Palavras de um Padre Morto

Imagem: Vista geral do Cemitério da Consolação, em São Paulo.

Resolvi dar a palavra a um velho padre, de nome Pedro, já falecido, que conheci a muito tempo lá para os lados da Rua São Bento. Havia solicitado a ele, na oportunidade, que escrevesse umas poucas linhas sobre a vida; mas ele, além de se estender bastante por intermináveis linhas, ainda falou sobre assunto contrário: discorreu uma crônica sobre a própria morte.

De qualquer modo, transcrevo abaixo as linhas que recebi de um velho padre, jaz morto:

"É curioso como a morte iguala as pessoas. Neste momento derradeiro, os homens se equivalem uns aos outros. Assim, as molas mestras da manutenção do mundo de aparências e conveniências que regem esta nossa sociedade é, tediosamente, dispensada pela realidade crua da necessidade de encher um pouco o vazio da eternidade. Repare como todo o respeito que faltou em vida vem após o falecimento, na presença do corpo morto, com o luto circunstante, os círios, aquele cantochão clarividente, as orações fúnebres, duas velas enormes lançando uma chama irônica, o esquife, o féretro, os panos roxos, o réquiem, as lágrimas e os risinhos pelos cantos, o sepultamento no campo santo, na suntuosidade da cova, catacumba, túmulo, tumba, sarcófago, jazigo, mausoléu e, enfim, nos dizeres pomposos gravados no epitáfio.

Isto aponta que os homens mostram-se, genuinamente, na hora da perda fatal. Foi isto que vi em momento tão crucial. Eu que, graças ao bom Deus, estou mais próximo da morte que o estimado amigo e que minha tão querida amiga, posso senti-la, sentir o seu gosto. Garanto que é amargo, mas não é de todo desagradável; tem gosto de café sem açúcar. Senti também, bem próximo, o aroma da bajulação de meu cadáver em meu velório, das piadinhas que amenizam a dor ou ajudam há passar o tempo até o enterramento e da revolta contra a morte. Pobre morte! O que tem ela a ver com o sofrimento dos homens? Apenas cumpri o seu papel de levar o morto, como o coveiro cumpre o dele de enterrar o cadáver, as mulheres cumprem o seu de chorar e os homens o de discursar. Cerrando bem meus olhos vejo um homem, todo vestido de preto, proferindo: “Que Deus receba nosso querido Pedro entre os seus!” De tal modo, que nesta estação, descobri toda a beleza e bondade escondida nos cantos do coração. O homem de preto ainda fez sublime afirmação: “Sua vida valeu a pena!” A felicidade que sinto em constatar que a vida vale a pena compensa todo o esforço que fiz para escrever este texto enfadonho. Porque, além do mais, viver, plenamente, implica em passar por percalços, recuperar-se deles, em seguida cair novamente e, por fim, levantar-se outra vez. Mais uma hipocrisia? Não sei dizer... Sei que caminhar desta maneira sucessiva, constante, é devido ao ritmo que é mesmo incessante. Agora, que estou ao lado da morte, reconheço: viver é bom...

Por certo fui o mais feio, monstruoso e horrendo cadáver; jamais visto. Sem forma nem figura humana, conservaram-me coberto e no mesmo dia sepultaram-me, quase clandestinamente, pelo temor.

Entretanto, louvável leitor ou leitora, ou quem ainda estiver firme a olhar para estas pobres letras, admiro-me deveras da vossa perseverança e vosso interesse por ter chegado até a presente linha; demonstra como a vida é, realmente, assídua. Mas fique calmo! Pois já estamos no arremate deste alfarrábio; ou seja, está terminado vosso calvário literário e/ou tedioso. Contudo, devo dizer que estou grato por vossa fidelidade para com este texto ou, ao menos, persistindo em lê-lo até o fim; e, além disso, reconheço que saiba apreciar beleza onde, à primeira vista, só existem coisas horríveis. Conquanto a mim, que permanecerei pobre de espírito, sei apenas ver a hipocrisia nas coisas aparentemente mais belas.

Posto também, sendo muito honesto, que não escrevi para os cinco leitores, talvez nem mesmo um leitorzinho sequer daquele outro defunto autor; se bem que, por enquanto, ainda sou finado novo... E, antes do futuro eterno, admitamos que tanto o sucesso como o fracasso sejam falsos, assim como a vida que pode ser boa ou ruim. Mas veja que consideração que lhe tenho, mesmo eu já estando morto. Posso estar neste momento escrevendo apenas para a vossa leitura, mais nenhum outro leitor. A não ser a querida amiga dona leitora, pois, segundo o caríssimo autor do blog - a quem, aliás, agradeço muito o barganhado espaço e o recomendarei muito bem nas audiências que terei com as autoridades deste mundo que estou - ela sim acompanha esta web página desde o começo e por todas as suas linhas.

Porém, não ter leitores não quer dizer que escrevi mal, nem bem; mas acredite, fiz o melhor que pude. Não duvide, dona leitora! Meu estilo de escrever não é apurado, refinado, nem conciso, não segue as regras de bem escrever e nem da capacidade de emocionar os que lêem. Infelizmente, não sou grande estilista! Minha escrita é de baixos fundos, da ralé. Em todo o caso, não escrevo por arte e sim para preencher a eternidade até algum outro anjo vir me buscar, assim eu também revivo um pouquinho minha vida terrena, minha juventude... Não imaginas como os invernos são chatos na minha estação...

Contudo, reconheço que vossa pessoa tenha me ajudado na tarefa de ser meus olhos neste meu escrito que venho a publicar aqui. Sou-lhe grato por isto! Porém, não posso dividir os direitos autorais do texto porque vosso amparo e critério chegaram a mim muito frouxos... Anemicamente! Além disso, há mais de um narrador nesta obra; quer dizer, eu não escrevi o post sozinho. Por muitas linhas, deixei que próprio autor do blog narrasse os pensamentos, sem a minha escrita. Sinceramente, eu não sei se ele aceitaria compartilhar a autoria da história de seus próprios devaneios... Pergunte a ele pelo twitter, por e-mail ou, melhor ainda, deixe um comentário aqui mesmo. Portanto, ainda que eu duvide que o tão renomado senhor leitor e a tão imaculada e altiva dona leitora queiram ter o nome atrelado a este anódino texto, ainda assim, se achares que tens direito a autoria do post... Então, até o tribunal! Se bem que desconfio que estejamos em mundos opostos agora e apenas vossa senhoria pode vir me ver - e me parece bem improvável que sintas vontade na visita, ainda que um dia ela seja inevitável. Também não eu poderei visitá-lo; é que continuo cá como aí, velho. E o resfriado sempre me castiga... Esta cidade onde vivo são como os bairros terrestres da cidade de São Paulo, não foi feita para velhos... É que nem o frio nem o calor gostam muito de idosos. Como eu não tive filhos, também não deixei herdeiros, portanto, tenha certeza que ficarão para a nossa Santa Igreja os saldos desta criação. Literária? Não sei dizer. Talvez apenas um conto; ou menos, uma reflexão que passa como relâmpago rasgando a minha morada eterna. Seja o que for, sei apenas que é bom ir se preparando, amigo leitor... Seu rival na contenda pela autoria deste meu pensamento 'teológico-filosófico póstumo' é poderoso: o Santo Ofício! Senhor Jesus, perdoe-me por provocar o êmulo entre o Vosso rebanho!

Porém, esqueçamos, por enquanto, a nossa rixa. Está bem? Selemos a paz!

Concluindo sobre a temível morte, ainda não se fez claro meu destino e admito que haja medo em mim de perder a possível felicidade eterna; pois negando a existência do paraíso, incorro em sério risco de não alcançar a graça Divina. Se não existir? O que tenho eu a perder?! Já estou morto! Por tal motivo, reconheço meus vícios como uma virtude. Esta é a certeza que eu tenho de que o homem pensa, raciocina, concluí... Contudo, há uma esperança em mim de que, algum dia, tu percebas do que estou falando; francamente, espero que não sejas um velho morto como sou agora ou que o anjo da morte não esteja lhe cortejando."

Psicografado por Ricardo Novais
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