Auto de Natal

Imagem de arquivo do autor.

Uma mulher indigente caminhava ansiosa pela rua, ela se chamava Maria. Um homem esfarrapado a acompanhava, ele se chamava José. De repente, no meio de toda a gente, surgiu um menino correndo afobado sob os gritos raivosos de guardas e senhores de barba em seu encalço: “Pega! Pega! Ladrão! Moleque, trombadinha! Bateu minha carteira!". Nisto, um ônibus em alta velocidade descendo a grande avenida não conseguiu frear e atropelou o menino que caiu esmagado no asfalto quente como churrasco-grego em hostil praça pública. Desgraçadamente, a morte foi instantânea. O menino se chamava Jesus. A mãe se aproximou então do pequenino corpo esmagado de seu filho e chorou, copiosamente. O pai clamou aos Céus. Mas não veio voz divina alguma, e nem anjo redentor. Não vieram os reis magos; apenas os guardas da polícia metropolitana ajudaram a velar aquele altar. Os animaizinhos sagrados de presépio também não compareceram envoltos na manjedoura; mas por todos os lados se viam generosos ratos, baratas e outros bichos da mesma laia. A única oração que se cantou e rezou ali foi uma ode desordenada pela chegada do rabecão. Entre tantos olhares estilhaçados, era noite de Natal.

Por Ricardo Novais
* Conto publicado originalmente no coletivo literário O Bule.
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