruas e ruas de um asfalto molhado, como de costume, embora mais funéreo, de um acachapante calor no meio daquela geleira humana. A garoa a cair sobre os telhados das casas e sobre as paredes sem rostos dos prédios, com força; primeiro ao crepúsculo e depois ao firmar do dia como um tributo sincero e acolhedor de seu
sentimento à abdução súbita.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><br /></span>
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: "trebuchet ms" , sans-serif;">Anoiteceu novamente. Lembrou-se outra vez da morte. Morte. Viu-se ao espelho, percebeu a própria alma e de algum outro. Escutou a garoa batendo à janela. Nesta cidade a garoa são lembranças que pertencem ao primeiro fio de vento que sopra o trovão infinito. Pois que tudo cabe no além-túmulo, até a vida; cabe também o último alento, o último assopro do juiz, o último gol do artilheiro, o último beijo da mulher amada ou </span>o último gole de cerveja. Será que no outro mundo há cerveja? Não sei. Sei é que, como bem julga o amigo leitor e a amiga dona leitora, também se morre em vida, porque, muitas vezes, a vida inteira cabe dentro de pouca coisa, como um fone de ouvido dentro de um trem a percorrer uma extensão de trilhos eternos.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><br /></span>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">A vida e a morte, jazem separadas; por fim, lê-se no epitáfio.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><i>Por Ricardo Novais</i></span></div>
Ricardo Novaishttp://www.blogger.com/profile/01327903255629606839noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-567654132153260033.post-47053475818336934992015-08-10T21:55:00.000-03:002016-02-26T00:26:16.255-03:00Panelaço<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 16.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhkfY5Q1aTG3d_Dcw3hXrtqhMdkWrO80QHAm1CzW72O1EwqWMvnuko5oA4kLCqiAOGnfqx4_AJzkoqXYMigedr4G19v-4yQ4l8BKPdJEGbYciNgCZItQl-QIUkzC1k0ut0hTXAlXxB6-VE/s1600/panela%25C3%25A7o.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="212" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhkfY5Q1aTG3d_Dcw3hXrtqhMdkWrO80QHAm1CzW72O1EwqWMvnuko5oA4kLCqiAOGnfqx4_AJzkoqXYMigedr4G19v-4yQ4l8BKPdJEGbYciNgCZItQl-QIUkzC1k0ut0hTXAlXxB6-VE/s400/panela%25C3%25A7o.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Google Imagens.</td></tr>
</tbody></table>
<span style="color: #222222;"><span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 16.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: #222222;"><span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">Houve
um pronunciamento do governo em rede nacional de rádio e tevê. Um barulho
ensurdecedor de panelas sendo batidas ou em outras panelas ou em tampas de
panelas diversas e que vinha das janelas vizinhas, irritava-me; era um momento
de escrita. O leitor, que também é autor, bem sabe o quão o barulho agudo,
uniforme ou disforme, pode prejudicar a saúde de um texto; de modo que me
perdoe quem lê estas linhas mal acabadas, foram escritas sob a pressão dos
adversários do governo.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 16.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 16.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: #222222;"><span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">Por
certo que cada panela tem a sua tampa e esta se encaixa bem à comida que se
cozinha ou que se estraga, apodrecendo pelo excesso de água, feijão ou macarrão
gourmet; certo também que existem panelas mais profundas que outras. Aquelas
que batiam, pelo som que ecoava delas, poder-se-ia dizer rasas, de pouca
superfície e de muito teflon.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 16.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 16.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: #222222;"><span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">-
Dita, vai à janela, por favor, e veja o que está acontecendo?<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 16.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 16.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: #222222;"><span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">-
Estão protestando, amor. Culpa do governo! Culpa dos desmandos do PT!<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 16.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 16.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: #222222;"><span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">Não
pude escrever. Fiquei escutando o barulho. Não liguei a tevê. O que o governo
dizia não me interessava, eu precisava escrever. Então resolvi deitar no sofá e
esperar. O tédio da escrita não é menor que o tédio da panela vazia; sim, pois percebi depois que nos bairros onde as panelas ficam cheias a custo não há o direito republicano do panelaço.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 16.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 16.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: #222222;"><span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">Esperei
pouco, verdade. As panelas de pressão iam se cansando rápido, são pesadas e não
foram feitas para fazerem macarrão gourmet. De modo que o barulho cessou-se,
quase, completamente; não fosse o barulho de uma única panela vindo de um lugar
incerto.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 16.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 16.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: #222222;"><span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">-
E esse maluco que não deixa as pessoas em paz. Vou matar este cara! Que horas são agora, Dita?<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 16.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 16.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: #222222;"><span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">-
Nove e trinta e três, José Carlos.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 16.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 16.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: #222222;"><span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">Passara
das nove e meia da noite e o barulho singular persistia. Percebi vozes no
corredor. Não saí do apartamento, coloquei a cabeça para fora da janela e constatei
todas as bocas famintas sem as panelas, curiosas e irritadas, perguntando-se de
onde vinha o barulho. Resolvi abrir a porta de casa. Afinal, também é papel de autor
a investigação, como certa vez me ensinou a dona leitora, que nos acompanha em silêncio.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 16.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 16.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: #222222;"><span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">-
O que está acontecendo? – questionei a uma senhora magra e com nariz
esbranquiçado por algum pó de maquiagem.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 16.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 16.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: #222222;"><span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">-
Ora, não sabemos. Tem algum morador batendo uma panela a mais de uma hora, sem
parar; e já é tarde... As crianças não dormem... Meu marido dá aula cedo na
universidade... Precisamos descansar para poder trabalhar e produzir... Vou matar este cara! Que disparate!...
Mas também, esse país de merda merece esses políticos...<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 16.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 16.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: #222222;"><span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">-
Não me parece que seja neste andar, acredito que seja no andar de cima. Vou matar este cara! – conjecturou
um sujeito gordinho, parecido com uma porpetinha que se vende em boteco, e
cortando a fala da velha de nariz branco.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 16.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 16.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: #222222;"><span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">-
Culpa do PT! – comungaram os dois e os demais. Eu nada disse, apenas
cruzei os braços e olhei para o elevador fingindo procurar alguma pista. Calma,
senhor leitor politizado, não me tome por mau cidadão e eleitor de cabresto. Sou como o
cajado descrito no Salmo 23, prezo pela segurança própria e do rebanho. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 16.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 16.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: #222222;"><span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">Dito
isto, explico que os moradores incomodados começaram a ter hipóteses diversas que
iam se alastrando por todos os andares; então descemos, todos, Dita veio junto, até o térreo. Lá
havia já uma pequena multidão, olhavam para cima tentando identificar de onde
vinha o pandemônio. Sim, senhor leitor mais atento ao dilema político, tem
razão: de repente, os mesmos que antes protestavam batendo panelas contra o
governo começaram a pedir ordem contra o paneleiro solitário que perturbava a
paz e a boa convivência da comunidade do prédio.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 16.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 16.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: #222222;"><span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">O
síndico, pressionado pelos moradores, saiu acompanhado de dois porteiros e mais
cinco ou seis, talvez sete moradores; deu ordem expressa para que os demais aguardassem
no térreo. Um quarto de hora se passou, uma ambulância estacionou na frente do
edifício central.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 16.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 16.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: #222222;"><span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">Entraram
os paramédicos do SAMU, embarcaram no elevador social correndo e carregando uma
maca vazia e objetos salutares. Alguns minutos eternos depois se percebiam os passos
descendo a escada. Consegui ver apenas a maca, passando célere pelo saguão,
carregando um homem ensanguentado; logo atrás algo surreal: um sagui acompanhando
a maca e batendo uma frigideira em uma caçarola, andava devagar e sem que
ninguém o impedisse. Incrivelmente, o pequeno macaco entrou na ambulância. A
sirene foi sumindo, sumindo no desafinado burburinho da cidade, e levando, julgo
que ao hospital ou ao necrotério, o homem ferido ou morto e o macaquinho com
suas panelas, quais não eram mais possíveis de se ouvir se ainda batiam, visto
que na lei da vida das panelas o barulho urgente e imperativo as sufoca.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 16.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><span style="color: #222222;"><span style="line-height: 16.5pt;">E
foi só isto, nada mais. A pequena multidão dispersou-se rápido. Reinou no
condomínio uma </span><span style="line-height: 22px;">sepulcral</span><span style="line-height: 16.5pt;"> ordem e a paz. Tornei a escrever naquela noite.</span></span></span><span style="color: #222222; font-family: "georgia" , serif; font-size: 12pt; line-height: 16.5pt;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<span style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><i>Por Ricardo Novais</i><o:p></o:p></span></div>
Ricardo Novaishttp://www.blogger.com/profile/01327903255629606839noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-567654132153260033.post-33565075584769514922015-04-23T18:14:00.000-03:002015-04-23T18:14:00.328-03:00Maria Cecília<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjT0IserMP4N1uKvZNpEjLJQO-iUL8o7E_yv2SIhQy6iZVecShc6N3toJZQOn609ZErMKC_szN08RmYOfkGafhHUHKJk7VSCv2Tky58zt4FeR8TFtPOT-ymKylWR6Xk5oU9Z2iihadIytY/s1600/01+-+iAWt620.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjT0IserMP4N1uKvZNpEjLJQO-iUL8o7E_yv2SIhQy6iZVecShc6N3toJZQOn609ZErMKC_szN08RmYOfkGafhHUHKJk7VSCv2Tky58zt4FeR8TFtPOT-ymKylWR6Xk5oU9Z2iihadIytY/s1600/01+-+iAWt620.jpg" height="400" width="291" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Ilustração do site: <a href="http://www.ovelhasvoadoras.com.br/2015/04/pequenos-momentos-felizes-relacionamento.html">Ovelhas Voadoras</a>.</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">A
dona leitora entende uma discussão entre dois namorados? Há de se entender que
o amor são pequenos gestos, e não os grandes como parece insistir o coração
acelerado.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Conheci
Maria Cecília numa noite de farra, apresentado por amigos em comum. O que deveria
durar uma noite, teve a cama compartilhada como um símbolo de acolhimento; como
um passarinho que sempre voa de volta para a sua casinha.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Na
cozinha, partilhávamos sorrisos, piadas, ideias, passeios, viagens, queijo...<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">-
Corte o queijo para fazermos o macarrão, Augusto? – pedia-a me ela com um olhar
oblíquo, às vezes longe, porém, tão agasalhador e conexo.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Eu
ficava atrás dela, ela apontava para as prateleiras.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">-
Pegue aquele pirex, amor, por favor.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">A
distração de uma rede social da internet, joguinho de celular, futebol na tevê
ou de uma visão de entardecer chuvoso não nos irritava, ao contrário, fazíamos disso
uma gostosa competição.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">-
Duvido ficar sem o celular, duvido! – eu desafiava. Ela ria, e devolvia a provocação.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">-
Eu?! Eu ou você? <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">-
Bom... Nós dois perdemos.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">-Te
amo, Augusto!<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Lá
do box embaçado do banheiro ela me chamava. Aclamação química! O vapor da água
quente se misturando à fragrância do sabonete comum, ao gozo dos perfumes dela
e à respiração amena. Minha Maria Cecília. Minha Cecília. Minha Ceci, de
costas. Respiração ficando devagarzinho ofegante. A água temperada caindo sobre
nós. Eu mais juntinho a ela, beijando-lhe a nuca, alva, inquieta; tudo num cuidado
sexual... Não imagina, leitor, como aquela mulher era provocante, com grandes
olhos castanhos maliciosos pedindo para satisfazê-la, querendo me engolir, e
estes gestos trançados a sinais delicados e elegantes. Cecília era quase natural.
Naquele momento encontrei minha companheira eterna; naquele momento encontrei
meu Nirvana, o ápice que me libertou.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">-
Vamos nos deitar, querido!<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Era
noite. Noites. Muitas e muitas noites. Órgãos ora expostos ora entrecobertos, à
meia-luz, sob a clarividência de um relacionamento com o tempero adequado, feito
com a medida certa. Dois corpos fundidos quimicamente: molécula, micha, mucosa,
placenta, pus... Tudo nutrindo nossos corpos, nossos corpos nus. Era um cruzar
de pernas e movimentos atingindo labirintos entre névoas despidas.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">-
Eu quero...! Vem...! Eu quero...! Eu quero gozar! – ela gritava em
toque de ordem irresistível, insaciável. – Vem, amor! .. ..., ....! Augusto!
Augusto! ...! ...! ...! Vai...! Eu quero...!<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">- ..
...? Ah, ......! ........! Ah, Ceci! Ah...<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">-
... ....! ......! ..., ....! ....! ... ....! ..........! ....! ... ....! .. ....!<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">-
.. ...!<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Penetração
carnal, suja, violenta; e ao mesmo tempo terna, afetuosa, apaixonante! Ela
jogada de quatro no chão de carpete marrom-claro, espremida do espelho manchado
de reflexos extravagantes; eu com a musculatura e ideias que poderiam muito bem
ter durado a eternidade, mas que foi breve tremor de artérias túrgidas.
Preservativos que não usamos. E nossos corpos entrelaçados, num bater de
joelhos deleitoso, em sussurros que ora viravam urros de prazer ora eram
simplesmente gritos de um amor fugaz, quase estéril. Não couberam ali
fingimentos de preliminares, gestos armados e arranjos sexuais – fomos
o próprio orgasmo.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">- Maria
Cecília!<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">De
repente, em meio aos filmes eróticos que insistia em vir às retinas, às músicas
de cantora de cabaré francesa que passeavam pela orla cerebral e à sombra
esparramada de dois amantes de frente para um lago, deixamos uma taça de vinho
pela metade. Foi uma discussão de namorados que surgiu sorrateira e decisiva. Uma
discussão que nem menciono aqui o teor porque é de tema tão grande e pomposo que
não cabe à compreensão de um amor tão tolo, pueril e acanhado de diagramas ou arquiteturas,
pois que este amor tinha fundamento nos pequenos gestos.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Mas
é aí que está, querida leitora, acredite-me; não conto aqui uma aventura vil de
autor depravado. Oh, não, senhorita leitora! Quero apenas compreender, minha
amiga que me lê, ousando até recordar o sermão da montanha que diz que são “bem-aventurados
os que possuem, porque eles serão consolados”: o que faz dois namorados abandonarem
os pequenos gestos de amor e cuidado pelas grandes e pomposas discussões deste faustoso
mundo?<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">E como
o conto já vai longe, com muitas linhas que podem cansar as vistas menos
treinadas, só digo que foi isto, nada mais.</span><span style="font-family: Georgia, serif; font-size: 10pt;"><o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<span style="font-family: Georgia, serif; line-height: 107%;"><i>Por Ricardo Novais</i></span></div>
Ricardo Novaishttp://www.blogger.com/profile/01327903255629606839noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-567654132153260033.post-56424776970088292672015-04-20T18:30:00.000-03:002015-04-23T17:26:18.068-03:00Trem noturno<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgf-QA1XvZZNz1_BpgeFV_bsp3LZ9DWeIX9kkUxkHFnDG66ZTUISs_61TJkhAp6ugOR0QgP4tVEYRvUahsGZe19CjTZAS1zIonrTqJwnfRHDLyCOmHhidHJO6B7m6gNPhFbedr5SUZ5-jc/s1600/1278628406_slide1_thumb.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgf-QA1XvZZNz1_BpgeFV_bsp3LZ9DWeIX9kkUxkHFnDG66ZTUISs_61TJkhAp6ugOR0QgP4tVEYRvUahsGZe19CjTZAS1zIonrTqJwnfRHDLyCOmHhidHJO6B7m6gNPhFbedr5SUZ5-jc/s1600/1278628406_slide1_thumb.jpg" height="320" width="216" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">I - HISTÓRIA DO AMANHECER<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Os primeiros raios de sol
vieram a perturbar os meus olhos. Era manhã, era novo dia. Não me mexi. O sono
fora tão calmo e tranquilo que quis prolongá-lo. Mas o relógio-despertador do telefone
celular iniciou seu ofício estridente. Estava na hora de levantar-se da cama à vida.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Que isto? Que está havendo?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Eu estava acordado, bem
acordado. Refletia, eu via o teto e todo o lado esquerdo do quarto, as paredes
de um branco desbotado já tão minhas reconhecidas; e queria me mexer, mas não
conseguia. Tudo estava confuso, nada se fazia a entender. O que me aconteceu?
Eu não sabia. Fiz um esforço sobre-humano para mexer a perna esquerda, nada.
Não mexi um músculo, um tecido. Em compensação, meu cérebro fervilhava. Pensei
estar já chorando, porém percebi que não escorria lágrima. Pensei estar morto,
mas eu estava matutando, de modo a estar vivo. Não era sonho, eu escutava as
pessoas fora do quarto; o andar arrastado do senhor Gilberto lá fora, a dona da
pensão a avisar do café da manhã, as moças de hábitos noturnos chegando para o
descanso e batendo a porta de seus quartos. Não era possível, eu não estava
morto.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Calculo, pela intermitência do
despertador, que fiquei bem umas duas horas nesta mesma situação em cima
daquela cama; quando, de repente, bateram à porta.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Senhor Arthur, está dormindo?
Não vai tomar café hoje, não?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Deixe-o, deve ter chegado
tarde de alguma festa e ainda dorme... – escutei a voz de Seo Gilberto
ponderando à dona Márcia e passos arrastados afastando-se.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Não! Não! Voltem! Estou
acordado, voltem! Não consigo me mexer... Ajude aqui... Socorro! Socorro!
Socorro!... <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Foram gritos e gritos e mais
gritos, todos sem resposta. Gritos silenciosos. Ninguém me ouvia. Comecei a
pensar que aquilo era um pesadelo, e que se eu tornasse a dormir quando
acordasse tudo voltaria ao normal. Tentei, tentei e nada de adormecer
novamente. Simplesmente não havia sono, meus olhos não fechavam, ao contrário, estavam
irritados ou isto também era só imaginação porque não doíam e nem a poeira, que
eu percebia cair neles, impedia a visão à meia luz.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Iniciei uma homilia mental.
Rezei a todos os santos, recordei até o terço que vovó rezava em São Paulo e
tentei cantá-lo. Mas a aflição e outras recordações se embaralhavam a tudo.
Novamente ouvi a voz do velho Gilberto e de dona Márcia, um queria que se respeitasse
o meu repouso a outra conjecturou que algo errado acontecia. Venceu o primeiro,
e foram embora.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Espera aí, pensei. Hoje é
domingo, claro! Ontem fui à casa noturna e bebi muito, mas bebidas dão apenas
ressaca... Se bem que... Porcaria! Acho que andei fumando daquele tipo de
salvia outra vez... Tenho que parar com estas baladas... Mas... Espera aí.
Porra! Claro! Colocaram algo no meu copo, sim! Estavam falando daquele...
Curare, curare, curare... É! É isto! Sim! Hum... Fui infectado por alguma
protocurina de curare... Mas como? Lembro-me de que falavam que era uma droga relaxante,
que deveria ser tomada com moderação. Relatavam lá que a essência da erva vinha
da selva amazônica; em outros tempos, acho que os índios a usavam nas pontas de
suas fechas para que o veneno paralisasse o inimigo e defendessem suas
tribos... É isto! Sim! Sim! Sim! Filho da... Alguém me sacaneou! Não estou
morto, estou paralisado pelo curare, daqui a pouco vão entrar aqui e me levarão
ao hospital. Devo ter batimentos cardíacos, vão me reanimar... Socorro!
Ajude-me, bom Deus!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Ajude-me! Ajude-me!
Ajude-me!... Áááááááhhhhhhh!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">O que isto? Recomponha-se,
Arthur! Ora, ficar deste jeito não irá me ajudar me nada, tenho que manter a
calma... e pensar... Deixa-me ver, deixa-me ver... Hum... Quando eu era criança
e adolescente acontecia algo análogo. Às vezes, quase sempre naquele momento
que ainda não é manhã e também já não é madrugada, na aurora, via-me fora do corpo.
Parecia que eu já tinha levantado e saído da cama, pedido a benção a meus pais,
tomado café e, de repente, eu percebia que ainda estava na cama, dormindo. Mas
também não era sonho, então nitidamente eu percebia que não conseguia me mexer
e fazia um grande esforço, um empenho concentrado nas pernas, para mexê-las, e,
finalmente, conseguia me mover. Recordo revirar-me no colchão a fim de mudar de
posição; do contrário, a agonia da paralisação consciente sobrevinha. Mas agora
foi diferente. Toda a força, todo o empenho, toda a energia não conseguem me
devolver da paralisação. Por certo, era o efeito da maldita droga. Era quase um
milagre que neste estado de cataclismo físico e psíquico, em que eu me
encontrava, não tenha me acometido nenhuma fatal overdose; bem, por enquanto
não...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Passaram-se os minutos, eu
fiquei feliz por saber estar vivo e angustiado por não conseguir me mover.
Embora deitado, já estava exausto. Detinha minha atenção apenas o zumbido dos
carros lá fora, de mães chamando os filhos, ecos de latidos de cachorros
longínquos e o bondinho de Santa Tereza que soava de passagem. O senhor leitor
que lê este conto não imagina o terror que se passava em minha cabeça. Eu respirava,
mas não sentia o alento às narinas. Enxergava, mas não cerrava nem batia as
pálpebras. Não mexia a boca, o queixo, as mãos, os pés, nada. Qualquer um que
chegasse ali pensaria imediatamente que se tratava de cadáver fresco. O pior é
que minha família não estava ali comigo. Não sou desta cidade, vim a trabalho.
Meu pai é aposentado; às vezes ele vem e fica um pouco, por alguns dias,
ajuda-me a acordar pelas manhãs, mas logo tem de voltar à São Paulo. Minha mãe
e irmãos moram também lá naquela capital bandeirante, e não tenho namorada.
Meus colegas de trabalho não podem me ajudar, hoje é domingo, eles estão de
folga e não me visitam. Há três meses aluguei um quarto numa pousada decente da
Costa Bastos no bairro de Santa Tereza, fica perto do escritório, na
Cinelândia. A comida é boa, as pessoas são conservadoras e ordeiras, embora
tenham que fazer vista-grossa aos viciados em maconha e às prostitutas que
moram na casa. Afinal, eles pagam direitinho. Há também alguns funcionários
públicos e empregados médios de empresas privadas, que, assim como eu,
dispensam o conforto refinado para economizar algum dinheiro em cidade alheia.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Aventurei-me tanto para mexer
os pés e braços que meus pensamentos iniciaram fadiga. Ironicamente, comecei a
pensar que não são nossos músculos e outros membros que cansam; o enfastiar é
da ideia. Pouco a pouco fui dispersando, os zumbidos não prendiam mais tanta a
minha atenção, tudo foi ficando escuro, inconsciente, embora meus olhos
permanecessem abertos, e veio uma paz muito serena.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">II - AUTÓPSIA<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Só foi possível ouvir o
estrondo. A porta veio a baixo. O pessoal do resgate entrou primeiro, depois dona
Márcia e o senhor Gilberto.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Menino, menino! – gritava a
velha.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Está morto... – afirmou um
homem com voz entrecortada encostando os dedos à minha garganta.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Não, não estou! – tentei
gritar. Eu mesmo percebia que nenhuma voz saía de minha boca. A paralisação
continuava, pensei agoniado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">O enfermeiro tentou fechar meus
olhos, mas não conseguiu e desistiu logo. Alguns da pensão riam por descrença,
outros estavam em choque.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Foi droga – disse um.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- É ataque do coração –
conjecturou outro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Uma mocinha que eu paquerava
chorou, eu fiquei feliz com isto. O velho Gilberto, que era português antigo da
casa velha e viúvo há tempos, prontificou-se a acompanhar o corpo ao IML.
Espantei-me com a necessidade e aterrorizei-me com a sigla: IML. Insistiram que
me levassem ao hospital; assim foi. Na Santa Casa deram a hora da morte às
3h45min de domingo. A causa mortis era ofício aos legistas desvendarem. Fizeram
os procedimentos de encaixotar cadáver, chamaram o rabecão e três horas depois
eu estava de volta ao bairro, num corredor claro, sob uma maca, coberto por
lençol e dado como morto na Mem de Sá.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Descobriu-se meu corpo, o alvo
lençol foi ao chão cinza. Veio um primeiro legista. Ele olhou-me de lado a
lado, calçou luvas e deu-me asco quando percebi a mão daquele homem passeando
pelo meu corpo nu. Chegou uma mulher, não era velha nem bonita. Vestia avental branco.
Parecia estagiária.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Ele é todo seu, mocinha! –
disse o legista à garota que demonstrava suar frio.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">O homem saiu da sala. Ela
tentou fechar meus olhos, mas estes não fechavam. Eu tentei falar a ela, ela
não ouvia. Curiosamente, atingi os seios fartos dela, instantaneamente meu
órgão genial deu sinal. Isto foi o que achei, porque a estagiária nada de
estranho notou. Para ela, eu não passava de um presunto moço.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">A mulher não me cortou de logo,
logo. Pegou do bisturi e parecia medir meu dorso. Em dado momento, fixou seus
grandes olhos verdes em meu rosto. Olhou, olhou, e desviou para a boca.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Pobre rapaz, tão jovem... –
disse isto baixo consigo e depois falou alto a mim: – Se ver meu noivo por lá,
mande lembranças a ele...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">A estagiária preparava-se para
iniciar a minha retaliação, o morto que estava vivo, quando, de súbito, bradou
uma voz:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Espere! Não, ainda...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Isto, doutor! Isto! Não
deixem que me matem... Estou vivo! Estou vivo! Não quero morrer... – gritei o
mais alto que ninguém pode ouvir.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Que foi?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Um tiozinho que acompanha
este cadáver pediu para vê-lo... É bom que o veja inteiro... Rá, rá, rá, rá,
rá, rá, rá rá, rá rá, rá...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Mas, doutor! Isto não é
contra os procedimentos?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Vá se acostumando, mocinha...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">O velho Gilberto entrou à sala.
Ele chorava.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Filho, que lástima! E tão
longe de casa... Teus pais já sabem, eles vêm logo, filho. Sinto muito, sinto
muito – o homem soluçava. – A morte é trágica, e injusta... Leva os jovens e
deixa os velhos. Por que não me levaste invés de meu filho, Deus? Preciso tanto
ver minha Marieta...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Eu estava comovido. Gilberto
era um senhor educado, sempre brincava comigo e chegamos mesmo a ir juntos ao
Maracanã e São Januário. Estranhou-me, no entanto, chamar-me assim e chorar
tanto.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Como o deixaram entrar? Ele nem
parente é; ou será que é?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Bem, senhor – retornou o
legista –, infelizmente o senhor tem que ir embora, tem que sair daqui, agora!
Compreende, senhor?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Mas eu pago mais, só mais um
pouco... É meu filho!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Filho? Não leitor; não farei
mistério algum. O velho portuga não era meu pai, ele passou a considerar-me
como tal depois que seu filho legítimo foi assassinado, junto da esposa, dona
Marieta, num ordinário assalto na zona sul da cidade. Isto já deve ter uns bons
dez anos, mas o pobre homem nunca se recuperou. Ele vive a repetir a tragédia a
todos que encontra pela frente e, vez por outra, confunde este ou aquele rapaz clamando
pelo filho.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Passou quinze minutos de
lamento sincero e confuso e o legista avisou que não era mais passível de
suborno.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Não! Não! Por favor, ele dará
mais dinheiro a vocês! Dê mais a eles, Seo Gilberto. Dê dinheiro a eles! Vamos,
vamos... Por favor! Não, volte, volte, volte...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Eu chorei, copiosamente. A dona
leitora está certa, nenhuma lágrima foi visível; ficaram todas elas dentro do
coração, presas, lúgubres, à espera do fim. E o fim chegou logo. Veio a mesma
garota de seios fartos, o mesmo bisturi afiado em mão trêmula, as palavras
iguais, os gritos pavorosos sufocados e...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">A dor que senti foi pior que a
dor do parto. Verdade que nunca pari, mas a leitora que já é mãe sabe do que
falo. Aquele instrumento pontiagudo cortou-me de lado a lado, as vísceras
saltaram de pronto, as entranhas todas à mostra, o ar fétido, tétrico,
nauseabundo; eu senti tudo, corte por corte, investigação lenta minuciosa e
imprecisa por tudo que fui nesta vida. A moça não reparou que meu coração ainda
palpitava por sobrevivência, fraco, muito fraco, mas dava clamorosos sinais
vitais. Ela os ignorou por completo. Meu desespero era latente. Não aguentei, de
repente tudo se movimentava sem nexo e os objetos giravam perseguindo-me, eu
não vi mais nada; a não ser uma luz clarividente e acolhedora. Fui à luz.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">III - O CORTEJO NOTURNO<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Quando dei por mim, estava
bem-vestido e dentro de um esquife. Eu observava as flores fúnebres murchando
minuto após minuto e já pensava na minha nova e confortável morada sete palmos
abaixo da terra. Concluí disto que a morte é um sono eterno e sem sonhos. Minha
mãe chorava ininterruptamente ao lado do caixão, era um soluço melancólico e
curto; meu pai tomava um café em copo de plástico. O clima era sorumbático. No
atestado de óbito vinha escrito: “Morreu de ataque paralisante do miocárdio”.
Ora, essa é boa. O miocárdio foi o único órgão que se manteve firme, vivo até o
fim. Pobre miocárdio! Mas, se bem que... Não, não foi o único que se manteve
vivo, pois é certo que não examinaram o meu cérebro – embora árdua seja a tarefa
de medir os pensamentos...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Ouvi que seria translado para
São Paulo. No fim, tudo é um campo de girassóis... Nunca pensei que faria tal
viagem, de mais de 420 quilômetros, desta maneira; e melhor, sem pagar
absolutamente nada pela passagem. Isto é quase boa promoção de agência de
turismo; de fato, uma pechincha! O trem seria o cortejo, a carreata funesta e enigmática.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Mais terrível nisso tudo,
leitor, é que mal tinha morrido direito e já recebi companhia indesejável. Uns
vermezinhos vieram ter comigo:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Olá, amigo! Sou o
escaravelho, mas pode me chamar de Cará. Muito prazer!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- É? O prazer é teu, não vê que
estou morto?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Sinto muito, acontece... Bem,
amigo; mas viemos vê-lo porque vamos nos alimentar de seu corpo; questão de
sobrevivência; você entende, né?... Ah, mas não se preocupe! Geralmente
funciona assim: a comida nada sente; apenas arrancamos um naco do presunto,
comemos e vamos embora. Noutro dia voltamos, outros não podem vir, apenas eu e
meus companheiros decompositores, somos os donos de seu corpo; eles que
procurem outro defunto para saciar a vida, ou morte! Quando der por conta, já
nada mais existirá de ti. Entendeu tudinho?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Entendi. Mas, por favor, não
dá para esperar um pouco; quer dizer, ao menos até que eu esteja enterrado...
Não quero ter aspecto ruim no velório; compreendem?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Oh, sim, claro! Por enquanto
só viemos mesmo lhe dar as boas-vindas. Já te disse para não se preocupar... –
De repente o escaravelho fechou a horrenda face e raiou com os amigos:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Ei, senhor fungo, dona bactéria;
agora não! Depois vocês comem; que gula!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Mas Cará... É só uma
lambidinha. Poxa! Estou morrendo de fome...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Não! E Basta! Não sabem o que
é basta?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Basta foi tudo que eu soube da
cadeia alimentar. Aqueles vermes morriam de fome e eu já estava morto – finado
e encaixotado. Curioso, mesmo sem poder me mexer eu percebia que aquele caixão
era muito apertado. Meu pai deve ter economizado em minha última morada... Um morto
deveria ser enterrado em local grande e arejado, algo parecido com a tumba de
Jesus Cristo. Por que não dar espaço à morte?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">I V - CIDADE DE CAMPANELLA<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Eu devo ter adormecido
novamente. Cochilo mortal, literalmente mortal. A dona leitora que acredite: os
mortos também dormem. Se eu dormi e não estava vivo, então sou a prova viva, ou
morta, de que existe algo além-túmulo. Não te assustes, queridos leitores;
creio até que apreciariam fazer tal viagem. Quem sabe um dia; né mesmo, meu
amigo e minha amiga? Uma extraordinária viagem fascinante! Entretanto, nem tudo
é turismo. A morte tem lá também suas aflições; e o fato é que quando recobrei
a consciência, abri os olhos que tinham fechado a custo no IML e assustei-me
muito. Desenlacei os dedos que aquela maldita moça dos seios fartos tinha
cruzado, encostei a mão à lateral acolchoada do caixão, mexi os pés em sapato
novo – para que sapatos novos em morto eterno? –, ainda um pouco tonto, eu
sentei no ataúde. Passei a mão direita do lado esquerdo do peito, doía muito –
sim, senhor, além de dormir, os mortos também sentem dor. Eu tinha um corte
feio no peito...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Maldito bisturi!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Um homem pouco calvo, com
cigarro à boca e copo de uísque à mão direita disse-me:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- A dor passa. Isto tudo logo
passa. Depois que o trem cruzar a fronteira dos dois Estados você se sentirá
melhor.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Qual Estado? Quem é você? Eu
já o vi em algum lugar... Nossa!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">É...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Vinicius de Moraes, às
ordens!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Vinicius de... Porra! Mas
você está morto!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Ele riu.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Claro! Eu estou morto – eu
concluí.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Não se precipite, meu jovem.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Para onde estamos indo? Para
São Paulo?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Não, não vamos a São Paulo.
Acalme-se, você logo saberá.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Meus pais, eles estão no
trem?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Não se preocupe mais com
eles; ficarão bem!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">O panorama era bonito, as
montanhas, altas e baixas, todas cobertas de um esverdeado um pouco dourado em
meio à escuridão da noite. A lua cheia jogava sua luz bucólica e gentil em
tudo. O céu, entre azul e cinza, tinha nuvens altas e rarefeitas; ou eram quase
nuvens, lembravam mais vapor de café recente. Passou um bom tempo, daí perguntei:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Este é aquele trem noturno
que cruza por cima do rio Doce?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Ora, não! É trem noturno, mas
não é doce... Se fosse viria eu te buscar, rapaz? Não! Viria logo o próprio
Alphonsus ou a moça Ismália. Né mesmo? Né mesmo? – caçoou de mim com um risinho
sem vergonha. Poetinha desgraçado! ...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Não é trem-doce, não é
trem-bala, que diabo de trem é este, afinal, hein?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Trem noturno.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Mas...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Não tem mais nada. É trem
noturno. Trem noturno.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Nada mais eu disse. A viagem do
trem triturava engrenagens e pensamentos. Fiquei olhando para o Vinicius, extasiado
e pensativo; ele olhava a paisagem pela janela da locomotiva, fumava e bebia
longas doses de uísque. Também bebi uma ou duas doses; bebi mais para me acalmar,
não me ousaria pretender acompanhá-lo. Eu tinha muito medo de tudo, e tudo era
o desconhecido; percebi que o pavor estampou-se à minha cara. Mas, ao mesmo
tempo, senti-me admirável, um orgulho avaro, por merecer grande poeta de
acompanhante em minha hora derradeira. Porém, foi aí que me preocupei. Aquele
homem havia vivido intensamente... Ai, meu Deus! Teria sido o poeta agraciado
com o paraíso por seu estilo de encarar as agruras da vida com leveza ou castigado
com o inferno pelos prazerosos vícios terrenos? Ah! Àquela altura, pouca coisa
importava. Depois de ficar paralisado, ser retalhado por uma moça depressiva e
virar comida de verme, nada poderia ser pior – nem o inferno.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Mas não era o inferno. Da
janela do vagão consegui ler: “Amigo viajante, seja bem-vindo à Campanella”.
Passou algum tempo e lia-se outra placa: “Perímetro urbano de Campanella”. O
trem parou e Vinicius se levantou:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Vamos!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Onde?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Vamos saltar; ora! Vamos! –
ele reiterou a ordem.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Ao descer do trem, o poeta
declarou:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Bem-vindo à cidade de Campanella,
lugar das paixões.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">V - DO OUTRO LADO DO SISTEMA
SOLAR<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- O que vim fazer aqui? Estou
morto, Vinicius?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Sei lá, sei lá... Vamos ali
ao bar tomar uma bebidinha.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">A cidade era pequena, mas
linda. Havia árvores por todos os lados, os carros eram todos das décadas de
1950 ou 1960. Porém as casas pareciam muito mais antigas, talvez da época do
renascimento, especialmente aquelas que ainda hoje se veem na cidade de
Florença. As pessoas se vestiam diversas umas das outras. Vinicius de Moraes, por
exemplo, trajava black-tie; mas passou uma mulher de vestido vermelho com
aspecto horrendo, parecia carregar o próprio cadáver invisível às costas; um
rapaz, a cara do cantor Cazuza, usava somente jeans e camiseta e fumava alguma
coisa no meio da rua. Outros se apresentavam de terno e gravata, alguns sem
gravata e muitos de blusa azul-marinho. O tempo não era frio nem calor;
podia-se vestir um sobretudo de lã ou uma regata de flanela.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Ao entrarmos no boteco, veio um
homem, entregou-me um bilhete e fez sinal que eu nada dissesse a outra pessoa,
a não ser ele. No papel estava escrito: “Vá embora enquanto pode”. Deve
imaginar, leitor, a nova confusão que me acometeu. Esperei ele ir ao banheiro e
fui atrás.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Que está havendo aqui?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Não sei.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Quanto tempo está aqui?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Aqui é difícil saber, uns
cinco ou dez anos, talvez... Na verdade eu não sei dizer...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Meu Deus! Que loucura! –
olhei o homem e sorri a ele: - Eu devo conhecer o senhor também, não é mesmo?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Meu jovem, aqui todos se
conhecem. Só estão aqui as pessoas que, de algum modo, conhecem você, que
tiveram contado com você.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Está entendendo? Campanella é
terra de ninguém, e... Também de todos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Antes de sair, ele virou o
rosto dizendo:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Tenha por certo que a tua
família está bem. Mas quem aqui está deve ter medo... Você, eu; entende? Eu não
sei... Não sei...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Saí do bar e andei pela
calçada, impecavelmente limpa. De súbito, a cidade, que a pouco era bela e
pequena, mudou para o aspecto de uma megalópole enorme, cinza e barulhenta.
Esbarrei numa mulher.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Desculpe, moça!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Tudo bem... Não foi nada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Aqui é Campanella?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Sim.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Mas...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Não estranhe, por aqui é
sempre assim. O tempo e as coisas mudam, de repente... – ela disse e sumiu;
pareceu ser uma prima minha morta ainda na primeira juventude... Eu tive
impressão, mas também de nada eu sabia.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Vi tanta gente. Parentes,
amigos, atropelados, sumidos, alguns que eu não tinha ideia de onde estavam e
outros que eu imaginava estarem em outro lugar. Não! Todos estavam em
Campanella.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Eu tinha de ir embora daquele
lugar; lembrei-me do homem que parecia tão íntimo de mim, conjecturando perigos
em banheiro de boteco, e que eu não arranhei jeito de recordar quem ele era.
Nisto aproximou-se outro senhor, este não direi quem é.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Como vai? – perguntou-me com
gentileza.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Bença... – reverenciei-o<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Deus te abençoe.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Está tudo bem?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Sim, graças a Deus! Mas,
você... Você andou pisando na bola... Mas estarei sempre contigo. Vamos
resolver tudo. Reze um pouco, confie em Deus. Tudo vai dar certo! Adeus. Fique
com Deus!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Espere, preciso dizer o que
sinto... Por favor! ...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Ele foi embora. As lágrimas
agora corriam a rodo pela minha cara que outrora sempre fora dissimulada, e eu
podia senti-las todas. Os cortes da autópsia não mais doíam, sequer existiam.
Percebi que nem marcas ou cicatrizes haviam ficado, era como se nada tivesse me
cortado de lado a lado. Foi inevitável um sorriso debochado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><span style="line-height: 107%;">Roubei um carro. Um Opala,
creio que o ano dele era 1968 ou 1967. O motor robusto fazia barulho, todos na
rua me olhavam. Fiquei rodando por cerca de 40 minutos, o rádio FM só tocava
rock n</span><span style="line-height: 107%;">‟</span><span style="line-height: 107%;"> roll
no </span><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-family: Georgia;">ú</span><span style="line-height: 107%;">ltimo volume ou música renascentista muito
íntima. De repente, o rádio mudou para o AM; só se ouvia na estação a narração
de jogos de futebol com jogadores mortos: Heleno de Freitas, Garrincha,
Feitiço, Puskas, Pelé – este eu não tenho certeza se morreu, é eterno –,
Maradona – este eu não tenho certeza se viveu –; outros compunham a escalação
com o saudoso Tonhão Pingaiada, o baixinho Gino, o asqueroso Pezão, enfim, muitos
craques memoráveis disputavam uma peleja histórica em algum estádio monumental
daquela cidade de Campanella.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">O carro ia a toda velocidade.
As estradas eram largas, o asfalto bom, parecia rodovia, mas havia muitas casas
às margens que indicam perímetro urbano. Campanella era grande por todos os
lados, parecia não ter fim.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Peguei um desvio à direita.
Ninguém me seguia, mas comecei a achar que se continuasse naquela rodovia
ficaria rodando em círculos, embora fosse pista reta. É que de cinco em cinco
quilômetros, contados pelo mostrador analógico do automóvel, a paisagem mudava
para a anterior, os mesmos guard-rails, o mesmo mato, as mesmas casas, os mesmos
edifícios, apenas os transeuntes e os outros carros eram diferentes – eu
conhecia todos. Neste atalho a estrada era ruim, sombria, mão única, as grandes
árvores escondiam a lua que já era pálida.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Comecei a perceber que alguém
corria dentro da mata, pisei no pedal do acelerador, mas o automóvel não
aumentava mais a velocidade. O vulto cruzou a pista e... Eu o atropelei.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Desci do carro e fui até o
atropelado. Era Garrincha, o genial Mané Garrincha. Ele se levantou, devagar,
depois disse:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Estou bem, amigo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Entretanto, uma voz estranha
bradou:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Não podia ter feito isto,
caro rapaz.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Acho que desmaiei, porque não
entendia mais nada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Onde estou? – interroguei um
pouco zonzo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">O vulto que batia a poeira da
roupa de Mané respondeu-me:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Você está no lado homólogo da
Terra.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Imediatamente chegou a polícia.
Não me pergunte, leitor; eu não sei como os policiais chegaram tão rápido.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">V I - JULGAMENTO INESTIMÁVEL<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">A chefatura policial veio num
tílbure do século XIX. Inacreditável! Quantos tipos de veículos existem neste
lugar? Era o mesmo lugar? Sim, era; mas nitidamente a época havia mudado
novamente. Atrás na patrulha, desceu o delegado. Em seguida, em outro veículo
do mesmo gênero do primeiro, surgiu o prefeito de Campanella. Incrível! Era Machado
de Assis.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Não acredito!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Nem eu digo que acredito –
debochou o bruxo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- São olhos refletidos – eu
disse.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Seguramente – acudiu ele –;
entretanto, pode ser que tu estejas errado. A verdade é que uma coisa não
impede a outra, e a reflexão casa-se muito bem com a curiosidade natural. Parece
curioso, isso parece, mas...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Vamos levá-lo! – ordenou
áspero e subitamente o delegado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">O delegado era Olavo Bilac.
Tinham dois soldados, um era Renato Russo – coitado do Renato, sempre fora do
tempo... –, o outro, ou a outra, era a senhorita Bidu Saião. Eles pareciam
indolentes, mas agiam naturalmente. Não deveria dizer, leitora, mas digo,
porque é verdade; apaixonei-me por aquela moça, irresistivelmente... Mulher
deveras fascinante!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Levaram-me à delegacia, poucos
minutos depois já estava em tribunal. “Que rapidez”, recordo que até pensei
isto ao me lembrar da morosidade em cartórios de São Paulo e do Rio de Janeiro
do meu tempo; que também é teu tempo, leitor.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">O juiz monocrático que julgou o
caso foi Drummond. O promotor foi o próprio delegado, o intragável Bilac. Meu
advogado de defesa era Augusto dos Anjos. Pedi que fosse o velho bruxo do Cosme
Velho, mas este agora era prefeito e não podia. Contudo, agradava-me que fosse
Augusto a minha defesa. Gosto dele, além de moço incompreendido é também astuto
e tem olhos agudos – embora o promotor olhasse com desdém para ele.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">O juiz disse:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Que entre Sócrates.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Que Sócrates, o jogador?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Não, o grego.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">- Ele não pode vir, excelência;
teve outros afazeres – respondeu Bilac.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Drummond então iniciou o
julgamento sem o grego. Mas mal se iniciou a instrução jurídica já havia a
sentença:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">“Sócrates, em discurso
proferido nesta mesma tribuna, afiançou:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">“<i>Conhece-te a ti mesmo”. Isto como passo primordial ao alcance da verdade
acerca da humanidade e assim, do universo, que em harmonia e conjunto é capaz
de levar à felicidade e à paz. De modo que este é o embasamento da sentença</i>”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">O juiz, nosso querido Carlos,
baixou um pouco os olhos, jogou a caneta ao tinteiro e leu o resto daquele
aresto primário:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">“Sentencio o réu à pena da
reflexão e do autoconhecimento. Cabe recurso ao Tribunal Divino ou a Vara do
Capeta. Sem mais, digo apenas que haja escuro e novo tom de escuro; pois em
fuga despede-se da vida. Que a vida seja a fuga, e a fuga seja a morte. Assim
estamos todos quites. Digo isto e desfaço o Conselho. ”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Assim, a reflexão que a mim foi
imposta como sentença permitiu-me compreender, e transcorrer neste conto, o
ponto de vista da mensagem que me quiseram transmitir. Saiba tudo agora,
leitor. Minhas atitudes humanas covardes, insensíveis, arrogantes foram as
causas determinantes de minha morte. Ao menos foi isto que escreveram na certidão
da sentença. O documento explicou-me tudo que eu ainda não havia entendido na
boca do juiz, por causa da emoção. A paralisação de meu corpo, de meu coração,
de minha vida, enfim, não paralisou o mundo – por isto a sociedade e o caos
persistiram de relâmpago em relâmpago em meu âmago, agravados pela falta de
consciência das pessoas próximas e, de igual modo, das não tão chegadas – quais
todas elas, desgraçadamente, longe ou perto, continuaram comigo, em meus atos,
ideias, tratamentos, medos e cálculos. Tudo que vi no mágico município de
Campanella foi a marca de minha maldade.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Senhor leitor e dona leitora,
eles não quiseram convencer-me de nada, absolutamente! E nem eu agora quero
convencê-los de algo; contudo, dizendo do que entendi de viagem feita em trem
noturno e em férias peculiares à cidade tão enigmática e fantástica, e também naqueles
meus dias de condenação em Campanella, aprendi que o grande potencial humano
que leva à felicidade e à convivência em harmonia são as coisas aparentemente
inocentes; e, conforme o despacho de meu julgador, conhecer-se a si mesmo é,
simples e essencialmente, “amar ao próximo como a si mesmo” – sim, amigo desconfiado;
nisto dou aspecto bíblico ao acórdão para que nenhum crítico venha me acusar
por aí de ficcionista do delírio.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Depois de cumprir toda a minha
condenação imposta e alcançar a liberdade, recebi o título de regenerado. Não
que eu tenha desdenhado do título; afinal, títulos acariciam os espinhos do
caminho. Mas é que alcancei que aquilo era menos importante, pois minha
regeneração depende factualmente de que eu a procure sempre, em todo momento, em
todo pensamento, durante toda a vida.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Então, por fim, que veio minha
libertação. Nisto reencontrei aquele mesmo homem de meu primeiro dia em
Campanella, qual eu, naquele capítulo, esbarrei por acaso numa das ruas da
cidade e, por capricho, não quis revelar a identidade. Lembra-se, leitor? Como
não? Ora! Deixe de moleza, torne aí umas poucas páginas e releia novamente o
capítulo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 107%;">Confesso que lá fui
deliberadamente imprudente, tive a proposital intenção de aguçar a curiosidade
de minha querida amiga leitora – desculpe-me, foi uma provocação tola; admito!
Sendo assim, antes de terminar o conto, revelo então agora quem era aquele
misterioso homem. Era... eu mesmo. Não, meu amigo, não caçoe julgando ser este mistério
por quase nada ou pequeno; pois se tanto naquele primeiro dia como no último,
eu, graças a Deus, vim a interromper o meu próprio sono profundo e paralisante.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">- Arthur, ô Arthur. Acorde!
Acorde, rapaz! Olha a hora. Dona Márcia está chamando para o café-da-manhã.</span><span style="font-family: Georgia, serif; font-size: 10pt;"><o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 107%;">______________<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 107%;">Conto retirado do livro <i>O trem noturno</i>, Ricardo Novais, editora
Bookess.<o:p></o:p></span></div>
Ricardo Novaishttp://www.blogger.com/profile/01327903255629606839noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-567654132153260033.post-42309585370774553112014-12-23T20:30:00.000-02:002014-12-24T08:13:12.830-02:00Presente de Natal<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiyF6ZkggyM6F8ivJ47dfsSQwtBGr1HUSmLp7gqA0OMEDvLv1s1sodWVAO8wSYEXYbIs_u8bhZ6U6pWjcLFPxTp05E6XM8JKDtvNVTCVUtss8OHaFraQFGvkvwtuuxD-1gJypkI1XJFo-w/s1600/presente+de+natal.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiyF6ZkggyM6F8ivJ47dfsSQwtBGr1HUSmLp7gqA0OMEDvLv1s1sodWVAO8wSYEXYbIs_u8bhZ6U6pWjcLFPxTp05E6XM8JKDtvNVTCVUtss8OHaFraQFGvkvwtuuxD-1gJypkI1XJFo-w/s1600/presente+de+natal.jpg" height="249" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Google Imagens.</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "Georgia","serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "Georgia","serif";">Cheguei cansado em casa, eram quase sete da noite. Tirei o
paletó e esparramei-me no sofá. A casa estava vazia. Depois de sair do
trabalho, Marcinha iria pegar a Duda na escola no último dia de aula do ano letivo. Mas a casa ainda estava
vazia. Liguei a tevê. Deixei-me passear pela internet teclando à toa por uma
hora, talvez mais.</span><span style="font-family: "Georgia","serif";"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "Georgia","serif";">Tinha um embrulho em cima da mesinha de centro, estava
aberto, mas não toquei nele. Marcinha chegou com a Duda, as duas vieram me beijar.
Marcinha parecia irmã mais velha de Duda, de tão fina e angelical, mas, numa
observação mais detalhada, via-se a mulher absoluta e atraente. Duda tinha oito anos incompletos; era belíssima, graciosa, iluminada; era a nossa jovem Maria
Eduarda Maia.</span><span style="font-family: "Georgia","serif";"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "Georgia","serif";">Marcinha subiu para ajudar Duda com o banho e outras coisas
de meninas, eu fiquei no sofá com a tevê ligada, tomando uma cerveja e
navegando na net. O embrulho começou a olhar para mim, eu a olhar para ele. Era época de Natal. Inclinei-me à mesinha e peguei o pacote. Desembrulhei-o. Havia um smartphone
novinho dentro, de última geração. Não tinha indicação de presente, do
portador, remetente, dono etc. Coloquei-me a pensar muitas coisas. Passou-se
bem mais que um quarto de hora, Marcinha anunciou o jantar: pizza e suco de caixinha.</span><span style="font-family: "Georgia","serif";"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "Georgia","serif";">- De quem é aquele celular que está na sala? – perguntei
ainda no primeiro pedaço da pizza de bacon.</span><span style="font-family: "Georgia","serif";"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "Georgia","serif";">Não ouve resposta, insisti na pergunta. Duda cortou:</span><span style="font-family: "Georgia","serif";"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "Georgia","serif";">- Papai! Papai! Eu aprendi a nadar hoje...</span><span style="font-family: "Georgia","serif";"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "Georgia","serif";">- Que legal, filha! Parabéns! Papai está orgulhoso de você.</span><span style="font-family: "Georgia","serif";"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "Georgia","serif";">Duda me deu beijos, retribui-os com certo fastio. Abracei-a,
passei a mão em seus cabelos finos e castanhos. Marcinha nada me dizia.</span><span style="font-family: "Georgia","serif";"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "Georgia","serif";">- Vamos escovar os dentinhos para ir dormir, Duda... – Falou
Marcinha, pegou na mão de Duda e subiram.</span><span style="font-family: "Georgia","serif";"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "Georgia","serif";">Fiquei na sala. Bebi outra cerveja e vieram os pensamentos
mais imprevisíveis, não fortuitos e diversos deste mundo. Leitor, que acha? Um
smartphone de última geração na mesinha de centro da sala sem que seja eu o
comprador e sem que sua mulher diga de quem seja? Estranho enigma! Muito
estranho, concorda comigo? Lembrei-me de quando ela chegou com a Duda, do beijo
frio que me deu e das poucas palavras ditas; da falta de resposta, do enigma
formado. Bebi outra cerveja e subi as escadas a passos arrastados.</span><span style="font-family: "Georgia","serif";"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "Georgia","serif";">Entrei no quarto de dormir. Marcinha estava encostada numa
almofada sobre a cama vendo novela, sentei-me em um puff que se afundou,
senti-me inseguro, levantei-me. Dei duas voltas no quarto sem dar palavra, por
fim, disse algo.</span><span style="font-family: "Georgia","serif";"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "Georgia","serif";">- De quem é isto? </span><span style="font-family: "Georgia","serif";"><o:p></o:p></span><span style="background-color: white; font-family: Georgia, serif;">–</span><span style="background-color: white; font-family: Georgia, serif;"> questionei segurando o smartphone na mão direita e cutucando-a com a outra mão.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "Georgia","serif";">Ela não respondeu, insisti.</span><span style="font-family: "Georgia","serif";"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "Georgia","serif";">- De quem é, porra? Diga! Quem deu isto pra você?</span><span style="font-family: "Georgia","serif";"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "Georgia","serif";">Como não havia resposta, agarrei-a e gritei. Marcinha começou
a chorar, nada dizia. Eu fui ficando louco, fiz um algoritmo zeloso.
Marcinha em prantos. Soltei-a. Ela virou o rosto. Um lençol de lágrimas cobriu
meus pensamentos: “</span><i><span style="font-family: "Georgia","serif";">De
quem é esta porcaria de smartphone? Esta mulher está escondendo algo!</span></i><span style="background: white; font-family: "Georgia","serif";">”.</span><span style="font-family: "Georgia","serif";"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "Georgia","serif";">- Você é um ignorante, Eduardo! – exclamou isto para mim,
entre soluços, apresentando-me o cartão de "boas festas" que foi entregue pelos correios junto com
a encomenda e onde se lia:</span><span style="font-family: "Georgia","serif";"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "Georgia","serif";">“<i>Dudu, querido!</i></span><span style="font-family: "Georgia","serif";"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i><span style="background: white; font-family: "Georgia","serif";">Mando a você este smartphone de presente como prova de que não te esquecerei, jamais.</span></i><span style="font-family: "Georgia","serif";"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i><span style="background: white; font-family: "Georgia","serif";">Um beijo de quem te amará ‘ever’, ‘ever’, ‘ever’;</span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i><span style="background: white; font-family: "Georgia","serif";">Feliz Natal e próspero Ano Novo!</span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i><span style="background: white; font-family: "Georgia","serif";">De quem soube esperar e o amou, e ainda o ama, com paciência;</span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i><span style="background: white; font-family: "Georgia","serif";">Rosa”.</span></i><span style="font-family: "Georgia","serif";"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<span style="font-family: "Georgia","serif";"><i>Por
Ricardo Novais</i><o:p></o:p></span></div>
Ricardo Novaishttp://www.blogger.com/profile/01327903255629606839noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-567654132153260033.post-22059505544383688362014-11-14T20:36:00.000-02:002014-11-24T18:22:56.207-02:00Uma visão <table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjf78Dat47MaZzLSm3r6mkEmqMD-Rf7A1f24rR-Rg1PURPgOZjl_iHRtOYGyUgUeVgxMwK8M5eZlVlAFdGWmtAzv16Ks4mbkWRe36pUGnH33MLwPjnDkjlx5Q3O7sL5ss5_eyM4ffYHqtA/s1600/006.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjf78Dat47MaZzLSm3r6mkEmqMD-Rf7A1f24rR-Rg1PURPgOZjl_iHRtOYGyUgUeVgxMwK8M5eZlVlAFdGWmtAzv16Ks4mbkWRe36pUGnH33MLwPjnDkjlx5Q3O7sL5ss5_eyM4ffYHqtA/s1600/006.jpg" height="400" width="240" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">"A visão do mar". Foto de arquivo.</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;">
<span style="color: #333333;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;">
<span style="color: #333333; font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">A
saudade é a ponta de uma fita durex. Uma fita dando volta em si mesma; adesiva,
aderente, grudenta. Perde-se a ponta da saudade para achá-la novamente adesiva,
aderente, grudenta. É saudade, leitor. Uma lembrança que circula amassando a
rotina, rasgando o papel do compromisso e tornando um pedaço de mensagem do
passado em presente, um presente que não se sabe se retornará em futuro.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;">
<span style="color: #333333;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Como
me diz a minha amiga leitora, que a tanto prezo pelo laço de ternura, a fita de
durex é uma saudade que cola o amor, a amizade, a admiração, a ponta de uma visão do mar; e que coladas,
ponta sobre ponta, emenda dizendo à alma onde se quer voltar. É verdade, amigo
que me lê; não me tome por patife. Uma fita de durex é capaz de selar a
lembrança de um pai, de uma paixão, de uma música, de uma morte cômica, de uma
redação escolar da 7ª. série.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;">
<span style="color: #333333;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Ter
saudade é dar um abraço no passado envolto em um rolo de fita durex adesivo,
aderente e grudento. Contudo, nem toda a cola do mundo é capaz de grudar o riso
infinito de uma tesoura cortante e gélida.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: right;">
<span style="color: #333333;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><i>Por Ricardo Novais</i></span></span></div>
Ricardo Novaishttp://www.blogger.com/profile/01327903255629606839noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-567654132153260033.post-73774903838397828702014-10-01T20:05:00.000-03:002014-10-01T20:05:00.293-03:00Eleição republicana<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgxcl5ezhyjTXChs3DWwLJoft_yhMlglECcNwSHWP99jhGt5BwGtgaHUxheHqYqUn8w5bDBZhZvHD8TF6Ts3FadgtA6Fo_76oaAJfj6noaFv5H_vjhovIQi-qzrY5qyVuh5mYLR64kfJtg/s1600/P%C3%A1tria.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgxcl5ezhyjTXChs3DWwLJoft_yhMlglECcNwSHWP99jhGt5BwGtgaHUxheHqYqUn8w5bDBZhZvHD8TF6Ts3FadgtA6Fo_76oaAJfj6noaFv5H_vjhovIQi-qzrY5qyVuh5mYLR64kfJtg/s1600/P%C3%A1tria.jpg" height="391" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">"República Federativa do Brasil", charge da revista Illustrada.</td></tr>
</tbody></table>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Diz a lenda recente que um
candidato à cadeira presidencial precisava de votos para vencer uma eleição
republicana. Foi aos quatros cantos do país para comprar eleitores, mas as
pesquisas de intenção de votos não lhe favorecia como planejado. Até que tinha padrinhos
fortes, alguns estrangeiros influentes, outros com envergadura de formadores de
opinião, mas nada disto dava jeito, então, resolveu comprar votos em um lugar
mais inóspito: o inferno.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Foi ao inferno, falou com o
coronel das almas caídas; era o diabo em pessoa. O diabo era o dono de todo
aquele território e possuía total jurisdição sobre as almas do povo que lá
vivia.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">- Ora, ora, ora! Muito bem,
senhor candidato; o que queres?<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">- Como vai o senhor, senhor
diabo? Bem, venho por necessidade... Bem, meu amigo... Meu amigo diabo... Vamos
negociar votos?<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">- Votos ou almas?<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">- Bem, aí vai da campanha
política.</span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">- Antecipo que teus
concorrentes já estiveram aqui...<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">- Quero almas!<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Em pouco tempo,<span class="apple-converted-space"> </span><span style="background: white;">observadores
de todas as partes da república apontavam o favoritismo do candidato, a
imprensa geral emitiu apoio e a vontade do povo foi soberana – quase uma carta
magna infernal. O leitor, que também é eleitor, conhece a vontade de ferro do
povo; é como diz o ditado, “<i>a voz do povo é a voz de Deus</i>”... Bem, nem
sempre, como sabe o amigo.<o:p></o:p></span></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="background: white;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Chegou o dia
da eleição. Vitória nas urnas! O candidato foi para o segundo turno. Porém,
agora havia a necessidade de muito mais votos. Então, lá foi o candidato novamente
ter com o diabo.<o:p></o:p></span></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="background: white;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">- Mais almas?<u1:p></u1:p>
– perguntou o capeta exalando enxofre pelos cantos oblíquos da boca.<o:p></o:p></span></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="background: white;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">- Sim! – exclamou
o político suando como um porco infernal. – Quero todas que tiver aí por um bom
preço.<o:p></o:p></span></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="background: white;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">- Há de
convir que estejam mais caras, agora é decisão...<o:p></o:p></span></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="background: white;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">- Eu pago!<o:p></o:p></span></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="background: white;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Pagou e deu
a própria alma como garantia. Vitória nas urnas! Elegeu-se no segundo turno. <o:p></o:p></span></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="background: white;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Ainda no
primeiro ano do mandato presidencial, quitou a dívida com o diabo. As almas
compradas valeram uma verbinha desviada de uma escola pública aqui, outra
acolá; um hospital malfeito aqui, outro hospital sem médico acolá; em algum
canto remoto da república, a construção de praças públicas para uma população
fantasma ou pontes inacabadas sobre rios secos... Mas ora, amigo
leitor-eleitor, não reclame tanto! Contribuir com impostos não garante direito de queixar-se aqui ou reivindicar posição junto ao autor do conto. Aquiete-se também, senhorita leitora! Além de que, amigo patriótico e querida senhorita cívica, para que prestar serviços públicos a um povo desalmado?<o:p></o:p></span></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="background-color: white; font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">O diabo,
sempre sorridente e audacioso, como sabe, ampliou seus domínios e ainda comprou carros de
luxo, mansões, modelos “capa de revista” e um luxuoso iate infernal para
esfriar a cabeça, de vez em quando, em sua marina particular no Lago Paranoá.
Já o povo, sempre na mesma: </span><span style="background-color: white; font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">desalmado; </span><span style="background-color: white; font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">sem alma, sem coração, sem glória. Mas nem tudo é perdido nesta vida, como
já vem a adivinhar a nossa amiga leitora. Daqui a pouca esperança, já há mesmo outra eleição republicana... E viva
a república!</span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<u1:p></u1:p>
<u1:p></u1:p>
<u1:p></u1:p>
<u1:p></u1:p>
<u1:p></u1:p>
<u1:p></u1:p>
<u1:p></u1:p>
<u1:p></u1:p>
<u1:p></u1:p>
<u1:p></u1:p>
<u1:p></u1:p>
<u1:p></u1:p>
<u1:p></u1:p>
<br />
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: right;">
<span style="background: white; font-family: Georgia, serif;"><i>Por Ricardo
Novais</i></span><o:p></o:p></div>
</div>
Ricardo Novaishttp://www.blogger.com/profile/01327903255629606839noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-567654132153260033.post-72384585778241998192014-09-19T21:34:00.000-03:002014-09-22T10:49:05.575-03:00Majestoso<div class="MsoHeader" style="background: white; line-height: 150%; tab-stops: 35.4pt; text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjfpA03uY8yD7sjVr5uz1aWMxxdGlU48kjqz8YlaX-RkeAxXWxWc-fP3ZoGFB0O74p4-r0HHWIkKChJ-mQwuMauS2VwdnEbCIxOQOmngLpAZtZ_T1bbSgKfdxSu6s30laNSuw6JJ-ZDt4I/s1600/NR.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjfpA03uY8yD7sjVr5uz1aWMxxdGlU48kjqz8YlaX-RkeAxXWxWc-fP3ZoGFB0O74p4-r0HHWIkKChJ-mQwuMauS2VwdnEbCIxOQOmngLpAZtZ_T1bbSgKfdxSu6s30laNSuw6JJ-ZDt4I/s1600/NR.jpg" height="172" width="400" /></a></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Cléber
era meu melhor amigo. Trabalhávamos juntos em uma empresa de informática. Eu
era solteiro, Cléber era casado, casado com Renata. Renata era muito ciumenta.
Nada de futebol, chopinho ou churrascos nos finais de semana. Renata tinha medo
que Cléber se enrabichasse por alguma “nega”, como ela dizia entre as amigas da
vizinhança. Não, leitor, não pense que era um tribufu, ao contrário, era uma
mulher muito bonita, porém, como muitos deste século, Renata padecia de baixa
autoestima.<o:p></o:p></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">-
Neto, cola lá na minha casa hoje à tarde para tomarmos umas cervejas, vamos ver
o Timão jogar? – Cléber me convidava sempre em dia de clássico Majestoso.<o:p></o:p></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Eu
era são-paulino; Cléber, “coringuento”, como ele denominava um torcedor
tradicional do Corinthians. Eu sempre ia ver o jogo na casa dele. Renata
gostava de mim; fazia salgados, trazia cervejas e sentava abraçada ao lado do
marido. Aquilo me irritava, um pouco. Tarde da noite, eu ia embora sempre meio
bêbado e atordoado com as conversas de Renata e Cléber.<o:p></o:p></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Um dia,
Cléber resolveu ir acompanhar seu time em um torneio fora do país. Ele era
torcedor fanático. Renata não foi, pareceu triste. O casamento parecia não ir
bem, o ciúme obsessivo dela, aliado à indiferença de Cléber, atormentavam os
dois; era perceptível a todo o prédio. Ah, eu ainda não disse, não é mesmo,
leitor? Então digo agora. Eu morava no mesmo prédio que o deles, só que no
terceiro andar enquanto que eles moravam no oitavo.<o:p></o:p></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Na
segunda noite sozinha, Renata me convidou para jantar. Fui. Jantamos,
conversamos, gargalhamos, transamos. Não me julgue, implacável dona leitora.
Cléber era um bom sujeito, mas amor não se escolhe. Renata amava Cléber. Eu os
amava. Quando o Cléber retornou da viagem com toda a torcida de seu time,
Renata contou-lhe tudo – a traição, autoria, detalhe e concluiu como “caso
aventureiro” – e suplicou o perdão do marido.<o:p></o:p></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">-
Não! Como pode fazer isto? Não acredito... Logo agora!... Neto? Como ele pode
fazer isto comigo? – Cléber chorava como criança, mas dava murros na mesa como
um assassino prestes a atacar seu inimigo.<o:p></o:p></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Repentinamente,
levantou-se da cadeira do quarto de dormir e saiu correndo, gritando:<o:p></o:p></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">-
Isto não fica assim! Isto não fica assim! Neto me paga!<u1:p></u1:p> Ah, não
fica assim!<o:p></o:p></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Há
coisas, meu amigo e minha amiga, que só se sabe depois. Como isto é um conto, antecipo
o que já ocorreu antes de ter ocorrido; até este parágrafo, evidentemente. Agora
sei que, depois que o Cléber saiu furioso, batendo porta, esmurrando o
elevador, Renata, receando o pior, tentou cessar o choro, tentando acalmar-se,
e sopesou que tinha que fazer algo para evitar uma tragédia. Então, foi atrás
do marido-corno. O elevador já havia descido. Parou e então ela saiu em
desabalada carreira em direção às escadas. Desceu, correndo, tropeçando,
engolindo choro, remorso e o desespero de uma morte anunciada há pouco.
Sentia-se culpada. Chegou ao andar, terceiro andar, o andar que eu morava. Parou.
Andou lentamente pelo corredor. Parou novamente. Estava em frente a meu
apartamento.<o:p></o:p></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Cléber
discutia comigo:<o:p></o:p></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">-
Como pode fazer isto, Neto?<o:p></o:p></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">- Por
vingança, Cléber. Você acha que é fácil? Aguentar você com ela e eu sempre me
contentando em esperar?<u1:p></u1:p> Ah, vá pra...<o:p></o:p></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">- Mas
logo agora? Se eu fui viajar justamente para dar um tempo, para tomar coragem e
contar tudo à Renata? Eu ia me separar dela, seu imbecil! Eu ia me separar dela
para ficar com você, seu cretino!<o:p></o:p></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Nisto,
Renata entrou no apartamento. Ela escutara tudo atrás da porta, que havia
ficado entreaberta. <o:p></o:p></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">-
Renata? – eu gritei. – Renata, eu te amo!<o:p></o:p></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">- Ai,
meu Deus! O que é isto? Vocês... Vocês... Vocês... Um casal?<o:p></o:p></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">-
Perdoe-me, Renata. Eu ia te contar...<o:p></o:p></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">-
Cala a boca! – ela gritou colocando as mãos sob as orelhas, mas os ouvidos
estavam abertos.<o:p></o:p></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">- Eu
te amo, Renata! – eu exclamei.<o:p></o:p></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">- E
eu amo você, Neto! – gritou Cléber.<o:p></o:p></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">-
Bichas! – concluiu Renata e saiu correndo.<o:p></o:p></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Renata
saiu correndo, entrou no elevador e fechou a porta. Cléber me segurava. Dei-lhe
um murro. Fui atrás de Renata pelas escadas. Toquei a campainha, arrombei a
porta. Renata havia pulado da janela do oitavo andar. Eu perdi o chão. Cai no
assoalho e chorei. Levantei-me com a polícia me fazendo perguntas e com o
síndico dando a última notícia:<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">- Mas
que tragédia nesta família! Dona Renata pulou da janela e... Bem, sabe, doutor
Neto, o doutor Cléber... Bem, o doutor Cléber está pendurado pelo cinto da
calça em uma pilar de seu apartamento...<o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Há
coisas que não se explicam, senhor leitor e dona leitora. Como um cinto de
calça aguenta o peso de um homem e como um homem não aguenta o peso da dor de
uma derrota em um clássico do futebol? Há coisas que não se explicam. <o:p></o:p></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><u1:p></u1:p>
<u1:p></u1:p>
<u1:p></u1:p>
<u1:p></u1:p>
<u1:p></u1:p>
<u1:p></u1:p>
<u1:p></u1:p>
<u1:p></u1:p>
<u1:p></u1:p>
<u1:p></u1:p>
<u1:p></u1:p>
<u1:p></u1:p>
<u1:p></u1:p>
<u1:p></u1:p>
<u1:p></u1:p>
</span><br />
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 18pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: right;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><i>Por
Ricardo Novais</i></span></div>
</div>
Ricardo Novaishttp://www.blogger.com/profile/01327903255629606839noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-567654132153260033.post-74664235902969149582014-08-23T17:04:00.003-03:002014-08-26T10:41:04.231-03:00Mulher misteriosa<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiEQ1GmmHJ9G7gmy8YeY1u5Kngq2UT01YAxbs7cB1mZNJlc7pCoZCzNQxGGvXi9yz59HkBXOKL-Ot2cU3bnDVdKBtcUZhw584iUS17Y_ITWj0QTC2AFRwxa_xhSYbguUZwFArK75KvF9as/s1600/ojos.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiEQ1GmmHJ9G7gmy8YeY1u5Kngq2UT01YAxbs7cB1mZNJlc7pCoZCzNQxGGvXi9yz59HkBXOKL-Ot2cU3bnDVdKBtcUZhw584iUS17Y_ITWj0QTC2AFRwxa_xhSYbguUZwFArK75KvF9as/s1600/ojos.jpg" height="228" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;">Pintura de <span style="text-align: left;">Luis Antonio Juarez Palomo.</span></span></span><br />
<span style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;"><span style="text-align: left;"><br /></span></span></span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">Casei-me com Carolina. A vida
era boa; casa grande, térrea, arejada, jardim da zona sul, plano de filhos.
Passaram-se seis ou sete meses. O leitor audacioso pode imaginar que a rotina é
uma aranha pendurada em algum canto da retina, e assim foi.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">Está bem, dona leitora
indiscreta, nada passa por ti sem questionamento; admito que o narrado no
primeiro parágrafo tenha uma lacuna, uma lacuna perfumada: Mariana. Eis então o
segundo parágrafo... Mariana era minha amante mesmo antes de meu casamento; desculpe-me,
amiga leitora, mas o perigo de dois amores era, aos meus olhos de tempos atrás,
místico e capaz.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">Mariana morava sozinha em um
apartamento pequeno na zona sul. Trabalhávamos juntos, embora em departamento
diverso. Encontrávamos todos os dias, fosse por negócios ou por instinto
sexual, neste caso, poderia ser em algum elevador do acaso. Eventualmente,
passávamos as noites juntos em um sequestro consentido. Carolina teimava em
acreditar em desculpas vazias, até que ocorreu um fato imponderável...<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">Uma mulher misteriosa, sem
rosto, sem citação, sem origem e destino surgiu de maneira atrevida. O
atrevimento de uma relação de assédio é a pólvora da bomba que não explode. Uma
rede social vulgar, mensagens privadas, instantâneas, a inexplicável troca de
telefonemas. Foram dois ou três telefonemas; voz sensual, baixa, porém,
audível, firme e mesmo assim atraente. Ocorreu um encontro.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;"> - Rua do Arcano, n°
174, apartamento 39; esteja lá às 16h09min horas!<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">- Sim... É... Ei, mas por que
às 16h09min?<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">- Esteja lá! Sabe onde é?<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">- Sim.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">- Até. Beijo.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">- Até.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">Sabe, amigo leitor que
designa a vida aos mistérios sem resposta, um encontro às escuras é uma coisa
muito atormentadora. E a teimosia de horário cravado era familiar, embora me pareça que toda mulher goste de caprichos... Carolina mesmo sempre insistia nisto de horários cravados... Enfim. Cheguei dez minutos, ou menos, antes das 16h; prédio sem
porteiro, interfonei, a mesma voz misteriosa atendeu e mandou-me subir. Subi.
Três andares, não havia elevador. Subi devagar por uma escada larga, segurando
firme no corrimão de madeira sob a superfície de mármore. Tudo era silêncio. O
rol vazio, todas as portas fechadas, poucos móveis; três lances de escadas
depois, n° 39 na porta. Olhei no relógio de pulso, 16h07min. Pendurada na
porta, uma venda e um bilhete: “Coloque a venda nos olhos”. Hesitei, olhei
novamente para o relógio: 16h11min. Estava excitado. Sorri. Coloquei a venda
nos olhos, mas deixei-a meio frouxa. A porta abriu.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">- Boa noite, garotão! – disse
a voz forçando um tom sexy; em seguida, virou-me e apertou com força a venda
sob meus olhos.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">Breu, sentia-me bem. A mulher
me tocava, falava pouco e baixo, mas gemia nos meus ouvidos. Foi me despindo,
deitou-me em um colchão grande alto sob o piso. Um perfume sublime!<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">- Quem é você? – perguntei.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">- Sou a mulher de seus sonhos.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">- Estou gostando muito deste
jogo...<span class="apple-converted-space"><u1:p></u1:p> </span>– Confessei.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">- O jogo apenas começou, meu
bem!<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">Eu disse o quanto aquilo me
excitava, o quanto era diferente e surpreendente. Percebi, no entanto, que
tinha falado muito, sem respostas. Eu estava nu, chamei por ela, sem resposta.
Tirei a venda. Não tinha ninguém. Assustei-me, olhei no relógio. Quinze para às
cinco da tarde. Vesti-me rápido e de qualquer jeito. A porta estava aberta,
olhei para todos os lados alcançáveis, ninguém à vista. Não gritei. Desci as
escadas, bem devagar, com os sapatos e o paletó na mão direita, segurava com
força o corrimão com a outra mão. Luzes acesas. A porta principal estava
fechada, mas havia uma porta de vidro aberta na lateral do rol. Saí do prédio.
Dia claro ainda. Corri até o carro, sorri mecanicamente da aventura.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">Liguei para Carolina, ela não
me atendeu. Fui para a casa de Mariana. Tomamos vinho argentino. Transamos,
contei a ela o que havia acontecido naquela tarde. Sim, leitor, essas coisas
não se contam a outra mulher; aposto que a querida leitora está a dizer-me
tolo; desconte das três ou quatro taças de vinho que tomei. Malditos
argentinos! Desconte também de meu estilo de vida ocioso, como sabe. Não dava
para esconder. Contudo, sopesei que errei, antes tivesse ido direto para casa e
me poupado do ridículo de contar aquilo para uma amante tão trivial; um homem
sabe ser ridículo... Tanto melhor que não tinha dito à minha esposa, mas, de
todo modo, ridículo.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">- Você é um galinha! –
concluiu Mariana gozando com minha cara.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">Nada respondi, sentia-me mal.
Fui embora cabisbaixo e, desculpe-me o linguajar, amiga que me
lê, fui embora com o rabo entre as pernas. Em casa, sentei-me no sofá, abri uma
cerveja, vi um pouco de futebol. Tomei banho, Carolina dormia. Noite tranquila.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">No dia seguinte, Mariana perguntou-me sobre a mulher misteriosa. Respondi que eu estava brincando, ela
deu de ombros e saiu. Após o meio-dia, recebi uma mensagem pelo aplicativo do
celular me intimando:<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">“<i>No mesmo lugar, hoje, às
13h04min!</i>”.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">Sentei-me. Não sabia se ia me
aventurar naquilo novamente. Sentia-me grotesco. Mariana entrou na sala.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">- Ei, vamos almoçar?<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">- Desculpe, doutora Mariana, preciso
sair </span><span style="font-family: Georgia, serif;">–</span><span style="font-family: Georgia, serif;"> respondi-a sorrindo</span><span style="font-family: Georgia, serif;">.</span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">Não olhei para trás, peguei
as chaves do carro e o paletó e fechei a porta. No elevador, vi que Mariana estava atrás, ela até me deu uma satisfação vaga de que estava indo almoçar no shopping. Na garagem, despedi-me dela, fomos
para direções diferentes. Liguei o som do carro e sorri; naquela momento, sorria de tudo; eu estava feliz,
sentia-me um grande cara. As mulheres têm um poder inexplicável sob a gente,
que o diga a minha amável leitora.<span class="apple-converted-space"><u1:p></u1:p> </span>Eis
o néctar da vida.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">Cheguei atrasado, como
presumível. Havia se passado bem mais que quatro minutos da uma da tarde. Desta
vez, a porta principal estava entreaberta, mesmo assim toquei o interfone.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">- Suba! –disse a voz
enigmática e lasciva.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">Deixei a porta principal destrancada. Apenas entrei, subi as escadas no mesmo procedimento do dia
anterior, embora com mais celeridade. Coloquei a venda, a porta se abriu, as
mãos macias e quase místicas me puxaram e eu entrei. Nu, perguntei como
anteriormente:<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">- Quem é você?<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">- Retire a venda!<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">- Oh, não! Vá falando, nunca
conheci uma mulher como você... Mesmo sem vê-la, sem saber como é teu rosto,
sem saber quem é você, já posso dizer que estou apaixonado...<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">Nisto, um baralho se fez na
porta. Retirei a venda. Na minha frente, naquele quarto quase sem móveis e com
cortinas brancas, as duas mulheres: Carolina e Mariana.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">- O que está acontecendo? Ai,
Meus Deus! – eu gritei.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">Carolina estava de meia-calça
preta, de vestido vermelho curto e com um chicote na mão. Ela estava linda.
Mariana estava trajada de roupa social, mas igualmente sexy.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">- Quem é ela? – perguntou
Mariana direcionando um olhar distante para mim.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">Não respondi. Ninguém disse
nada. Tudo era tenso e nebuloso.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">- Diga, seu filho da puta!
Responda: Quem é ela?<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">- É... É Carolina, minha
esposa... Carol, esta é Mariana, que trabalha comigo e...<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">- Não trabalho com você,
somos amantes!... </span><span style="font-family: Georgia, serif;">–</span><span style="font-family: Georgia, serif;"> retrucou, furiosa, Mariana. </span><span style="font-family: Georgia, serif;">–</span><span style="font-family: Georgia, serif;"> </span><span style="font-family: Georgia, serif;">Ei, mas espera aí, sei que esta vagabunda não é sua esposa; é
ela, né? É ela a mulher misteriosa que você encontrou ontem? Diga, Orlando, seu
puto, cafajeste!</span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">Eu não tinha palavras, mas
Carolina respondeu:<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">- Sim... Sou a mulher que pregou uma peça neste salafrário... </span><span style="font-family: Georgia, serif;">–</span><span style="font-family: Georgia, serif;"> ela me chicoteava com força. </span><span style="font-family: Georgia, serif;">–</span><span style="font-family: Georgia, serif;"> </span><span style="font-family: Georgia, serif;">Mas é verdade, também, que sou a esposa deste homem, um homem desprezível... Agora sei... Seu filho da...</span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">- Mentira! – gritou Mariana de repente.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">Fiquei em choque, como
pode imaginar o leitor sob o olhar acusatório de nossa amiga leitora. Eu
nada entendia, de fato. Mas agora entendo. Realmente a voz misteriosa daquela
mulher que eu estava apaixonado era familiar, era a voz da Carol... Carolina... Minha esposa! Filha da
puta! Enganou-me como se engana uma criança com um doce ou um vídeo-game e ainda me deu uma surra com aquele chicote endiabrado.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">Repentinamente, as duas
começaram a brigar, xingando-se com palavras feias, saíram do quarto para o corredor e Carolina rolou sacada
abaixo. Morta. Chamei a polícia. Vieram. dois ou três policiais, depois foram chegando outros. Mariana contou a todos que era minha amante e o cadáver era </span><span style="font-family: Georgia, serif;">minha esposa, um
policial sopesou que eu era o criminoso. Não retruquei. Fui para a delegacia. Fiquei preso. Chamei advogado. Saí da cadeia. Mesmo respondendo em liberdade, não pude ir ao velório de Carolina. Todos me condenaram. Mariana
testemunhou contra mim. Passaram-se alguns meses. Perdi o emprego e os amigos. Estou cumprindo pena.</span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="text-align: right;">
<u1:p></u1:p><u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<u2:p></u2:p>
<i><span style="font-family: Georgia, serif; font-size: 12pt;"><u1:p></u1:p><u1:p></u1:p><u1:p></u1:p><u1:p></u1:p><u1:p></u1:p><u1:p></u1:p><u1:p></u1:p><u1:p></u1:p><u1:p></u1:p><u1:p></u1:p><u1:p></u1:p><u1:p></u1:p><u1:p></u1:p><u1:p></u1:p><u1:p></u1:p><u1:p></u1:p><u1:p></u1:p><u1:p></u1:p><u1:p></u1:p><u1:p></u1:p><u1:p></u1:p><u1:p></u1:p><u1:p></u1:p><u1:p></u1:p><u1:p></u1:p><u1:p></u1:p><u1:p></u1:p><u1:p></u1:p><u1:p></u1:p><u1:p></u1:p><u1:p></u1:p><u1:p></u1:p><u1:p></u1:p><u1:p></u1:p><u1:p></u1:p><u1:p></u1:p><u1:p></u1:p>Por
Ricardo Novais</span></i></div>
</div>
Ricardo Novaishttp://www.blogger.com/profile/01327903255629606839noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-567654132153260033.post-62017440511407687982014-07-22T19:47:00.000-03:002014-07-23T01:11:36.997-03:00Rolezinho<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjU_ZdMKNHiF3Hyd4YcrisD1_XO07nCpLw5fgfO8FEaB4iIW6Z9NP1BtuW6HtWou8V8TLJsc6JCuL6lsURjpke7OGmEmUVtYqEDe_CplfUtg2gGwD0yrVE7h2G7M1f-Gf7JKa03vUIFGTM/s1600/3284-christine.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjU_ZdMKNHiF3Hyd4YcrisD1_XO07nCpLw5fgfO8FEaB4iIW6Z9NP1BtuW6HtWou8V8TLJsc6JCuL6lsURjpke7OGmEmUVtYqEDe_CplfUtg2gGwD0yrVE7h2G7M1f-Gf7JKa03vUIFGTM/s1600/3284-christine.jpg" height="170" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="font-size: x-small;"><strong><span style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; font-weight: normal; line-height: 115%;">Cena do filme “Christine
- O Carro Assassino<span style="text-align: -webkit-center;">”</span></span></strong><span class="apple-converted-space"><b><span style="background: white; line-height: 115%;"> </span></b></span><span style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: 115%;">(John
Carpenter, 1983)</span>, baseado na obra de Stephen King.</span><span style="font-size: 10pt; line-height: 115%;"><o:p></o:p></span></span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 115%;">Eram 20 horas e 04 minutos. Eu
estava cansado da faculdade. Curso de engenharia, muito chato. Não disse nada a
meus pais, faltei na aula. Liguei para minha namorada, noite agradável para um
rolezinho.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 115%;">- Cami, vamos sair?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 115%;">- Passa aqui em meia hora – ela
gostou da ideia.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 115%;">Não tinha ninguém na minha
casa, saí pela garagem do prédio e o porteiro nem me viu. Carro todo preto, vidros
escuros; nenhum curioso consegue ver nada dentro. Dirigi sete quilômetros, passei
na casa da Cami às 20 horas e 39 minutos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 115%;">Paramos numa lanchonete.
Comemos lanches, bebemos umas cervejas. Saímos. Calculei levá-la em um
motel bem escondido, lá pela periferia da cidade, para foder a noite inteira.
No meio do trânsito, Cami já resolveu ir adiantando os procedimentos. Ela
abaixou a cabeça, abriu o zíper da minha calça e começou a me lamber. Liguei o
som no talo, usando uma mão para beber uma cerveja gelada e de resto só para me
concentrar na cabeça frenética daquela gostosa com os seios à mostra balançando
no meu colo. Gozei na cara dela, foi um impacto violento...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 115%;">Desci no carro fechando o zíper
e lançando a long neck vazia bem longe, no meio de um terreno baldio. Cami
também desceu do carro, meio atordoada, tinha batido a cabeça no volante, a
testa estava sangrando. Olhei para todos os lados, escuridão de dar medo. Breu
total. Era uma rua deserta, um bairro afastado que nem tem nome, não tinha viva
alma naquele lugar; apenas um corpo jogado, uns cinco ou seis metros, para trás
de onde eu tinha estacionado. Manobrei o carro, faróis apontados para a cena. Única luz na treva. Havia pegado o cara em cheio, provavelmente o pára-choque
o atravessou acima dos joelhos. Estávamos assustados, Cami e eu. O homem,
vestido de terno barato, todo ensanguentado e destroçado, parecia ser um desses
crentes, talvez um pastor; uma bíblia de capa preta estava jogada perto do meio
fio; ligando as coisas, julguei que a bíblia era dele; pastor filho da puta!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 115%;">Cami me olhou, iluminada apenas pelos faróis acusatórios do automóvel e por uma lua débil, respirou fundo e
disse:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 115%;">- Renê, me leve pra casa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 115%;">- Mas não vamos mais ao motel?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 115%;">Não fomos. Passamos rapidamente
numa farmácia, que era caminho, compramos uns curativos e a levei para casa. Em seguida, dirigi com o
som no talo até meu apartamento, guardei o carro de ré na garagem do prédio – nem sinal
do porteiro ou outro funcionário do condomínio; dei uma olhada no capô:
amassado, pára-choque quebrado, mas sem maiores avarias.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 115%;">Minha casa continuava vazia;
entrei, tomei banho, comi uns nacos de nuggets que estavam na geladeira; fui
para o quarto, dormi bem. No outro dia, era sábado. Mandei lavar o carro,
trocar o pára-choque, mas o capô ficou amassado mesmo; pastor filho da puta! No
final da tarde, liguei para a Cami. Rolezinho. Pernoitamos no motel da
periferia.</span><span style="line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 115%;"><br /></span>
<br />
<div style="text-align: right;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><span style="line-height: 18.399999618530273px;"><i>Por Ricardo Novais</i></span></span></div>
</div>
Ricardo Novaishttp://www.blogger.com/profile/01327903255629606839noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-567654132153260033.post-11973746823405958362014-01-29T00:00:00.000-02:002014-01-29T00:00:05.121-02:00Ostentação<div style="margin: 8.15pt 0cm; text-align: justify; vertical-align: baseline;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="line-height: 14.95pt; margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhlzCcG6ptTj7ss4v7BrkqE2ncE33a23IcPoOWHPntCZIccl4z_LenBc9jIgsQ6WnK6ckuhA8iZiX6XpydYhS2dI4-bwi317l5GqYJ6Hnmn2FUHNgO5ppTsjQVFkLSMgrNcz08NunVXyGk/s1600/rolezinho.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhlzCcG6ptTj7ss4v7BrkqE2ncE33a23IcPoOWHPntCZIccl4z_LenBc9jIgsQ6WnK6ckuhA8iZiX6XpydYhS2dI4-bwi317l5GqYJ6Hnmn2FUHNgO5ppTsjQVFkLSMgrNcz08NunVXyGk/s1600/rolezinho.jpg" height="265" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="line-height: 12.35pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 8.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Imagem
de um evento de 'rolezinho'. Foto: reprodução do Facebook.<o:p></o:p></span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div style="line-height: 14.95pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; vertical-align: baseline;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">Gilberto
achava que as crianças estavam atarefadas demais; lições de inglês, espanhol,
francês e até de piano tiravam o lazer dos filhos; sobrava-lhes o vídeo-game.
Pouco, ele pensava. Não pode ser isto a educação de filhos, mas a mulher tinha outro
conceito. Zuzu desejava filhos grandes, fortes, ricos; não suportava a ideia de
se divertirem; perda de tempo, dizia ao marido.<o:p></o:p></span></div>
<div style="line-height: 14.95pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; vertical-align: baseline;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; vertical-align: baseline;">
<span style="font-family: Georgia, serif;"><span style="line-height: 14.95pt;">Um
dia, ao retornar ao escritório na hora do almoço, Gilberto teve um mau
pressentimento ao ver uma criança vendendo bala no farol de esquina do prédio.
Era um moleque mulato, pequenino, roupas sujas e puídas, mas que sorriu e lhe olhou alegremente. Incrível! Era de admirar o moleque correndo leve, levado, correndo alegre, </span><span style="line-height: 19.933332443237305px;">intempestivo,</span><span style="line-height: 14.95pt;"> feliz e saudável em meio a tanta indigência.<o:p></o:p></span></span></div>
<div style="line-height: 14.95pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; vertical-align: baseline;">
<br /></div>
<div style="line-height: 14.95pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; vertical-align: baseline;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">Se
há alguma coisa importante neste mundo, pensou </span><span style="font-family: Georgia, serif;">Gilberto</span><span style="font-family: Georgia, serif; line-height: 14.95pt;">, é criança saudável.
Imediatamente virou o carro e entrou à direita na direção da escola dos filhos.
Aguardou duas horas em uma lanchonete em frente ao portão escolar. Deu o sinal
estridente no pátio do colégio. Rebentaram gritos de alunos ainda livres. Encontrou os filhos e os levou ao shopping.
Brincaram, comeram, compraram, divertiram-se a valer. O leitor, que já foi menino,
e a leitora, que por certo também foi graciosa menina, sabem que o trabalho
infantil é simplesmente brincar de ser adulto; mas o contrário também acontece
e, naquela tarde, o pai também era adulto brincando de ser criança.</span></div>
<div style="line-height: 14.95pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; vertical-align: baseline;">
<br /></div>
<div style="line-height: 14.95pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; vertical-align: baseline;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">Era
uma tarde de sexta-feira, mas anoiteceu rápido. Quase sete da noite, estava na hora
de ir para casa. Havia milhares de recados perdidos da esposa; ela queria saber dos
filhos e das lições perdidas. Gilberto a respondeu dizendo que estava tudo bem;
Zuzu enraiveceu-se, pegou um táxi e foi encontrá-los.<o:p></o:p></span></div>
<div style="line-height: 14.95pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; vertical-align: baseline;">
<br /></div>
<div style="line-height: 14.95pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; vertical-align: baseline;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">Repentinamente,
na praça de alimentação, iniciou-se uma aglomeração. Pessoas de todas as cores começaram a gritar palavras de ordem; ao menos pareceram gritos de ordem engajados e outros apenas de pertubação da ordem, já que tudo era bastante desconexo. <o:p></o:p></span></div>
<div style="line-height: 14.95pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; vertical-align: baseline;">
<br /></div>
<div style="line-height: 14.95pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; vertical-align: baseline;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">-
Gritos juvenis, disse Gilberto em tom de desprezo. <o:p></o:p></span></div>
<div style="line-height: 14.95pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; vertical-align: baseline;">
<br /></div>
<div style="line-height: 14.95pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; vertical-align: baseline;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">-
Shopping é lugar de ostentação, retrucou a esposa.<o:p></o:p></span></div>
<div style="line-height: 14.95pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; vertical-align: baseline;">
<br /></div>
<div style="line-height: 14.95pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; vertical-align: baseline;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">Ostentação.
As pessoas gritavam mais e mais alto, ameaçavam correr pelas escadas rolantes e davam ideia de que iniciariam um arrastão dos infernos.
Eram jovens de expressões rudes, quase indolentes, embora parecessem
ostentar-se numa passarela de fanfarrões. <o:p></o:p></span></div>
<div style="line-height: 14.95pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; vertical-align: baseline;">
<br /></div>
<div style="line-height: 14.95pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; vertical-align: baseline;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">Os
frequentadores, jovens e velhos, do estabelecimento misturaram-se; as roupas
caras, os bonés de grife, os tênis de marca, as bolsas de couro fundiram-se à
atitude altiva de pedestal dos comerciantes e dos seguranças. A confusão tomou
conta do lugar e o pau comeu. <o:p></o:p></span></div>
<div style="line-height: 14.95pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; vertical-align: baseline;">
<br /></div>
<div style="line-height: 14.95pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; vertical-align: baseline;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">-
Gilberto, seu louco! Olha só onde você trouxe as crianças, no meio desse bando
de maloqueiros... – Zuzu repreendeu, de forma dura, o marido; este nada respondeu
à mulher, pegou os filhos pelas mãos, no meio da multidão e das lojas de
ostentação, dirigiu-se ao guichê do estacionamento, pagou o ticket e entraram todos
no carro, mudos e constrangidos.<o:p></o:p></span></div>
<div style="line-height: 14.95pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="line-height: 14.95pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; vertical-align: baseline;">
<span style="font-family: Georgia, serif;">Chegaram
em casa da mesma forma, mudos e constrangidos. Antes de deitar-se para dormir,
Gilberto redigiu um desabafo em uma rede social relatando a aventura do
shopping. No texto, ainda teceu críticas à segurança pública da cidade por não
proteger aos cidadãos de bem e aos seus filhos daqueles marginais que ousaram
invadir os ambientes particulares deles. Terminou o desabafo. A noite já ia
alta. As crianças já dormiam; Zuzu ainda não. Ela leu atentamente o desabafo do marido, curtiu o post.<o:p></o:p></span></div>
<div style="line-height: 14.95pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; vertical-align: baseline;">
<br /></div>
<div style="line-height: 14.95pt;">
</div>
<div style="line-height: 14.95pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: right; vertical-align: baseline;">
<span style="font-family: Georgia, serif;"><i>Por
Ricardo Novais</i><o:p></o:p></span></div>
</div>
Ricardo Novaishttp://www.blogger.com/profile/01327903255629606839noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-567654132153260033.post-91710320372490780142013-09-03T22:04:00.000-03:002013-10-02T19:10:08.877-03:00Consultório médico<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiDT-7Om2mV5H14t06kIQ6ToxWfcd0IXdDiOc1K-4YDEB8OyPHyIz21aQkuM_pDXa4dVTC6tWyAM2vV-DBLixEZPHivlW1CFDgaykcewZg-wOx-WKrMdo23OZPC4eWy6BcufyJ9yNWT7N0/s1600/jesus_nascimento12.gif" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiDT-7Om2mV5H14t06kIQ6ToxWfcd0IXdDiOc1K-4YDEB8OyPHyIz21aQkuM_pDXa4dVTC6tWyAM2vV-DBLixEZPHivlW1CFDgaykcewZg-wOx-WKrMdo23OZPC4eWy6BcufyJ9yNWT7N0/s400/jesus_nascimento12.gif" width="290" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><br /></td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.3pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Leitor, já teve saudade do passado? Mas não falo da d<span style="color: #333333;">epressão advinda da contemplação
da vida alheia. É uma saudade imaginária, tão imaginária que se torna real.<o:p></o:p></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.3pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.3pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #333333;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Quatro horas da tarde, sol. Uma bela tarde. Encontro minha mulher. Ela é gostosa, mas não sei se ainda gosto dela. Às vezes, a
companhia de alguém é melhor do que estar sozinho; concorda? Quem está sozinho está
sempre em má companhia.<o:p></o:p></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.3pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.3pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><span style="color: #333333;">- Juliano? Você está atrasado, <i>meu</i>!</span><o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.3pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.3pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #333333;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Um grito alto, eu não disse nada. Naquele momento, eu estava de saco cheio. Foi difícil sair
mais cedo do trabalho para ir ao maldito médico que atestaria minha
filantrópica herança ou minha desgraça eterna: um filho. Os ginecologistas são os humoristas da
medicina, reduzem nossa vida ao deslumbramento e retiram, habilmente, o dinheiro do nosso
bolso.<o:p></o:p></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.3pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.3pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #333333;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">- Deite-se com a barriga para cima, dona Adriana. – disse
o ginecologista rindo, mecanicamente, e dirigiu-se para o radiologista. – Vamos já
fazer os procedimentos...<o:p></o:p></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.3pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="color: #333333;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Enquanto uma enfermeira melecou todo o ventre, o casulo do bebê, com um gel de aspecto plástico e o radiologista ajustou o aparelho
de exame ultrassonográfico, Adriana não parou de falar. Perguntou o que
eu achava da gravidez, se estava tudo bem comigo, o que eu estava sentindo, se eu preferia menino ou menina, se eu estava feliz, com medo, se
seríamos bons pais; um humor melancólico se apossou de mim. Posso dizer que sim, leitor, eu queria ter um filho com aquela mulher, e, no entanto, não gostava da ideia de ter um filho. Não me aproximei, sequer segurei a mão de Adriana. Não a amparei naquela sala. Fiquei a olhando observando a certa distância, sentado em uma
cadeira ordinária de consultório médico. Ela tornou a puxar conversa,
sorriu; eu devolvi o sorriso, sem dizer palavra. Não que eu seja tão frio às
emoções maternas e aos cálculos da vida, senhor leitor e dona leitora, mas tinha vontade de ir embora, sair correndo.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.3pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #333333;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Acabou. Não deu para ver nada no monitor do aparelho de ultrassonografia além de um imenso pensamento
escuro que se mexeu frenético e misteriosamente. O passado tomou conta de minhas entranhas e parou no
estômago. Cena em câmera lenta, a angústia de pensar no futuro...
Mas, ora!, caro leitor, pensei errado. Refaço o pensamento e percebo que o futuro é o único lugar onde nossos
negócios prosperam e nossa felicidade é assegurada; concorda?<o:p></o:p></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.3pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.3pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #333333;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Adriana falou, falou, falou; e não me ouviu. O tédio descrito por Flaubert pode ser isto, uma
aranha que tece sua teia nos cantos do coração e não ouve ninguém. Saímos pelo complexo hospitalar, fomos jantar no
restaurante do centro da cidade. Jantamos bem. Paguei a conta. Entramos no carro. Vinte
quilômetros de ideias desconexas depois, chegamos em nossa casa. Caminhamos em silêncio. Em seguida,
ela voltou a falar contente. Sentamos no sofá da sala de estar. Olhares reflexivos que bateram na parede e voltaram fez um assovio assombroso no ambiente. Um ano e três
meses de casamento, minha amiga leitora. Um ano e três meses... Que apatia da
vida! O ânimo de viver tem certas abstenções.<o:p></o:p></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.3pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.3pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #333333;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Quando eu tinha dez anos, meu pai me perguntou o que eu queria ser quando
crescesse, eu não soube lhe responder. Talvez eu quisesse ser astronauta,
jogador de futebol ou um homem rico. Percebo que eu só precisava de uma máquina do tempo. Se eu pudesse voltar ao passado jamais
retornaria ao futuro, muito menos ao presente.<o:p></o:p></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.3pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.3pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><span style="color: #333333;">- Eu te amo, Juliano!</span><o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.3pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.3pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><span style="color: #333333;">- Também te amo, Adriana!</span><o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.3pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.3pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><span style="color: #333333;">- Amor? Vou ligar para mamãe e dizer que vamos ter um filho...</span><o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.3pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.3pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #333333;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">- Não ligue! Vou pedir o divórcio.</span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.3pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.3pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #333333;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Ela chorou, foi para o quarto e dormiu. Eu bebi três ou quatro doses de uísque vagabundo sem gelo, fiquei assistindo televisão até quatro e pouco da manhã, e, sobriamente, faltei no
trabalho. Pedi demissão, larguei minha casa e fui morar em um flat alugado.
Deixei o presente por causa do passado. E que laços irônicos faz a vida, meu caro, que dá certos nós no pretérito do destino decidindo a sorte em uma sala
de consultório médico; se ao menos fosse em um bilhete de loteria... Do futuro, meu filho já tem quatro anos.</span><span style="font-family: Georgia, serif; font-size: small;"><o:p></o:p></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.3pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-top: 12pt; text-align: right;">
<i><span style="color: #333333; line-height: 115%;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Por Ricardo Novais</span></span></i></div>
Ricardo Novaishttp://www.blogger.com/profile/01327903255629606839noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-567654132153260033.post-964127006737645762013-08-20T21:10:00.000-03:002013-08-20T22:16:32.814-03:00Piromania de olhares<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjB4XsYf1Cz1WlPNrxhqpMfjHDqnNyiRhTZtOEeecZw8Aof7pNmFtCEiAY8sRcAF81tgQfSLC-_C5hqu2TliYnDWSJSqfj1FOP-BDwA9MwPZ08DNhBCnUs0yT69Lps6JtgG69VMaPm1eK8/s1600/adao_e_eva_louvre_zorate.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjB4XsYf1Cz1WlPNrxhqpMfjHDqnNyiRhTZtOEeecZw8Aof7pNmFtCEiAY8sRcAF81tgQfSLC-_C5hqu2TliYnDWSJSqfj1FOP-BDwA9MwPZ08DNhBCnUs0yT69Lps6JtgG69VMaPm1eK8/s400/adao_e_eva_louvre_zorate.jpg" width="311" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">"Adão e Eva no Paraíso" - Museu do Prado, Madrid.<br />
<br /></td></tr>
</tbody></table>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Pouco
mais de meio-dia. Um esdrúxulo silêncio interno, na verdade todo carregado de
barulho externo, mistura-se ao burburinho de toda gente que ia aos preparativos
do almoço. A porta se abre. Não olho. Escuto os passos. Súbito, o coração
descompassa. Os cabelos balançam charmosos e sedutores. O ar esbarra em algum lugar
entre o que vejo e o que imagino que vejo. Sempre extraordinário vê-la,
atraente, jogando o olhar de verve reflexão, mais minha do que tudo.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Os
olhos de uma mulher mudam de direção, como sabe o leitor. Tudo pode lhe chamar
a atenção; uma cadeira, uma rajada de vento, uma folha jogada no tapete. Eu
fico a observar os movimentos dela; movimentos de movimentos. Em seguida,
escuto outros passos, outra mulher, outro barulho; vestido vermelho,
esvoaçante, som de salto agudo cavoucando o chão, duro. Da mesma forma, um
rosto feminino que desvia o seu olhar...<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">A
leitora que me lê neste hiato de tempo tem razão, acertou em sua análise, minha
querida; o olhar é uma gentileza entre um homem e uma mulher. Se a visão de uma
Eva encontrar os seus olhos e ela desviar o interesse para outra coisa é porque
não há tentação. Mas se uma mulher olhar dentro de teus pensamentos e baixar a
cabeça, nem que seja momentaneamente, a ver apenas o chão, encaixou-se algum
olhar elétrico e ardente.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Assim
sendo, meu amigo, deste ponto em diante há um desafio: a conquista de um
sorriso, o sorriso da mulher. E cada ato deve ser preciso, exato, calculado.
Vale um gesto ousado, um desejo de ação maliciosa; e do nada se faz o
imponderável.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">- Olá!
– entre um canto de boca.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">- Olá!
– entre uma provocação. – Linda tarde para um café, não?<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Que
me perdoe a querida leitora de ideias castiças, mas não há nada de imoral nem
promíscuo em desejar as mulheres, todas elas. Não me tome por cafajeste, amiga
leitora. Mas desejo é amor, logo, a constância de aparências estraga o amor.
Ninguém deseja uma vida de mesmices. O amor nunca é fugaz ou inútil; em essência, o amor é um sentimento contraditório. A começar por um olhar desde os pés femininos, os passos
duros e agudos; os joelhos sensuais; a visão subindo em câmera lenta até os
olhos, um festim pulsando sangue; o rosto emoldurado pelos cabelos voluptuosos
e pela graça naturalmente sexual. É como o prazer que causa o fogo. Um desejo
mórbido e incontrolável de incêndio repentino da alma, que excita a vida.
Piromania de olhares.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Do
resto, não me importa. Deixo toda a felicidade exterior de lado, apego-me apenas às emoções
vívidas e atiladas; numa cobiça profunda, e transtornada, de ser o homem que preciso
ser. Chego a minha casa tarde da noite. Imediatamente, percebo que tudo que tenho
é o olhar, e os olhares.</span></div>
</div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, serif;"><br /></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: right;">
<span style="font-family: Georgia, serif;"><i>
Por Ricardo Novais</i></span></div>
<span style="font-family: Georgia, "Times New Roman", serif;"></span>Ricardo Novaishttp://www.blogger.com/profile/01327903255629606839noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-567654132153260033.post-14625686331601844362013-07-25T21:37:00.000-03:002016-12-15T14:39:25.272-02:00A memória, um minuto de silêncio e o futebol<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhY-fHQ5Rs2BS9Mx3XawfExfGVQzSCM3fJIdi62ZC6sgtpUOwFjU-Idz_Q4OZKyLv4AKNZysQzaWocSjnBB-5h_9VKj_g_kwa3sL3A58oQnxcCYJnwieKmg3T64PNuwZ7cvtUOwu5qXnM0/s1600/libertadores2013-atletico_800x600.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="300" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhY-fHQ5Rs2BS9Mx3XawfExfGVQzSCM3fJIdi62ZC6sgtpUOwFjU-Idz_Q4OZKyLv4AKNZysQzaWocSjnBB-5h_9VKj_g_kwa3sL3A58oQnxcCYJnwieKmg3T64PNuwZ7cvtUOwu5qXnM0/s400/libertadores2013-atletico_800x600.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Em memória de Antônio dos S. Novais, o maior atleticano do mundo.</td></tr>
</tbody></table>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><br /></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">E o tempo passa, dizia um velho cronista esportivo. Ontem havia dez mil amores em um, hoje já se
passaram dez anos. Não que reclame, leitor, eu não reclamo. Não reclamo porque
quem reclama da vida não vive, só sente falta. Eu não sinto falta de nada. Há
dez anos a vida era diferente, ano após ano vamos deixando as coisas pelo
caminho; criamos outras tantas, é verdade, mas quem diz que ninguém é
insubstituível diz tolice. Não há como suprir pessoas.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">Costumava me visitar uma leitora vestida
de vermelho, salto alto e olhar sensual; um dia ela veio, deu-me um beijo de
amor e disse adeus. Há dez anos. Lembra-me também a memória que entrava em meu
quarto um senhor, sorria, contava quem era o último jogador contratado do Galo, apagava a
luz devagarzinho, </span><span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">sorria</span><span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"> novamente e deixava uma benção. Há dez anos... A memória é um minuto de silêncio.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">Quem lê estas linhas tortas assim, linha
após linha, pensa que o texto não tem sentido; e não tem mesmo. Desculpe-me, meu amigo; quem dera fosse esta crônica como o jogador de futebol, que ora dribla à direita, ora tergiversa à esquerda e sai pelo meio da área, fazendo um gol de placa. Mas não é; pobre crônica! Pois que falo aqui é só sobre o
tempo; o seu tempo, o meu tempo, o tempo dos que não têm mais tempo. E o passar
do tempo é uma linha reta, que vai indo, indo e, quando se dá conta, já foi.
Já se foi a bola, o gol, a torcida, o título...</span></div>
<br />
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">Mas no dia em que um Galo, fanático pelo tempo, cantou forte e vingador no alto das montanhas das
Gerais, empunhado por milhares de vozes unidas, ungidas pelas lembranças, emocionou-se
a alma de futebol de um homem; libertou-se a memória de um torcedor que
há dez anos não tinha mais time, mas que há dez anos sempre teve a torcida do tempo.</span><span style="font-size: medium;"><o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><br /></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: right;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><i>Por Ricardo Novais</i></span></div>
Ricardo Novaishttp://www.blogger.com/profile/01327903255629606839noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-567654132153260033.post-46765124099727024632013-06-23T00:30:00.000-03:002013-06-23T12:42:36.671-03:00A pátria e o povo <table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjbpOSCR584W4v749pGfm9y2X98f-MvdrEH5SgJKLsQxUyrj7pCuPTJXurRUh272tTqcpDrG83tIP7bnAIxPTaTKQe5806q0MpD5WhnkkEb5cEZNMU2K_4-t4NgTuZNFtuWhBMwlETKtxY/s1600/Formacao+do+Povo+Brasileiro+-+BRASIL+ESCOLA.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="311" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjbpOSCR584W4v749pGfm9y2X98f-MvdrEH5SgJKLsQxUyrj7pCuPTJXurRUh272tTqcpDrG83tIP7bnAIxPTaTKQe5806q0MpD5WhnkkEb5cEZNMU2K_4-t4NgTuZNFtuWhBMwlETKtxY/s400/Formacao+do+Povo+Brasileiro+-+BRASIL+ESCOLA.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Imagem retirada do site <a href="http://www.brasilescola.com/">Brasil Escola</a>.</td></tr>
</tbody></table>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Não sou patriota. Não é que não goste do Brasil, nem gosto nem
desgosto; sou indiferente à nação. O hino é bonito, a bandeira é imponente e
igualmente bela: verde, amarelo, azul e branco; vá lá, mas é só isto, nada
mais.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Agora, do povo brasileiro sim, deste tenho muita afeição; a cada
olhar de um homem do povo penso em toda a felicidade que pode existir no mundo.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Lima Barreto me ensinou que a pátria é uma ilusão e que real é o
brasileiro. Sou pelo real, como sabe. Há quem diga que a vida do povo melhorou
nos últimos anos; outros dizem que a economia é pulsante; ouço também, das
bocas mais enfáticas e desdentadas, que falta educação, que todos os dias morrem
muitos por falta de leito nos hospitais, por fome ou de tiro de revólver; as
bocas dizem muitas coisas, leitor que escuta, e podem estar certas, são amparadas
pelas senhoras estatísticas, e estas senhoras, em conjunto com os senhores números,
não costumam mentir.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Mas não quero saber de senhoras e de senhores. Quero ver como vai o povo brasileiro. E os vejo por aí,
nas ruas, praças, botecos, igrejas, padarias, escritórios, restaurantes, fazendas; em um passeio pela
cidade, de vez em quando indo ao interior; as notícias chegam, elas chegam por
um amigo, um conhecido que mora longe, em redes da internet ou no rádio, por uma mulher que
não te esqueceu; enfim, notícias da gente, boas e ruins, sempre chegam de algum lugar desta terra brasilis.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">O governo e a pátria podem ser sim necessários, mas para mim
também são indiferentes. Do mesmo modo que desconfio de manifestante em grupo.
Perdoe-me por dizer, dona leitora que acredita na política, mas
manifestos são feitos por seres orgulhosos e irreflexivos, quando não raro agem
por instinto violento e pura presunção de se meter na vida da gente – nem a pátria, nem o governo e nem o
manifestante me representam; nenhum deles são povo. O povo não mora na pátria
e nem conhece o governo. Acredite, leitor patriótico que nunca pegou um ônibus para a periferia ou dormiu na rua. As gentes moram mesmo é na
cidade, nas casas, apartamentos, ou nas ruas, debaixo de pontes, bancos de
igrejas, bancos de praças, bancos de bares, carroças do sertão; e os conhecidos
do brasileiro são os seus colegas de trabalho, o chefe que lhe deu emprego, os amigos da universidade, do futebol ou de
infância; a dona de casa, tradicional integrante do povo, é amiga do
apresentador do noticiário sensacionalista, que também é brasileiro; a professora é amiga do aluno, e
para este a professora é sua musa; o motorista do ônibus é </span><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">brasileiro</span><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">, assim como o
guarda do banco, os escritores, os leitores, músicos e </span><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">viajantes do metrô; é brasileira a prostituta, que toda
noite derrama uma curta lágrima de saudade pelo bandido, pelo padre ou pelo pastor, que também são povo; e o povo é pelo povo; pois é no povo que se encontra o nosso grande
amor.</span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Assim, deixo o Brasil e a pátria apenas para cantar o hino; e também gosto
de ver a bandeira nacional tremular imponente nos dias de céu bem azul; ao
governo, não lhe peço nada, lhe desejo paz, e alguma consciência, somente isto. Não apoio movimento social nenhum. A única manifestação que faço é o sentimento profundo que sinto de admiração, consternação e emoção vital
ao povo brasileiro, ou seja, manifesto sentimento a mim mesmo.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: right;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><i>Por Ricardo Novais</i><o:p></o:p></span></div>
<br />
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
Ricardo Novaishttp://www.blogger.com/profile/01327903255629606839noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-567654132153260033.post-80999827525904435202013-03-30T15:25:00.000-03:002013-03-30T16:15:15.049-03:00Deus perdoa<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhT3ST-nxZUjMNxrDJdGMs9n4aRT4Xm431xfwexIZIhMMdrxOSNnlRWjWbmXgb7W7iqby3P3w82T-vpdBPdiU2WoReSOc4iP8qKvLr94MgCq8tkRFgsOFMzuqG5j9-hmNZyUbsAeOzDWSU/s1600/3674624628_d695798cd8_b.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhT3ST-nxZUjMNxrDJdGMs9n4aRT4Xm431xfwexIZIhMMdrxOSNnlRWjWbmXgb7W7iqby3P3w82T-vpdBPdiU2WoReSOc4iP8qKvLr94MgCq8tkRFgsOFMzuqG5j9-hmNZyUbsAeOzDWSU/s640/3674624628_d695798cd8_b.jpg" width="480" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: inherit; font-size: small;">Paulo, o primeiro dos missionários. Foto <a href="http://www.flickr.com/photos/kaorushin/">Rafael Gomes</a></span><span style="font-family: Times, 'Times New Roman', serif; font-size: x-small;">.</span></td></tr>
</tbody></table>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">Casei com um homem mais velho,
bem mais velho. Casei por interesse. Minha mãe foi a única pessoa que ficou
feliz; meu pai me perdeu por causa de dívida, dívida com a máfia italiana ou da
roça mesmo. No Brasil é difícil saber de onde vêm as pessoas, somos uma família
de expatriados.<span style="font-size: small;"><o:p></o:p></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">Nasci em um sítio perto de
Campinas. Aos 9 anos incompletos, fui morar com uma irmã mais velha na cidade.
Terminei meus estudos regulares e então me mandaram para São Paulo. Até os 22
anos de idade eu tinha uma vida muito extravagante, dava para caras
endinheirados por muita grana e morava bem em um apartamento da Alameda Lorena.
Eu era bonita, muito bonita.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">Paulo Roberto era velho, muito
velho. Amigo de família, lá dos tempos da roça, um dia ele veio em casa e jogou uma maleta com oitocentos
mil reais na mesa de jantar e um contrato de casamento. Meu pai estava junto
com ele.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">- Minha filha querida...<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">- Saia, papai! Paulo, fique.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">Desde então, fiquei ainda mais
bonita; Paulo Roberto, ainda mais velho. Meu pai, morto. Graças a Deus. Ele
perdia muito dinheiro. Em seu leito de morte, a alma de papai foi pesada em menos
de 21 gramas. Minha mãe também já morreu, morreu feliz. Paulo Roberto foi
amante de mamãe, talvez por isto ela sabia que ele me faria feliz. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">- Emanuelle, meu amor será teu
escravo.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">- Sim, estou protegida ao seu
lado. Obrigada.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">Tenho um filho. O filho é do
Edu, mas Paulo Roberto pensa que é dele. Que velho burro! Várias vezes ele já
me pegou na cama com outros homens e até mulheres, mas só diz: “Deus perdoa”. Paulo
não é Deus, é meu pai biológico. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">Deus não joga dados fora, diria
algum leitor com ares de cientista. Eu acredito em Deus. Por isto não tenho remorso de nada, Deus
perdoa tudo. Eu posso trair, enganar, roubar; Paulo pode trair, enganar, roubar
e até matar; Deus perdoa, e isto é tudo.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><span style="line-height: 115%;">A minha vida é muito boa. Sou
uma mulher de 33 anos que não conhece varizes nem limite de cartão de crédito. Encontrei
a partícula de Higgs, não vou à igreja, ouço Alice in Chains e tenho hora marcada
na sessão de </span><span style="line-height: 18px;">yôga</span></span><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"> toda manhã. Quando Paulo Roberto morrer, vou abrir uma rede
de academias de ginástica.<o:p></o:p></span></span></div>
<br />
<div style="text-align: right;">
<i><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">Por
Ricardo Novais</span></span></i></div>
Ricardo Novaishttp://www.blogger.com/profile/01327903255629606839noreply@blogger.com