Arquivo de horizonte montanhês.
Entre
movimentos céleres e bater violento de pernas pátio afora, Rita observou rostos
desconhecidos tão dela reconhecidos d’algum lugar. Dona Esperança foi logo chegando
e lhe dizendo:
-
Que belezinha! De onde você veio, menina?
-
De Minas...
Rita
achou tudo na cidade uma peça monumental. Ela veio por amor, amor ao noivo que
não foi buscá-la na rodoviária, não deu notícia alguma de seu paradeiro e não soube que ela
arrumara emprego numa pensão da Ponte Pequena. Mas dona Esperança era patroa
boa; deu-lhe comida, ofício, roupas afrancesadas e companhia certa nas noites
frias, também nas quentes.
Entretanto,
nem toda felicidade do mundo é completa; Rita sentia muita dor de solidão – não
mais do noivo antigo, mas das antigas montanhas. Numa tarde de folga ela andava
pela Praça da República quando viu um quadro belíssimo, pintado por artista
sensível e bucólico. Era paisagem de montanhas, cobertas por um verde muito vivo e
tocante, uma sobreposta à outra, como encaixadas em cenário de papelão. Rita comprou
a aquarela; sorrindo de alegria, pendurou-a na parede de seu quarto recordando-se das porteiras de sua terra natal que havia deixado para trás.
Deitada
na cama a olhar a paisagem das montanhas pendura na parede, ela imaginava tudo que o real panorama não lhe mostrava. Rita abria a vidraça
e tentava ver algo a encaixar-se entre tantos prédios, nada via além do cinza;
então fechava a janela contra o frio, vento, chuva, insetos, ladrões, fantasmas,
enfim, fugia por instantes da cidade de garras árduas. Ao anoitecer, o acender humano lhe dava
a visão desejada: a paisagem das montanhas, com a linha do horizonte a
tocar o mágico e formoso sol descambando numa luz alaranjada, discreta, bem
colocada, onde tudo é tão vasto que a pequenez não tem fim. “Deveras, quadro
belíssimo! Que artista estupendo!”, dizia ela consigo. “Sinto como se estivesse
junto de mamãe naquela serra...”.
A
vida foi assim passando para Rita; vida estéril, artificial, impessoal. É
verdade, amiga leitora; a moça sofria de tudo – menos falta de amor já que não
se pode sofrer do que não se tem. Nenhum dinheiro trouxe gosto à paisagem que ela enxergava de sua janela...
Noutro
dia dona Esperança morreu, Rita herdou a janela da patroa. Vitral maior, vista bem
localizada para o Pico do Jaraguá, onde a luz e o ar entram com maior entusiasmo
e esplendor; mas nem isto é bom consolo a quem só consegue ver é o beco, como
diria Manuel Bandeira. Rita dependurou o quadro de paisagem de montanhas à parede de seu
novo quarto, este foi sempre a sua companhia de solidão entre seus ofícios sutis e
inexplicáveis – onde a felicidade não inspira confiança alguma.
Por
Ricardo Novais