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Os demais executivos,
advogados e sócios não demonstravam ter mais confiança naquele empregado.
Postergado ainda por algum tempo, no fim de duas semanas, o chefe afavelmente convida a José Carlos para um descompromissado almoço:
- O pessoal do financeiro
quer coisas impossíveis... – principiou a falar José Carlos, no meio da
refeição, por um assunto sem importância.
- É?! – Martinez rosnou.
- Ah, lembrei; entrego-lhe o
relatório do contencioso nesta tarde ainda...
- Não se preocupe, o doutor
Machado estará encarregado desta conta..., de agora em diante...
José Carlos baixou o garfo,
sentiu-se enjoado daquela comida, ficou paralisado por uma fração de segundos,
em seguida olhou para o seu chefe:
- Como assim?
Martinez era portenho,
sendo assim permaneceu calado.
- Como assim? Como assim?
Está me demitindo, doutor?
- Não! Veja bem, estou muito
preocupado e... já faz algum tempo. Houve uma reunião hoje pela manhã...
- A que eu não
participei, né?
- Veja, ‘chico’; não
consigo segurar... Quer dizer, você é muito instável... É ótimo, excelente
advogado, mas é instável!...
- Então está me demitindo?
- Já disse que não!
- Então?
- O pessoal de cima está me
pressionando, querem que o Doutor Machado Silva assuma as suas atribuições, os
seus contratos, enfim... Ele é experiente e funcionário de carreira na empresa... Acreditam nele... Acreditam que ele dará conta das duas funções...
- Mas ele já tem um cargo
mais graduado que o meu; ele não é sócio?
- ‘No’! Mas acredito
que seja esta a idéia para remanejá-lo; irão testá-lo.
- Sim; mas... Desculpe, o
que tem isto com o departamento? O Machado é gestor de direitos de
publicidade e imprensa...
- José Carlos! Doutor José
Carlos! Não entendeu ainda que o nosso departamento esta atrelado aos novos
setores estratégicos da firma? Confiaram em você. Você falhou! O
departamento testará outro agora... Compreende?
- O senhor testará?
- Não foi minha culpa! Eu
gosto de você, rapaz; mas você sabe que existem outros acima de mim... Sou o
responsável por todo o setor, podem me demitir; compreende?
- O doutor Machado sabia de tudo e não me disse nada?!
- Ele soube apenas hoje... Na verdade
fui eu quem propôs isto; queriam lhe demitir logo depois que você regressou à
empresa, eu não deixei... Sua sorte é que você é bom...
- Muito obrigado, muito obrigado! Estou percebendo como todos me acham bom...
- É sério! Disse aos diretores
que ao invés de contratar outra pessoa, crua, sem treinamento, remanejassem o
doutor Machado para o departamento; sei que ele é seu amigo, assim você
continua conosco, fazendo a mesma coisa, porém, sem tanta responsabilidade...
- Sem poder de decisão pra nada, você quer
dizer?!
- Ele tem mais experiência
na função; você sabe disso.
- Sim; sei! E o que vou
fazer lá agora? Servir cafezinho, tirar xérox, o quê?
- “Cabeçinha!” Você vai se
esforçar lá dentro, reconquistar a confiança de todos e progredir na empresa,
na carreira...
Heitor asseou a boca no
guardanapo, fitou o outro e perguntou:
- Não pode fazer nada?
- Sinto muito! Somos amigos,
gosto mesmo de você, mas não posso fazer mais nada... Entenda! Sinto
muito! – doutor Martinez pareceu sincero, posto que gesticulasse,
negativamente, com desgosto e desalento. – ‘ i Lo
siento! i Perdone usted! i Perdón’!
- Com licença! – O jovem rapaz pediu a
licença, mas não foi embora. Ele permaneceu alguns bons segundos batendo o dedo
indicador na borda do prato, olhando para a toalha branca da mesa, as manchas
de comida sobre o guardanapo, o azeite que parecia já ter sido utilizado à exaustão,
em seguida ergueu um pouco os olhos, saudou o chefe num lance de cabeça, ao
mesmo tempo, resmungando: "É impressionante!
Impressionante!"; ao fazer este comentário mastigado, finalmente, levantou-se e foi
embora, deixando Martinez Hasbusier sozinho no restaurante ainda por
querer dizer algo que, no entanto, não disse.
Num trabalho burocrático e
produtivo, mais hora menos hora, a corda arrebentaria; a teia cederia.
Sendo assim, na medida que perdeu espaço na empresa, José Carlos se sentiu
ainda mais desmotivado e ainda mais desacreditado. Não encontrando melhor
alternativa, ele quis deixar o emprego; os doutores Martinez e Machado ainda
ponderaram, mas ele insistiu na desistência. Um acordo foi possível
para que ele deixasse o conglomerado empresarial e tomasse rumos mais
modestos numa pequena firma de advocacia lá para os lados da grande avenida.
Vieram novas empreitadas em sua
vida profissional, e ele ganhou vaga logo na entrevista. Moço astuto! Quando
interpelado sobre sua última ocupação o rapaz não hesitou, sorrindo ao
entrevistador devolveu a questão:
- O senhor quer a história
bonita ou a história real?
Surpreso e experimentado em lealdade, conforme a lei, assim também
como gostasse de pessoas persuasivas – dizem que ele, certa vez, arrolou um
cachorro como testemunha de processo criminal e, ainda, sob juramento –, o dono da pequenina firma de assuntos jurídicos concedeu o cargo ao candidato. Tecendo outros rumos, José Carlos sentiu-se
imensamente livre.