Excelentíssimo Senhor Ibsen Pinheiro


Quadro do Atelier J.Victtor

O Rio de Janeiro foi às ruas. Era de ver a multidão protestando em favor do civilismo, bradavam do alto de um caminhão de trio-elétrico lá para os lados do Municipal: “Excelentíssimo Ibsen Pinheiro é contra nós, não quer ver os grandes cariocas progredirem e por isto quer nos tirar os royalties do petróleo... E depois de tanto que ajudamos esta amada pátria... Prospectamos este “outro preto” com todo afinco, com todo amor ao país inteiro; então eu pergunto: É justo que nossos homens e mulheres não sejam recompensados? É justo tirar-nos tal patente?”

Aviltado, o governador do Rio de Janeiro tem os olhos marejados; ele tem a expressão dos injustiçados, como homem que colocou todas suas economias num título e tem em troca uma maldita carta precatória da União – embora seja uma carta honradíssima!

Vieram os debates. O secretário de Fazenda informou aos cariocas que a “emenda Ibsen Pinheiro”, proposta pelo probo senhor Ibsen Pinheiro, contém artigos não muito bem explicados. Ele avisa: “Absurdo! Todo mundo focou-se no texto que trata dos royalties do petróleo, mas existem cláusulas dispondo do mesmo modo sobre a quebra do monopólio que o Rio de Janeiro tem sobre a obra de Heitor Villa-Lobos, Tom Jobim e, principalmente, Vinicius de Morais. Fiquem mais atentos, amigos cariocas...”

Um repórter, talvez por gracejo ou por autêntica temeridade, perguntou ao nobre deputado federal pelo Estado do Rio Grande do Sul, este mesmo controverso Ibsen Pinheiro, se o sempre atual Machado de Assis também não teria sido preterido da totalidade do povo brasileiro, pois somente a sociedade carioca teve acesso a ele quando este nosso maior vulto literário era ainda vivo, mas o político gaúcho descartou o escritor nascido no Morro do Livramento, Rio de Janeiro. Ele alegou que o soberbo Machado fazia muito uso de reflexões irônicas que em nada honrou a altivez do pacto federativo, e, além do mais, o amabilíssimo Ibsen Pinheiro admitiu, um pouco envergonhado em sua peculiar consternação, que teme os “bruxos”.

Por outro lado, ilustradíssimo Ibsen Pinheiro exige que o Rio de Janeiro distribua Vinicius de Morais à União e entre todos os Estados federativos. Constitucionalistas estudam a legalidade da proposta, porém se a “emenda Ibsen Pinheiro” for sancionada, os cariocas devem perder os bilhões dos frutos do petróleo e também todo o tempo em que o “poetinha” e seu companheiro maestro ficaram exaltando a ‘Cidade Maravilhosa’.

“Não faz nenhum sentido estes dois artistas passarem a imagem de cariocas” – exacerbou o formidável Ibsen Pinheiro –, “isto sempre foi uma injúria à Magna Carta. Por que as pessoas que vivem na Chapada Diamantina devem sentir-se excluídas das poesias do senhor Vinicius de Morais? E os meus correligionários da fronteira sul, por que não podem inserir-se como parte das composições do maestro Tom Jobim?”

Nem adianta dizer que estes notáveis cariocas – ops! brasileiros – já nem mesmo estão entre terras da União, o sabedor Ibsen quer que se arrolem os direitos da obra por todo país. “É o justo!”, ele afirma com veemência. Entretanto, não culpemos o homem; para ele, a coisa mais importante é o pacto federativo. Mas também não culpemos aos cariocas e muito menos os mortos, pois a estes a coisa mais importante é, ou era, os calçadões litorâneos do Rio. E, convenhamos, não há lá como ser diferente... O mal é que o petróleo é mais fértil para os lados costeiros, e, em especial, nas desgraçadas terras fluminenses. Eis todo o mal. Se petróleo tão úbere fosse achado mais para o sul, talvez excelentíssimo senhor Ibsen Pinheiro não se sublevasse tanto; ou se os maestros Villa-Lobos e Tom Jobim, e, obviamente, o poeta boêmio Vinicius de Morais, tivessem eles sido medíocres... Talvez, então, nenhum pasmo de injustiça fosse desagradar o espírito elevadíssimo e regaço do brioso Ibsen Pinheiro.

Pense comigo, leitor de qualquer cidade e mesmo a dona leitora que é estrangeira; por que acharam estas tão cobiçadas camadas de tesouro no pré-sal logo nesta nossa época? Neste nosso tempo em que vive também causídicos da virtude... Não poderia ter sido mais à frente, quando, por exemplo, o extraordinário defensor do federalismo já tivesse cobrando pessoalmente os notáveis cariocas da bossa-nova, o “poetinha” boêmio ou o genial maestro do movimento modernista? Toda época é apropriada para descobrir petróleo, assim como toda hora é boa para a morte; acha-se petróleo muito bem numa plataforma gaúcha qualquer e morre-se da mesma maneira muito bem num mês qualquer de 1935, de 1994 ou destes nossos dias.

Alerto tudo, vá... Nem sou carioca. A bela dona leitora, ‘carioca da gema’, que tome cuidado, não se exiba muito na orla de Copacabana ou nas praias de Ipanema e calçadões do Leblon; corre-se risco de ter de dividir os royalties de vosso charme e graça. Já o turista que visita a encantadora ‘Cidade Maravilhosa’, por precaução, faça chegar aos demais Estados da Federação as fotografias e filmagens que fizer de tão aprazível passeio. Não há de ser difícil, consegue-se sem tanto esforço atestados via internet ou outro ato público.




Por Ricardo Novais

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