O Milésimo Feito de um 'Rei'

--Por Ricardo Novais --

Andrada, grande goleiro argentino que atuava pela meta do Vasco da Gama, não queria sofrer o milésimogol de Pelé. O jogo era um massacre santista sobre os cruz-maltinos, que fizeram de tudo para resguardar o seu goleiro. Mas aos 33 minutos do 2° tempo, o zaguiro Renê cometeu pênalti.

Este momento foi mágico como toda a carreira do ‘Rei do Futebol’. Se Pelé fizesse o gol 1.000, de um total de 1.281 gols oficiais, com bola rolando, talvez, muitos dos expectadores presentes no Maracanã, na noite de 19 de novembro de 1969 - que como hoje também era “Dia da Bandeira”, mas de tempos muito mais difíceis de escuridão, mordaça, ditadura e 'linha dura' - mas muitos mesmo poderiam não ver o lance ou vê-lo apenas de relance. Mas não! Quis o destino que fosse de pênalti para que todos parassem e apreciassem, com toda a atenção, o maior jogador da história fincar o pé no ‘Olímpio do Futebol’.



Pelé estava apreensivo, o estádio estava lotado, os jogadores do Santos Futebol Clube foram todos para a sua intermediaria e se abraçaram. O ‘Rei’ viu tudo, olhou para cima, não beijou a bola, apenas fez o sinal da cruz. Chutou a bola com o pé direito no canto esquerdo de Andrada, que se esforçou muito e ainda tocou na bola, mas ela entrou. O argentino, ‘portenho’ aguerrido, olhou a bola no fundo da rede e socou o gramado do ‘Maraca’. Tudo parou naquele instante, uma multidão invadiu o campo para reverenciar a ‘majestade’ e seu feito. Pelé chorava, agradeceu, pediu pelos pobres e oprimidos, pelas ‘criançinhas’ do Brasil. Em seguida vestiu uma camisa número 1.000 do Santos e deu a volta olímpica no estádio, exaltado pela alegria e consternação que vinha das arquibancadas do Rio de Janeiro.



Aliás, nada mais justo que este evento acontecesse no Rio. Alguns cronistas dizem até hoje numa possível conspiração do Santos e dos cariocas para que o milésimo gol ocorresse no Maracanã, com todo o glamour. Verdade que Pelé poderia ter feito o gol 1.000 em Salvador contra o Bahia – ele driblou o goleiro e chutou para as redes, mas o zagueiro Hildo, do Tricolor da Boa Terra, salvou em cima da linha. O estádio da Fonte Nova baixou uma vaia direcionada ao próprio jogador do time, que ao invés de ser considerado herói é tido como vilão entre os baianos – mas, sinceramente, o milésimo gol do jogador Edson Arantes do Nascimento, o ‘Rei Pelé’, ter acontecido no Rio de Janeiro foi uma feliz coincidência, um presente dos deuses ao verdadeiro ‘deus’ do futebol (ouviram bem, 'hermanos boludos', apenas Pelé é 'deus' do futebol).

Jogo terminou 2 a 1 para o Santos, com público 65.157 pagantes. Pelé tem marcado seus pés na calçada da fama do Maracanã. Até hoje, toda vez que o clube da Vila Belmiro vai ao Rio de Janeiro em uma nova jornada, há uma imensa saudade do povo carioca que relembra com alegre saudosismo, mesmo os que nem mesmo tinham nascido ainda, daquele “Dia da Bandeira”, 19 de Novembro, onde ‘Onze Fantasmas’ jogaram luz às trevas em um dos tempos mais terríveis entre todos os 'anos de chumbo' que o Brasil viveu em sua história e se consagraram, por mérito e por talento, como símbolo deste País em um momento esportivo e histórico único, memorável e fantástico (ou ‘santástico’), o milésimo gol de um ‘Rei’!


* As figuras e as fotos que aparecem no texto são de divulgação do Jornal Estado de São Paulo, cadernos de esportes; e da revista esportiva Placar. ** As imagens do milésimo gol de Pelé são da extinta Rede Tupi de Televisão de São Paulo, reexibidas pela Rede Record News de Televisão. *** O áudio é da narração de Joseval Peixoto, da Rádio Jovem Pan de São Paulo.
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