"Tricolor só existe um, o Fluminense. O resto são times de três cores." - Nélson Rodrigues.
“ O Fluminense Football Club é o clube mais tradicional do Rio de Janeiro, fundado no
Palácio da Guanabara, com distintos homens de fraque, bengala e cartola. Mais
tarde a sede de Laranjeiras abrigou a Seleção Brasileira de Futebol, clubes de
renome internacional (como o Sport Lisboa), e, nos anos cinquenta, o temido
esquadrão do Flu, à época o mais temido do Brasil, contava com fantásticos jogadores, da
envergadura de Didi, o criador do poderoso e astucioso chute denominado na
crônica esportiva como “folha seca”, o maestro do meio campo; e já no
ataque, formado pelo eficiente Telê Santana, Waldo com seus 228 gols em apenas
quatro anos e o habilidoso Escurinho, fizeram do tricolor um vencedor
inigualável. Mas desde ontem o Fluminense é o tricampeão do Brasil.
Sempre assim, times imbatíveis, duplas inesquecíveis, títulos e mais
títulos; autêntico representante das casas cariocas. Mesmo quando tempos mais tarde o clube ficou entregue aos insetos - aliás, foi por esta época que apareceu o nojento, mas perigoso atacante Barata - ainda assim, a torcida entoava um “Neeeennnnseeee! Neeeennnnseeee!”. Entusiasmam-se as
arquibancadas. Todos os geraldinos e arquibaldos, vivos e mortos, esquecem as
diferenças e se abraçam... Arrepio de todos os pelos, de todas as emoções à flor da pele; naquele
momento eu de nada sei, mas, assaz outras vezes, apenas sinto o coração palpitar,
palpitar, palpitar... Não há nada mais deslumbrante, senhor torcedor, mais catártico, mais
universalmente colorido do que ver o Fluminense ser campeão. Entre bandeiras e o grande mosaico, colorido de todas
as galáxias, colorido divino! A benção, João de Deus.
Meu tio Quinzinho, bacalhau doente,
com sua imensa sensibilidade, sobressalta-se, surpreso e fascinado; e, mesmo sem
entender o ato, consegue ao menos me entender: “Rapazinho, pó-de-arroz?” Ainda assim,
tenta em vão insistir nas conquistas e triunfos da turma da fuzarca, no
entanto, sem sucesso. Ele sabe por causa de meu olhar; o mesmo olhar que ele
teve quando assistiu ao primeiro jogo cruzmaltino em São Januário.
A reação de papai é mais enérgica, a decepção o consome como pragas nos
gramados de São Cristóvão; ele reflete, considera, sopesa e, por fim, aceita,
ou melhor, conforma-se. Ora! Qual minha culpa se o Fluminense é meu “(...)
querido pavilhão, das três cores que transmitem tradição (...)”. A minha tradição
de amar o futebol com toda a força do imponderável. Que venham comigo aos jogos
do tricolor, no Estádio 'das' Laranjeiras, em São Januário, no Maraca, no Engenhão.
Não importa! Que jogue na lua, em marte; se o manto branco, verde e grená por
lá desfilar, lá estarei! Também não importa o adversário, se é o Vasco, o Botafogo, o Flamengo,
o Corinthians, o Cruzeiro, o Guarani, o time dos extraterrestres. Estarei vendo o
Fluminense, ao lado de meu velho tio; sempre! Lado a lado nas arquibancadas, embora a minha tradição seja de autêntico geraldino...
Torno-me sensato e louco ao mesmo tempo, com sorrisos e lágrimas misturando-se,
como o espírito adentrando ao corpo físico, à alma. Tio Quinzinho chega sinceramente a torcer pelo Fluminense. Que coração! E isto, meu amigo torcedor de qualquer time que
lê estas linhas impregnadas pela minha mais alegre paixão, representa muito; isto é tudo, para mim. O respeito que tenho por ele e
pelo CR Vasco da Gama é o mesmo que ele tem por mim e pelo meu Fluminense FC. Viajo então para um Fla-Flu eterno no tempo, na explosão de ser o maior do Brasil, de ser tantas vezes campeão. Coisas de homens, leitor! Inexplicáveis coisas
de homens e seus brinquedos infinitos. ”
*Adaptado de trecho da confissão
de Heitor do Lavradio, personagem tricolor do romance
‘O Boêmio’, escrito pelo santista Ricardo Novais, Bookess, 2010.
Por Ricardo Novais
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