Saramago, O Positivista

O literato português José Saramago, na cidade espanhola de Lanzarote, nas Ilhas Canárias, onde morreu. O escritor pelas lentes de Sebastião Salgado.

Confesso que conheço pouco da obra do escritor português José Saramago, morto recente.  De modo que não pretendo aqui analisar profundamente a literatura saramagista; primeiro porque não sou crítico literário, nem vulto que vela cadáver ou anjo consagrador – sou tão somente leitor comum, qual lê o que a alma agradece. Portanto não seria virtuoso propor agora apreciações apoiada na leitura de dois ou três livros.

Proponho aqui sim uma visão ampla do que representou, representa  e representará o nome de José Saramago, escritor este tão balofamente celebrado pela mídia e por aspirantes a literatos desde quando recebeu o Nobel de Literatura. Deliberadamente polêmico, Saramago proferia pontos de vista com temática de natureza política e religiosa. Foi um crítico ferino da atmosfera cultural na qual se baseia a sociedade que esgotou os ideais utópicos de esquerda, e valeu-se sempre de sua fama literária para grunhir contra o capitalismo, a religião, as questões políticas da Europa – em especial a ibérica. Contudo, embora insensível em sua crítica ao capitalismo, pronunciava-se diverso quando o assunto era os horrores que o  socialismo soviético impôs em vários lugares do mundo.

O intelectual Saramago fez mesmo algumas boas críticas ao nosso modo hipócrita de viver, mas nada disse sobre tiranias impostas em nome de ideais utópicos que ele sabia serem cruéis e injustos. Em certo sentido, não seria muito dizer que o literato foi menos um democrata e mais um totalitário. Nisso, infelizmente, ele reiterou alguns dos maiores intelectuais do Ocidente. Movidos por ideias de direito e igualdade, atacam instituições conservadoras e silenciam sobre a opressão praticada em nome da ideologia que abraçam. García Márquez, por exemplo, padeceu da mesma afetação: o comunismo e o socialismo o podou de uma visão mais independente do mundo, perdeu a chance de praticar a arte de ser um intelectual livre.

Mesmo na realidade ideológica brasileira, ainda hoje, intelectuais e artistas silenciam sobre a ditadura cubana, último baluarte da tirania produzida pela utopia comunista. Ora, vejamos como muitos admiram o artista Chico Buarque, mas poucos o questionam sobre a elevação de sua arte ao plano autônomo em si mesma e não em suas convicções políticas; e, mais grave, é ver os acadêmicos da Universidade de São Paulo fazendo vista grossa ao abuso castrista e mesmo reverenciando a imprensa brasileira e americana que, notoriamente, está inflada do ideário positivista-marxista. No fundo, intelectuais como Saramago, são cúmplices sofisticados da luta pelo poder, não importando o quanto este seja tirano, injusto e criminoso. Seriam mais conscientes e menos cegos dentre a própria visão se seguissem, como Millôr Fernandes, fiel apenas à própria percepção de seu espírito e à razão de seu pensamento.

O valor da obra de José Saramago – seu valor intrínseco, o de sua escrita e forma estética – será decidida pelo juízo supremo e infalível do tempo. Isto não impede que possamos opinar ainda hoje de que lendo “A Jangada de Pedra”, por exemplo, atilamos que Saramago deixava escapar todo o seu rancor por ter nascido na península ibérica e não em Londres.

Não me parece bom que um indivíduo renomado no mundo inteiro fique por aí engenhosamente articulando que Portugal deveria ser uma mera província da Espanha; francamente, a memória dele não deveria merecer nenhum tipo de reconhecimento oficial dos portugueses. Mas vá lá! Isto mostra o mísero estado a que chega a soberba, desfaçatez e até impunidade de quem goza de prestígio.

Pensar alegremente que honrar quem conspurcou o nome e os cidadãos de um país (Portugal) é no mínimo pisar na própria tradição e nos próprios valores.

Isto tudo, independentemente dos prêmios que Saramago tenha recebido, só macula a pátria lusitana que tantos juraram servir e defender. Um dos primeiros erros do mundo moderno é presumir, profunda e tacitamente, que as coisas passadas se tornaram impossíveis; pois conjecturar que Portugal estará sempre a salvo se unir-se à Espanha, se esta por algum motivo pessoal fechar suas fronteiras e por todo o país-irmão de joelhos, é coisa leviana e perversa com o povo ibérico e o lado glorioso, e até o cruel, da história das nações.

Visto que o mesmo sorriso melancólico do plano político descrito acima está na intolerância de Saramago para com a Igreja. Um intelectual honesto não recusaria qualquer forma de metafísica ou de valores éticos seculares porque simplesmente se considera um ser materialista; ora, se é nítido que respostas absolutas são o perigo de todo pensador. 

Na literatura tudo é permitido, pois está é ficcional, fantástica, reflexiva, muitas vezes imaginária, e será julgada apenas pelos leitores com sentença dada pelo tempo. Mas um autor nunca deve valer-se do prestígio que tem para ser injusto e covarde.


Por Ricardo Novais

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