Foto de arquivo. |
Do parapeito do velho prédio
comercial eu via aquele homem andar desproporcionadamente com um copo
plástico de chope nas mãos. Era um domingo, uma garoinha gélida
contrastando com o mês de dezembro, o pedestre não estava bêbado, apenas
parecia pensar em algo que possivelmente o havia impressionado.
Eu estava no quarteirão
entre a Maria Figueiredo e a Padre Manuel da Nóbrega. Assim que meus olhos
perderam a figura do senhor que caminhava com o copo na mão, fitei um casal de
namorados vindo no sentido contrário, abraçados, unidos por algo que provavelmente
nem eles mesmos explicariam, se lhes fosse questionado. Vinham andando bem
devagarzinho, com todo o tempo do mundo que têm os casalzinhos jovens.
Ela trazia um bolsa vermelha, creio que fosse de nylon, colada em seu lado
direito e junto ao corpo do namorado. Ele falava bastante, mas calmamente e não
gesticulava, ela olhava fixamente para o chão, mas prestava atenção nas
palavras de seu companheiro.
Dali onde eu estava, eu via
o caminhar moroso dos dois namorados, sem guarda-chuva, recebiam a garoa nas
ventas, mas de tão comum não pareciam estranhar o clima. Lembrei de Nelson
Rodrigues e espantei-me: "Nada mais ridículo que casalzinho
apaixonado". Ah, mas como é bom ser ridículo!
Devo ter ficado uns bons 20
minutos, sozinho no parapeito do edifício, observando o movimento da Paulista.
Ainda que fosse feriado ordinário de domingo, o tempo fosse feio e nublado, que
estivessem me esperando, admirei-me da vida intensa da cidade que moro, a São
Paulo que não prestamos atenção.
O ônibus pára no
ponto, umas pessoas sobem nele, outras descem, os passageiros olham
distraidamente por entre os vidros das janelas embaçadas pela
chuvinha fina. Outros paulistanos entram na estação do metrô,
alguns param nas entradas, sentam nos degraus dos prédios e aguardam alguém.
Este alguém demora a chegar, acendem cigarros, os olhares mudam, ficam anciosos,
perdem-se na imensidão de concreto, tornam a atenção novamente.
Eu tive que ir embora, mas
queria ficar mais um pouco. Gostaria de saber se o velho que regia os automóveis
na ilha encravada no meio da avenida saiu de lá.
Nada além da avenida, o fio
de vento que sopra rumo à Consolação e o silêncio quebrado somente pela freada dos
carros, de um ciclista que estaciona próximo ao meio fio do cruzamento, do
distante canto de algum pássaro não indentificável, o ruído de conversa
entre dois amigos que circulam pela região vindos da velha padaria entre a
Brigadeiro e a São Carlos do Pinhal.
Retrato de uma tarde de
domingo, para ser mais preciso, às três horas e três minutos, que poderiam ser
confirmados no relógio que eu trazia no pulso esquerdo; se eu tivesse tempo de
olhá-lo.
Por
Ricardo Novais