O escritor, à espera da morte. Foto: Pedro de Moraes. |
Meu nome é Joaquim Maria da
Conceição. Sou um escritor solitário. Mesmo quando encontro companhia, sinto-me
só. É de minha natureza, o tédio me corrói. Se eu tivesse me casado ao menos
tinha alguém para arrumar minha cama agora que sou velho, mas não, nem isto eu
fiz. Para ser muito sincero, é impossível descrever o que sinto. Não é apenas
dor sufocante; mais que isto, é a perturbação de pensamento que me contamina
impetuosamente. E o pior é que gosto disto. Rememoro a juventude. Estou muito
doente, doença grave. O pior de ser velho é ser bufão, tenho o néctar dos
sonhos que não se realizaram plenamente. Quanto menos eu tenho hoje tanto maior
é o meu prazer em não ter nada. De manhã, penso em me levantar do leito
moribundo e correr... Mas um sono entorpecente me impede.
A vontade de correr
persiste, no entanto. Correr como um leopardo nas savanas africanas ou nas
ilhas do Ceilão. Sem motivo e sem destino certo; apenas sair correndo pela
vizinhança fugindo dos problemas até o final do bairro, e de lá cruzar a cidade
grande de norte a sul e depois de leste a oeste. Em seguida, deixando a
angústia para trás, percorrer todos os grandes Estados brasileiros para chegar...
a lugar nenhum! Enfim, apenas correr, correr da própria vida; correr, correr,
correr...
De minhas obras, nada também
ficará. Destruirei tudo. Não acredito na eternidade. Numa tarde futura
qualquer, numa feira de velharias da Praça da República, alguém encontrará um
texto meu que ficou perdido por destruir. Justo o escrito mais feio, o que me
esqueci de apagá-lo. Será alguém com frescor ao rosto. Será apenas este o meu
leitor. O arauto proclamará: Este deve ter sido um atrevido com alma de
escritor.
Percebe, leitor aventureiro
de agora, como é este do mesmo modo o último alento? Se não percebes é porque o
livro está aberto em tuas mãos, sendo lido. É o último alento. No término da
página, nenhuma palavra mais suspira. Tantos suspiros se refletem demoradamente,
nenhum se traduz.
Rostos de todas as cores e
de todas as idades perceberão a solidão, mas não perceberão o escritor. O nome
Joaquim Maria da Conceição passará então em brancas nuvens da literatura
maldita, sem muito talento e com pouca vontade da vida. Assim, marginal. O
livro aberto, de repente, com alguma coisa que implora por manifestar-se e é
impedido por letras do imponderável; e ainda pedindo, mais escancaradamente, por fim: Vá à prosa, senhor autor!
Eis o derradeiro escrito, e só.
Por
Ricardo Novais