A Arte no Futebol


Tinha-me lembrado noutro dia da definição de velho cronista falando da derrota da Seleção Brasileira na Copa do Mundo da Espanha, em 1982: “Este escrete ‘canarinho’ magnífico não ganhou... Pena! Ah! Como me encantastes, time de Telê... Não ganhou? Azar da Copa!”

Foi mais ou menos este sentido que deu tal cronista daquela derrota, talvez nem tão literalmente nem de maneira tão simplória, mas a acepção é a mesma, e, de tal modo, a competência do autor de pouco vale, ou nada! – Exclamo que não tinha olhar neste mundo, quanto mais lá em terra de Espanha.

O fato é que pensamento de grau sincero e dolorido dura pouco, logo vem outro sufragar o ponto de origem. De modo que vi-me triste esta semana, jogaram pela UEFA Champions League: Barcelona vs. Internazionale.

Os catalães encantam com seu toque de bola refinado; eles têm Lionel Messi, o melhor jogador do mundo. Meio-de-campo firme, técnico, habilidoso e flutuante. Esquadrão fantástico regido por inspirado maestro, Josep Guardiola, este profundo amante da arte que leva torcedores de todo o planeta ao delírio com sua equipe azul-grená se apresentando em espetáculos tocantes por palcos de grama.

De outro lado do campo, com seu futebol pragmático (salvo o meia Sneijder), apresenta-se a Inter de Milão orientada pelo treinador gaúcho – ops! – treinador português José Mourinho, eficiente, burocrática e chatíssima! Mas que, no entanto, venceu o primal time que joga bonito.

Velhas múmias levantam das catacumbas, as vozes ressurgem... Insurgem, vá! Se isto lhe parecer cruel, desgraçado torcedor, é porque não amastes o esporte bretão como este pobre autor que escreve texto tão lamurioso de perdedor.

Por que perde o Santos, de Feitiço e Araken Patusca, o ‘Ataque dos 100 gols’, nos anos de 1920? Por que perde a Hungria de 1954, do genial Puskas? Explicais, “deuses do futebol”, o que tiveres contra a Holanda, magnífica 'Laranja Mecânica', em 1974? E tantos que perderam parecendo que venciam; como aquele esquadrão do Galo, do ‘rei do Mineirão’, e aquele time do Fluminense que coloriu de sentimento tricolor o velho ‘Maraca’ em fatídica final de Libertadores...

Sim, dona torcedora, verdade que outras tantas equipes excelentes e encantadoras consagraram-se premiadas recebendo títulos: o “Expresso da Vitória” vascaíno, a “Máquina Tricolor” do Fluminense, a “1ª Academia” palmeirense, o Santos de Pelé e companhia “fantasmagórica”, o glorioso Botafogo de Garrincha, o São Paulo de Telê, o Cruzeiro de Tostão, as maravilhosas tardes no velho 'Maraca' do Flamengo de Zico, o Galo e sua “Era do Gelo”, a “Democracia Corintiana”, o incrível Inter de Falcão e sensacional Grêmio de 1983, o Milan de Baresi (extraordinária linha ofensiva formada por Frank Rijkaard, Ruud Gullit e Van Basten), o Manchester de Cantona... Enfim, eu poderia ficar aqui com este velho pensamento prazeroso, puxando pela memória de enciclopédia muitos times sensacionais do nosso futebol e não terminar este post nunca. Apreciei deveras esta ideia, mas não! Devo ater-me à derrota do 'futebol arte'. Ah, Barça! Por que perdeste justamente agora que tanto maravilhara as retinas de tão desgraçado torcedor?

Barcelona do genial Ronaldinho Gaúcho (Ô, #Dunga, leva o Gaúcho e o Neymar!), venceu. Barcelona de Messi, também venceu. Não falo das vitórias de ofício, nem de títulos ou comendas. Falo do encantamento da vida, daquilo que em tal grau me faz feliz. Sorrir com sinceridade não são para times eficientes, burocráticos e chatíssimos. A dona leitora, que nem muito apreciou este futebol catalão, sabe do que lamento; ela sim reconhece a beleza e a maravilha que é a disputa de jogo.

Certo que em final de temporada resta aos torcedores catalães os torneios de “Hespanhas”; mas e quanto a nós, o que resta?

Pensou o leitor torcedor: “Ora, autor burro, e o Santos? Os “Meninos da Vila” encantam as platéias...” Tem razão, amigo corneteiro; tem razão, não fosse o fato de que os cronistas falam, escrevem, destilam suas sabedorias futebolísticas com quilômetros de língua. As múmias amaldiçoarão o futebol bem jogado e dirão: “Futebol bonito não vence nada, o que levanta o ‘caneco’ é o comprometimento do grupo”. Dirão isto e não nos resta nada.

Duro perceber, às vésperas da Copa da África, que o resultado é mais importante que o caminho que se percorre e as flores que se plantam nas margens do campo. Futebol feio e chato, supervalorizado. Futebol que encanta a vida, jugulado. Que azar do futebol!


Por Ricardo Novais

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