Pintura de Paul Poiret, artista francês da Belle Époque. |
Noutro dia, conversava sobre
a vida. Coisa à toa. Conversa entre amigos. Repentinamente, sem aparente razão,
uma amiga afirmou que o dia mais importante da vida é sempre o dia seguinte,
que devemos fazer o melhor hoje para colhermos amanhã. Só no dia seguinte saberemos
como o dia anterior foi importante. É... Mensagem esperançosa, por certo, quase redentora;
no entanto, soou aos meus ouvidos sujos frase de pensamento balofo de livro de
autoajuda, daqueles de quinta categoria com altas vendagens nas livrarias da
cidade; ai, como há sonhos tão bonitos dos quais temos que acordar sem querer...
Pois ora! E o dia seguinte de
uma grande bebedeira, por exemplo? Não me parece que um bêbado de ressaca
julgue ser o dia seguinte o melhor dia de sua vida. E se for o dia seguinte de
uma bebedeira abraçada de um velório de ente querido então? Ih... Temos um
problema nesta bonita mensagem de esperança; concorda, amigo leitor? Mas já? Deixou
que o texto lhe entediasse tão rápido? Seja otimista, leitor! Otimista! Pense
em coisas maiores como um grande navio encalhado perto de uma costa do Mediterrâneo;
ai, como há sonhos tão bonitos dos quais temos que acordar sem querer...
Quem sabe um dia eu
escreverei alguma história bonita também; quiçá, como grande estilista da palavra, a
minha escrita agradaria mais ao senhor leitor e, principalmente, a minha amiga
leitora, qual teima em torcer o nariz às laudas que lê por aqui. Quem sabe eu
até me esforce e leia mais textos da La Belle Époque... Que
beleza, hein? Mas quem sabe...
Em todo o caso, agora que desejo ser muito
muito pessimista e até torturador de quem lê estas linhas frouxas, acometeu-me o
pensamento de Arthur Schopenhauer sobre a vida. Curioso, a vida. A vida igual
um dia após o outro... Por que relembrei esta ideia agora? Nem sei mais se
ainda pode ser boa ideia continuar com o texto, mas, vá lá que o tempo não
para. Enfim, Schopenhauer dizia que “a
vida é um pêndulo entre o sofrimento e o tédio”. É... Esta ideia ainda
parece correta.
Parece correto também pensar
na teoria d’O Boêmio: "O mundo é um circuito fechado em quatro pontos envoltos em energia,
aleatórias e desconhecidas, subdividido em duas partes antagônicas: Alegria e
tristeza, desejo e angústia. A alegria vem para eliminar a tristeza existente, em seguida ocorre uma natural sensação de prazer, como um
fio condutor, que irá preparar o terreno para o surgimento do desejo que, no entanto, acarreta, fatalmente, no
surgimento da angústia; esta, por
sua vez, retorna, normalmente, à tristeza, que ainda
pode se apresentar com novas formas ou constituição diferente da originária. E
é, impreterivelmente, nesta ordem que mencionei acima; pois os pontos
energéticos não vão de encontro um com o outro, não se completam e nem mesmo
andam juntos, apenas servem de alimento para o surgimento do próximo ponto de energia.
Entra um, sai outro! É, exatamente, por isto que não há, essencialmente,
equilíbrio no mundo".
O mundo é uma representação
das relações mantidas com este circuito fechado de quatro pontos, como os pontos cardinais
ou as estações do ano?
O verão se sobrepõe à
primavera e o inverno se sobrepõe ao outono, mas o verão não encontra o
inverno; por que tanto a primavera quanto o outono preparam o terreno para o
cultivo da próxima safra?
Sim, leitor; que peculiar
representação do mundo. É isto tão-somente a felicidade ou busca desta, diria
qualquer velho de idade ou de alma.
Em tempo, não conheço a dona
felicidade, de modo que a aparência externa das essências é coisa divertida por
demais aos meus olhos que descansam sobre lentes trincadas e riscadas...
Ora, veja senhor leitor
pensador e dona leitora filósofa; veja o que vem de uma simples conversa trivial
aliado a um adotivo pensamento que me acometeu; pensamento este que nem meu é,
é do pessimista senhor Arthur. Porque fui eu relembrar deste pensamento, meu
Deus? A culpa é de um vigário que conheci, há muito tempo, lá no bar da Vila; não
tivesse ele me indicado os livros do senhor Arthur, também não os teria lido e
agora não teria desenvolvido toda esta ideia confusa e desocupada. Maldito
padreco! Ora! Quantas linhas eu desperdicei aqui nesta ideia tola de circuito
fechado como
representação do mundo? Não fosse mais este meu desvio a assuntos enfadonhos e
pesados, talvez, a querida leitora até sorrisse mais quando vê a foto do autor
aí ao lado. Maldito hábito este o meu de encher de retórica balofa e sem
significado os espíritos mais críticos; repare como muitos temas insurgentes
nestas páginas que estou a escrever são elementos independentes, sem relação
com o contexto, na qual fica clara a ruptura com o sentido do tema que eu
próprio abordei... Por que eu não escrevo com mais prazer e mais esperança? Há
tantos leitores que apreciariam muito a Belle
Époque ou os pensamentos de autoajuda, bonitos e
esperançosos. Está decidido! Está decidido! Não me pegarei mais do pensamento de
outros. A não ser que seja necessário; senão, jamais.
Por Ricardo Novais
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