Escrava sendo leiloada, em quadro do pintor francês Jean-Léon Gérôme. |
Peguei um coletivo para
não andar dez ou onze quarteirões. Poucos passageiros dentro do veículo tinham
a mesma indecisão: aguardar quinze, vinte minutos estressantes de
engarrafamento ou saltar do ônibus e gastar algum momento passeando pela vida.
Sentei no banco do corredor e resolvi me entregar à preguiça. Mas a lassidão é
coisa que surpreende até o tédio, entrou no coletivo uma moça. Gestos
elegantes, belíssima e igualmente praticante do sedentarismo.
Embora o ônibus estive
vazio, a moça elegante com cabelos alourados e trajes escuros pediu-me licença:
- Você me deixaria
sentar aí do lado da janela?
- Claro! Por favor... –
respondi-a prontamente.
Foram estas as únicas
palavras que demos entre si. O trânsito de insuportável passou a alívio deleitoso.
Percebi alguns olhares oblíquos dela quais eram os mesmos que eu também jogava
sob suas pernas ditosas, braços elegantes e mãos inquietas. Apanhei um aparelho
dentro da pasta, respondi uma ou outra mensagem, mas não havia indagação
naquele maldito dispositivo que me servisse de acólito para ocasião tão esdrúxula.
A moça loira olhava cidade a fora, depois abria a vidraça do coletivo para em
seguida fechá-la. Não havia do mesmo modo motivação favorável em sua respiração.
Sinais de constrangimento surgiram sobranceiros como sobrevém entre integrantes
da vida urbana.
De repente, o ônibus
chegou ao ponto final. O amigo leitor varão que lê história tão prosaica há de
saber que nem sempre se pode subjugar o destino. Atribua ao imponderável, caro
amigo. E que seja! Levantei do banco, ainda a deixei descer primeiro daquele veículo
que transporta muitas opiniões. Ela saltou e sumiu na multidão da rua direita. Eu
corri ao edifício central onde o relógio MarcoPolo d’ Schiavo já me aguardava ansioso e estéril.
Por
Ricardo Novais
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