Um Vôo com Destino Pressurizado

Sala de embarque do Aeroporto de Congonhas/SP. Não havia ninguém aguardando...

Era um vôo Rio - São Paulo. Da janela via-se a Baía de Guanabara, lambida pelo sol bege, de águas calmas, com bocal desdentado e ainda assim de belo sorriso. A distração é tanto portentosa e tanto singela. Fugaz e ordinária, incrível e desprezível, viagem entre metrópoles... Quantos a fazem? Quantos diminuem esta distância tão representativa? Quantas histórias florescem sob seus telhados, sob o asfalto limpo e as calçadas imundas, as esquinas tangentes e também de tanta descrença absoluta...

Tudo que era pouco, de repente, virou em outros ventos. Na poltrona ao lado senta-se a mais enigmática moça minha apreciada de sonhos. Não foi imaginação, e nada decorrente de entusiasmo. Tudo indicou apenas um simples papo entre dois viajantes desconhecidos. Conversa que puxa outra, turbulência que gera afirmação sutilmente vazia, uma nuvem que passou naquela tarde ensolarada e dissolveu-se junto com os pensamentos. Nada mais, nada além de agradável passatempo de excursionista do tédio em cabina pressurizada.

No entanto, após o desembarque, a despedida de minha companheira de viagem, o seu cinematográfico sumiço naquela multidão de rostos céleres do saguão central, tendo apenas como testemunha uma impessoal plataforma de passageiros que aguardam ansiosos aviões dos cantos mais remotos e outros que esperam aeronaves que aterrissam precipitadas e logo decolam novamente; a hora seguinte pareceu-me continuar sem terminação. Por fim, cheguei à minha casa, andei pela varanda, sentei num velho banco, levantei poucos minutos depois, fui à cozinha, parei diante da geladeira e das latas de conserva, olhando admirado tudo aquilo que já por mim há tempos era conhecido. O vôo tinha sido ainda agorinha... Mas parecia-me já anos a fio. Senti-me triste. Imediatamente preso por lembrança variante. Que tarde tão recente passada e por demais ausente da noite presente! Permaneci vago de coragem.

Não recrimines, piloto de vôos buliçosos, este coração aéreo que é diferente de outras pontes deste mundo. Trajeto incrível! Julgo esta a maior viagem brasileira... E é tão curto este percurso que reaviva anseios, ao modo de grandes turbulências. Para mim não é necessário mais que uma única tarde para que o vento adentre com força aos cubículos pressurizados mais trancados.

Contudo, abdiquei deste pensamento deleitoso; fechei cuidadosamente a porta da geladeira, o frescor da maçaneta da porta deixou uma cicatriz de saudade em minhas mãos contentes de há pouco.

Deveras! Cochilo adorável a lembrança daquele vôo. No decorrer dos dias, a recordação fugia-me, aos pouquinhos... Nada mais eu via no aeroporto, nenhuma mensagem escrita  em painéis de horários das aterrissagens e decolagens feitas por aeronaves indeterminadas que poderiam me devolver alguma esperança, nenhum recado surpreendente no balcão de check in, ninguém me aguardava na sala de espera; apenas aquela desgraçada plataforma impessoal percebia meus cálculos: “Faz uma semana daquele dia... faz quinze dias... faz um mês daquela tarde! E pouco a pouco fui me esquecendo da fisionomia daquela minha companheira de viagem, confundindo com a figura de outras moças, embaralhando a memória com outras conversas que, evidentemente, eram sem o mesmo sabor. O baixo teor de oxigênio em minha corrente sanguínea foi o saldo de uma hopoxemia, mas de fato era o coração que me apertava em incomensurável enigma e saudade... Que agitação tão nostálgica, um deleite!


Por Ricardo Novais

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