Euclides da Cunha

Semana passada, eu citei neste blog o nome de Euclides da Cunha num texto sobre o Enem – caso queira lê-lo, torne uns poucos posts atrás; mas advirto-lhe que não sei se valerá o esforço já que é texto por demais tedioso. No entanto, alguns leram e irritaram-se com a forma com que descrevi o nosso grande vulto do jornalismo Euclides da Cunha.

Este grande personagem brasileiro era escritor (escreveu Os Sertões, grande obra que é mais citada do que lida; uma pena!), ele era também engenheiro e militar. Porém, aqui, neste texto, caberá apenas a tentativa de corrigir meus possíveis erros quanto ao Euclides correspondente do jornal O Estado de São Paulo na Guerra de Canudos. Saliento, a propósito, que serei apenas um analista superficial da conduta jornalística dele; afinal de contas, não vivi na mesma época de Euclides da Cunha, eu também não conheci seu pensamento íntimo e, além de tudo, não sou muito culto em matéria de jornalismo – sou tão somente um curioso obtemperado e, talvez, imprudente.

Euclides da Cunha permaneceu na capital baiana, Salvador, tomando ciência dos acontecimentos, quase todo o tempo do conflito na região de Canudos. Integrante da comitiva do Ministro de Guerra Marechal Carlos Machado Bittencourt, encontrou a cidadezinha no sertão da Bahia, com seus 5.200 casebres, sob tiros de canhão, disparos de fuzis e bombas de dinamite. Quase totalmente destruída, seus habitantes passavam fome e não tinha água para beber.

Euclides não relatou estes acontecimentos em seus artigos como correspondente jornalístico; talvez por ter levado à Bahia todos os preconceitos oriundos de uma sociedade que tinha no pensamento francês – principalmente o de Joseph Arthur Gobineau, autor de “Essai sur L’inegalité dês races humaines” – Ensaio sobre a Desigualdade das Raças Humanas , a origem do Racismo Científico que tanto influenciou a civilidade brasileira com um padrão europeu de vida, de comportamento polido, costumes refinados e, sobretudo, numa pedante ideia de superioridade da raça ariana.

A queda final de Canudos foi uma cena terrível: chamas das tochas de querosene sob as casas, massacre dos prisioneiros à machadada, como num abatedouro se mata gado, exumação do cadáver de Antônio Conselheiro e destruição de seus manuscritos. Estas cenas não constam das reportagens dos veículos de comunicação da época – não se podia tocar em assuntos que vexassem o Governo e, especialmente, a nova elite republicana que surgia sobrepondo o antigo regime monárquico.

Em seus últimos textos como correspondente de guerra, Euclides da Cunha relata que “passeio perigosamente atraente, com jagunços a dois passos apenas, nas casas contíguas”. Para ele, os seguidores de Antônio Conselheiro eram “gente ínfima e suspeita, avessa ao trabalho... vencidos na vida.” Em uma de suas matérias, chega a afirmar em meio a toda aquela barbárie que presenciava que escreve “sobre manhãs admiráveis com raios de sol iluminando as montanhas”.
Apesar de ter levado todos os preconceitos de sua época para Canudos, ao escrever a sua obra máxima, Os Sertões, fica evidente a mudança significativa do pensamento do autor. No decorrer do livro é possível perceber a transformação de Euclides, que, aos poucos, deixa ver toda a sua admiração e respeito pela resistência dos sertanejos na guerra, bem como o horror dos atos cometidos contra eles. “O sertanejo é antes de tudo um forte”, é sua frase célebre, que demonstra toda a consideração acatada que surge às ideias de Euclides da Cunha por um povo que outrora julgou como inferiores.

Canudos é um exemplo clássico e sintomático de como a imprensa pode defender atrocidades de autoridades, e de como pode também manipular a opinião de uma população inteira em favor de interesses de um grupo seleto, e privilegiado, de uns poucos.


Por Ricardo Novais
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* A pintura de Euclides da Cunha é a capa da revista Vamos Ler!, 03 mar. 1938, por Arm. Pacheco. Coleção Felipe Rissato.
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