Flores de incenso em jardim de inverno...
A
chuva fina, o frio, o tempo nublado, tudo contrasta com aquele outro dia em que
teu sorriso, querida Cecília, fazia-se iluminado como dia bonito de sol. Vida doce! Sinto
falta daquela nossa última conversa de pé-de-ouvido, minha última esperança em
mim mesmo, tão aparvalhada. Coitada! Tão singela. Coitada!
-
Que tem? – perguntava ela.
-
Nada, mocinha. Estou a contemplar-te... – eu dizia um tanto hesitante entre a
confusão que assola certos sentimentos pacóvios.
Ver
Cecília deitada na cama, seminua, quase coberta com um lençol de seda bege,
aquilo foi a coisa mais fantástica que senti na vida. Não faça chacota de um homem
desvairado, leitor zombeteiro. Nunca vistes uma bela garota em sono tranquilo
sem dar palavra queixosa? Eu ia assim, assim; feliz e boboca. Vê-la ali,
naquele último dia, foi tudo; o mundo poderia ter acabado completamente naquele
momento ouvindo as canções de Sammy Hagar. Instantaneamente, entretanto, veio-me o medo, medo de perdê-la, medo
de viver – espécie de desesperança que alcança também a alegria.
Sim,
dona leitora romântica, eu tinha um amor consumindo minhas ideias. Imagine qual
não foi a tragédia que me acometeu quando Cecília atravessou o farol vermelho
na Avenida Perseverante com a Rua Nossa Senhora dos Aflitos. A minha amiga
deixou-me, para sempre. Deste dia em diante larguei meu sorriso à sombra,
impedindo que a lembrança de Cecília iluminasse meus dias. Engulo as palavras e
digo que no mesmo lugar, no último alento de vida de minha querida, construí um
jardim de flores de incenso – não sei bem do porquê, mas eram as flores prediletas dela. Aquele maldito cruzamento agora
se chama Jardim das Aflições.
Por Ricardo Novais
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