Por Uma Conversa Encantadora

Estátua de Noel Rosa, no Rio de Janeiro. Foto: Arquivo Pessoal.

Preciso falar contigo, amigo leitor. Dizem que as coisas vão mal; à boca pequena, insistem na encantadora felicidade; mas toda a desgraça é que nem todos têm dom de ministro da alegria.

Discorda? Ora! Por que não fala comigo? Sente-se aí ao lado, beba algo de boa safra, as ideias estão à mesa. Resolveremos tudo. Além de que preciso mesmo conversar... Sabe, tenho coisas a superar, alcançar alguma redenção para meus hábitos presunçosos. Sim, eu sei; não vai conversar, não vai conversar... Não quer, não pode. Mas insisto!

É que fui acometido por grave afetação. Talvez eu esteja um pouco arrependido de ter criado este blogue. Não que ele atrapalhe meus ofícios; sou homem de raros propósitos fortes – sou de pouca opinião, como diria meu tio da zona portuária. Além de que despachar algumas chupadas linhas nuns balofos posts para esse ambiente virtual é sempre coisa que absorve um pouco a vaga de pensamento. Mas o blogue é excêntrico, tem gosto próprio, e é paladar de tédio; apresenta-se, com frequência, com movimentos repulsivos, sádicos; já percebe o dilema, não é, dona leitora? E tu, leitor, não vê que o maior defeito do que cá está escrito é o que cá será lido?

Leitor, culpado! Por qual motivo a sentença? Não penses que é este veredito de tribunal de um só julgador coisa arbitrária; oh, não! Esta decisão é depois de muito sopesar, confabular e  até tomar opinião a muitos especialistas em vida alheia. Não cabe recurso, não há mais defesa; nem ao ministro de leis alegres! O fundamento deste aresto de paradigma é o simples fato de que queres sempre as histórias mais aventureiras, mais valorosas, contadas da maneira mais concisa, mais fluente. Tu também, amiga senhora, vem à minhas orelhas e cochicha as narrações românticas e diretas que aprecias... Teres afobação de viver, quereis tudo o mais célere possível e  ruminado até as raízes. Ora! Mas se esta minha página e minha mão fogem à esquerda algumas vezes, noutras cai à direita, pula de cabeça em lágrimas mais à frente, tornando às gargalhadas dementes num passo atrás, em caminhos já há muito percorrido. Vai, este meu blogue, como a Avenida 23 de Maio às seis da tarde; anda um pouquinho, pára um tempão, acena ao motorista vizinho, dá um desvio dificultoso a um motociclista que muda de faixa repentinamente; glorificada no Obelisco, premia seu companheiro com um sinal bem vermelho de engarrafamento.

Nisto tem vantagem o mendigo, certamente meu leitor, que fica deitado à calçada na Praça da Sé. Se não tem dinheiro para gastar, também não tem preocupação de montar quebra-cabeça; vive a conversar, vive a conversar.

Não te assustes, senhora minha amiga; é que não sei o que fazer, eu procuro alguma verdade escondida; entende? Onde arranjar um bom pedido de demissão que me salve de um cubículo apertado cheio de regras burocráticas? Mas fico muito espantado, o futuro é incerto, a vida passa antes que o sinal do forno microondas apite em alerta. Fale comigo, dona mocinha; gosto tanto de ti. Diga, querida leitora, vão bem teus pensamentos naqueles momentos entre o portão de tua casa e algum teu compromisso importante?

E tu, senhor leitor mais prudente que este autor modesto; fez algum projeto que nenhum outro tenha feito? Conseguiu terminar de subir aquela escada rolante de estacionamento prosaico ou escreveu algum artigo que nunca tenha sido lido por viva alma?

A conversa aqui parece não ir muito bem; não é mesmo? É que, tão diferente de tu, caro leitor, devo estar incompleto. Talvez, neste momento, sinta-me como uma página de livro em branco; nada escrito; nada pretendo, nada anseio, nada persevero; apenas aguardo que as letras venham preencher-me; às linhas – nem precisa completar o livro inteiro, alguns vão bem lendo tão somente um capítulo da vida.

Compreende, leitor de cerrada face e leitora desconfiada, porque os entedio tanto com este texto confuso? Eu gostaria de ter tirado uma fotografia que nunca tenhas visto, meus amigos, oferecido um prato de comida que nunca tenhas saboreado, acenado um abraço que nunca tenhas recebido... Gostaria que viessem comigo, por esta mesma estrada que todos conhecem. É! Mas daqui a pouco nem eu sei onde estarei. De modo que então só posso fazer uma boa promessa, aliás duas, uma para cada um.

À minha querida amiga, digo que, apesar de tudo, estarei contigo no teu teatro imaginário, mesmo nas peças mais doces e nas mais angustiantes. Ao caro leitor, só posso dizer que conte comigo em todas tuas lutas; sempre terá auxiliadora mão, calçada com luva, que incentive teu valoroso ombro.

Não te irrites se paguei mal a conversa, senhor leitor e dona leitora; saiba que hasteei minha bandeira à sombra da tua, e não duelo nem brigo contra uma confabulação encantadora. Um brinde, saúde!

Por Ricardo Novais
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