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Cheguei cansado em casa, eram quase sete da noite. Tirei o
paletó e esparramei-me no sofá. A casa estava vazia. Depois de sair do
trabalho, Marcinha iria pegar a Duda na escola no último dia de aula do ano letivo. Mas a casa ainda estava
vazia. Liguei a tevê. Deixei-me passear pela internet teclando à toa por uma
hora, talvez mais.
Tinha um embrulho em cima da mesinha de centro, estava
aberto, mas não toquei nele. Marcinha chegou com a Duda, as duas vieram me beijar.
Marcinha parecia irmã mais velha de Duda, de tão fina e angelical, mas, numa
observação mais detalhada, via-se a mulher absoluta e atraente. Duda tinha oito anos incompletos; era belíssima, graciosa, iluminada; era a nossa jovem Maria
Eduarda Maia.
Marcinha subiu para ajudar Duda com o banho e outras coisas
de meninas, eu fiquei no sofá com a tevê ligada, tomando uma cerveja e
navegando na net. O embrulho começou a olhar para mim, eu a olhar para ele. Era época de Natal. Inclinei-me à mesinha e peguei o pacote. Desembrulhei-o. Havia um smartphone
novinho dentro, de última geração. Não tinha indicação de presente, do
portador, remetente, dono etc. Coloquei-me a pensar muitas coisas. Passou-se
bem mais que um quarto de hora, Marcinha anunciou o jantar: pizza e suco de caixinha.
- De quem é aquele celular que está na sala? – perguntei
ainda no primeiro pedaço da pizza de bacon.
Não ouve resposta, insisti na pergunta. Duda cortou:
- Papai! Papai! Eu aprendi a nadar hoje...
- Que legal, filha! Parabéns! Papai está orgulhoso de você.
Duda me deu beijos, retribui-os com certo fastio. Abracei-a,
passei a mão em seus cabelos finos e castanhos. Marcinha nada me dizia.
- Vamos escovar os dentinhos para ir dormir, Duda... – Falou
Marcinha, pegou na mão de Duda e subiram.
Fiquei na sala. Bebi outra cerveja e vieram os pensamentos
mais imprevisíveis, não fortuitos e diversos deste mundo. Leitor, que acha? Um
smartphone de última geração na mesinha de centro da sala sem que seja eu o
comprador e sem que sua mulher diga de quem seja? Estranho enigma! Muito
estranho, concorda comigo? Lembrei-me de quando ela chegou com a Duda, do beijo
frio que me deu e das poucas palavras ditas; da falta de resposta, do enigma
formado. Bebi outra cerveja e subi as escadas a passos arrastados.
Entrei no quarto de dormir. Marcinha estava encostada numa
almofada sobre a cama vendo novela, sentei-me em um puff que se afundou,
senti-me inseguro, levantei-me. Dei duas voltas no quarto sem dar palavra, por
fim, disse algo.
- De quem é isto? – questionei segurando o smartphone na mão direita e cutucando-a com a outra mão.
Ela não respondeu, insisti.
- De quem é, porra? Diga! Quem deu isto pra você?
Como não havia resposta, agarrei-a e gritei. Marcinha começou
a chorar, nada dizia. Eu fui ficando louco, fiz um algoritmo zeloso.
Marcinha em prantos. Soltei-a. Ela virou o rosto. Um lençol de lágrimas cobriu
meus pensamentos: “De
quem é esta porcaria de smartphone? Esta mulher está escondendo algo!”.
- Você é um ignorante, Eduardo! – exclamou isto para mim,
entre soluços, apresentando-me o cartão de "boas festas" que foi entregue pelos correios junto com
a encomenda e onde se lia:
“Dudu, querido!
Mando a você este smartphone de presente como prova de que não te esquecerei, jamais.
Um beijo de quem te amará ‘ever’, ‘ever’, ‘ever’;
Feliz Natal e próspero Ano Novo!
De quem soube esperar e o amou, e ainda o ama, com paciência;
Rosa”.
Por
Ricardo Novais
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