Livros velhos sob à velha mesa...
Lembro dos três livros sobre à escrivaninha com curta lágrima no olho direito. Meu avô estava morrendo, consumido por câncer. Toda vez que retorna a lembrança daqueles livros, confronto-me diante do enigma que é a morte. A morte é a morte!...
Cecília Meireles escreveu, certa vez, no Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro, em mesmo ano de sua morte, talvez já a pressentindo, umas linhas que corroboram meus sentimentos:
“Tenho horror a hospital, essas casas de tortura – passo mal só em avistá-los, de longe: no mundo que minha imaginação figura eles seriam completamente abolidos – todas as pessoas teriam o direito de morrer em paz, em suas casas, de morte natural”.
De meu avô Nicolau sobraram apenas os três livros velhos sob à velha escrivaninha. São três livros clássicos, austeros, pesados, como era de seu feitio. O primeiro é um conto magnífico e também sintomático: "A Morte e a Morte de Quincas Berro D´Água"; o outro, um belo romance, é "Terras do Sem-Fim"; mas curioso mesmo é o que eu nunca li, "Capitães de Areia". Ele fica lá, sob à mesa de madeira empoeirada e carcomida pelo tempo; às vezes, o livro parece fitar-me, tal o modo que fixa-se em minhas retinas. Porém, poderia ser qualquer livro, pois há tantos livros no mundo... e ainda tanto mais deste escritor baiano. Mas era uma época de riqueza, para vovô; e sobraram apenas as três obras, que não se estranharia tivesse sido um jogo de dominó, de vespa, do Santo Rosário ou outro objeto peculiar.
Noutras vezes penso que a vida é para ser vivida hoje, agora. A fugaz lembrança de meu avô, sentado, lendo e pitando uma cigarrilha de fumo bruto, remete-me a isto. Ainda que sonhemos, lutemos pelo sonho, que tenhamos esperanças e corramos ascendendo numa grande escadaria. Uma hora cessa, para, acaba. E aí, o que acontece?
Não sei. Só consigo me lembrar dos malditos três livros, já de folhas encardidas e corroídas pelas traças e outras pragas, lá em cima da escrivaninha de vovô Nicolau. Amado vovô! Saudade, vovô.
Por Ricardo Novais
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Por Ricardo Novais