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Imagem retirada do site Brasil Escola. |
Não sou patriota. Não é que não goste do Brasil, nem gosto nem
desgosto; sou indiferente à nação. O hino é bonito, a bandeira é imponente e
igualmente bela: verde, amarelo, azul e branco; vá lá, mas é só isto, nada
mais.
Agora, do povo brasileiro sim, deste tenho muita afeição; a cada
olhar de um homem do povo penso em toda a felicidade que pode existir no mundo.
Lima Barreto me ensinou que a pátria é uma ilusão e que real é o
brasileiro. Sou pelo real, como sabe. Há quem diga que a vida do povo melhorou
nos últimos anos; outros dizem que a economia é pulsante; ouço também, das
bocas mais enfáticas e desdentadas, que falta educação, que todos os dias morrem
muitos por falta de leito nos hospitais, por fome ou de tiro de revólver; as
bocas dizem muitas coisas, leitor que escuta, e podem estar certas, são amparadas
pelas senhoras estatísticas, e estas senhoras, em conjunto com os senhores números,
não costumam mentir.
Mas não quero saber de senhoras e de senhores. Quero ver como vai o povo brasileiro. E os vejo por aí,
nas ruas, praças, botecos, igrejas, padarias, escritórios, restaurantes, fazendas; em um passeio pela
cidade, de vez em quando indo ao interior; as notícias chegam, elas chegam por
um amigo, um conhecido que mora longe, em redes da internet ou no rádio, por uma mulher que
não te esqueceu; enfim, notícias da gente, boas e ruins, sempre chegam de algum lugar desta terra brasilis.
O governo e a pátria podem ser sim necessários, mas para mim
também são indiferentes. Do mesmo modo que desconfio de manifestante em grupo.
Perdoe-me por dizer, dona leitora que acredita na política, mas
manifestos são feitos por seres orgulhosos e irreflexivos, quando não raro agem
por instinto violento e pura presunção de se meter na vida da gente – nem a pátria, nem o governo e nem o
manifestante me representam; nenhum deles são povo. O povo não mora na pátria
e nem conhece o governo. Acredite, leitor patriótico que nunca pegou um ônibus para a periferia ou dormiu na rua. As gentes moram mesmo é na
cidade, nas casas, apartamentos, ou nas ruas, debaixo de pontes, bancos de
igrejas, bancos de praças, bancos de bares, carroças do sertão; e os conhecidos
do brasileiro são os seus colegas de trabalho, o chefe que lhe deu emprego, os amigos da universidade, do futebol ou de
infância; a dona de casa, tradicional integrante do povo, é amiga do
apresentador do noticiário sensacionalista, que também é brasileiro; a professora é amiga do aluno, e
para este a professora é sua musa; o motorista do ônibus é brasileiro, assim como o
guarda do banco, os escritores, os leitores, músicos e viajantes do metrô; é brasileira a prostituta, que toda
noite derrama uma curta lágrima de saudade pelo bandido, pelo padre ou pelo pastor, que também são povo; e o povo é pelo povo; pois é no povo que se encontra o nosso grande
amor.
Assim, deixo o Brasil e a pátria apenas para cantar o hino; e também gosto
de ver a bandeira nacional tremular imponente nos dias de céu bem azul; ao
governo, não lhe peço nada, lhe desejo paz, e alguma consciência, somente isto. Não apoio movimento social nenhum. A única manifestação que faço é o sentimento profundo que sinto de admiração, consternação e emoção vital
ao povo brasileiro, ou seja, manifesto sentimento a mim mesmo.
Por Ricardo Novais