A Capital do Brasil








Moeda comemorativa em celebração ao cinquentenário de Brasília, em 2010. Ora, amigo candango, vale mesmo R$ 5,00?! (Foto: Divulgação).


Doutor Lacerda, político de nacionalidade e carioca de ofício, vive na cidade de Brasília, capital do Brasil. Não há gente em Brasília. Lá não é bonito, nem feio; o lugar todo é sem rosto. Aqueles 2 arquitetos consagrados quiseram dar devaneio próprio à cidade, não humanidade, não beleza notória; há lá o senso incomum, misterioso, precisamente subjetivo a quem é gênio da modernosa arquitetura contemporânea.

Lá não é lugar de colocar lixo, nenhuma sujeira. Tudo que o homem quer livrar-se não foi e nem vai para Brasília; ao contrário disto, frequentemente os resíduos limpos fundem-se numa única opção daquela terra demasiada cauta e alastra-se para as outras entidades federativas onde, de fato, vive o povo encardido e clementíssimo. Dizem que tudo que é ruim não estaciona na cidade; mesmo o diabo só vai lá apressado e tão somente de passagem. Os jornais enaltecem a cidade, mas acusam os homens. Ora, não há homem morando, construindo vida ou simplesmente passeando na capital. Ela não foi projetada para isto.

Brasília é parte do Gêneses, primeiro criou-se a rua, a casa, a luz elétrica, a água encanada, em seguida as relações e por último o homem. Depois houve descanso. Pasme, leitor, ou confie neste autor: naquele conjunto urbano a condição humana é mínima e, em certo sentido, desnecessária ao progresso desta nossa pungente sociedade. Não! Querida amiga, não tome isto por bravata ou pouca fé de minha parte; deito aqui umas linhas que, se por um lado são frouxas, também são as atitudes de alguns personagens que já são fantasmas – ou quase.

As figuras e personalidades que, de vez em quando, surgem na paisagem brasiliense é porque não tiveram, e nem têm, outra alternativa; seus notabilíssimos arquitetos bem que tentaram evitar que o cidadão comum exale fragrância de sua vida pelo planalto adentro ou respire o ar diplomático, porém alguém há sempre de por lá passar em vontade forçada. Mas só de relâmpago e por conveniência política ou inter-pessoal...

Há muitos anos, Doutor Lacerda foi a uma festa no entorno do Distrito Federal. Encontrou lá coisa diferente da urbe planejada e concebida para ser a “rainha do Planalto Central”. No distrito de Tabatinga, no entanto, entre casas sem o mesmo projeto e perspectiva da famosa vizinha, também alguma violência, achou povo alegre e pouco refinado. Em churrasco de Zé Índio, naquela periferia da unidade da federação, doutor Lacerda esbarrou com moça de pele morena, olhos arredios, semblante desconfiado e que carrega o mesmo nome do pueril local onde nasceu: Paranoá.

Paranoá foi moça bela, exuberante nas formas e pitoresca nos gestos. Foi, porque já é morta. Doutor Lacerda sofreu crise de consciência. Tivera ele um caso com a bela indígena filha de construtores paraibanos que nada conheciam de arquitetura. Contudo, mesmo Lacerda em nada tinha desígnios da FUNAI ou outra entidade defensora daqueles subjugados pela história. De modo que o Distrito Federal também não é lugar para admoestações das angústias humanas – afinal de contas, como já compreendido pelo amigo leitor, não há lá espaço para humanos.

Embora tivesse cadeira na câmara dos deputados, Doutor Lacerda suprimiu a habilidade política e naturalizou o fruto de Paranoá. Nunca soube se a filha que nascera tinha mesmo seu sangue, mesmo assim ele pousou com gosto para os retratos sorridentes e lustrosos de ONG's dirigidas por paladinos da virtude e da justiça republicana.

A criança ainda é bebê; engatinha, chora, depende do pai. Porém dá mostras claras da fascinante herança recebida. Do lado materno, puxou a beleza e a graça selvagem; do deputado Lacerda veio a destreza nos gestos pouco imbecil e nas palavras firmes de caráter balofo que, entretanto, ainda soam confusas por causa da pouca idade. Unânime é a opinião que ela será moça de grande talento, a maior estrela numa constelação brilhante de muitas outras estrelas.

Quem cuida da pequenina Michelle é dona Iasmim. Sim; a menina chama-se Michelle La Bruiderot Lacerda, homenagem a avó galiscista do doutor deputado. Madame Michely criou Lacerda, seu único neto, em um palacete do bairro Peixoto, no rio, depois que os pais do infante morreram num desastre de navio em cruzeiro. A velha permitiu o lado imaturo do órfão, assim como a fragilidade de personalidade, o seu imobilismo e, principalmente, o seu medo da autoridade dela, mas, ao mesmo tempo, incentivou-o à ingenuidade dissimulada e à tirania necessária. Quando, porém, morreu a "vovó mãezinha" francesa, Lacerda já era doutor e, por circunstância dos novos caminhos democráticos da república, foi morar no Distrito Federal.

Casado com a política, ele deixou a filha a cargo de dona Iasmim. Esta senhora não era babá de ofício, mas de vocação. A menina sorria-lhe mais que para o próprio pai. Algumas vezes quis mesmo chamar a mulher de mãe, mas não pode; as crianças reconhecem bem seu destino.

Neste último final de semana doutor Lacerda resolveu visitar o seu Botafogo no velho ‘Maraca’. Saiu de lá tão feliz com o título de "campeão" que resolveu que a filha deveria ser criada no calor humano do Rio de Janeiro e não na impessoalidade de Brasília.

Justamente no dia de hoje ele informou, pagou e agradeceu dona Iasmim pelos préstimos afetivos à Michelle; esta ficou deveras sentida pela separação, contudo, não consta que tenha derramado lágrima. Já a menina, em 3 ou 4 horas, emagreceu, não sorri mais, chama por dona Iasmim, e  incrível! – sente falta dos ares candangos imparciais.

Do “Plano Piloto” não há registro de tese para o sentimento humano – ali deve ser apenas a capital do país, a universidade, a Igreja, toda a gente que construiu a região sabia, e ainda sabe, disto. Realmente são 50 anos em 5... Não obstante, o que não se poderia imaginar é que seja em $5 reais – ou $5 cruzeiros, dependendo da imortalidade do personagem e do tempo.

Já doutor Lacerda, o velho político, tem muitos planos profícuos para sua filha. Sucesso e prestígio; visita-a, sem maiores afagos, de vez em quando... O fruto candango que não vive próximo a árvore que o gerou, e que ainda é muito jovem, cresce a cada dia com frieza de origem e calor artificial... Mas, enfim, seja como for já há até aniversário, porém a menina Michele não sabe se irá comemorá-lo.

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Breve história da cidade de Brasília-DF:


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Em homenagem ao doutor Lacerda, o tradicional e superticioso torcedor botafoguense que queima a camisa, joga-a ao chão, mas nunca abandona seu clube - A 'Estrela Solitária' brilha ainda mais no "Clássico da Rivalidade":


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Embora seja outra história, os vizinhos do doutor Lacerda, em Brasília desde o dia 7 de dezembro de 1987, reclamaram do autor deste blogue atenção ao título do Coritiba Football Club. Entretanto, este texto é sobre assunto diverso deste; a sorte é que aprecio futebol. Além de que não há de fato muitos paranaenses por aquele planalto federal (considerando que todos estão de passagem), de modo que em simpatia aos 'Coxas Brancas', eventuais leitores desta página, e também por serem uns poucos segundos de emoção, apresento-vos o sensacional "Atletiba":


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O leitor candango deve estar decepcionado com este texto em dia tão glorioso à história do Distrito Federal. Também eu estou. Poderia enaltecer mais a ordem e a civilidade da cidade sem povo, ou a coragem, inteligência e genialidade de seus construtores. Oh, quiçá se tivesse ficado apenas naquelas sábias considerações drummondianas; teria apenas ater-me-ido ao desejo prudente de escrever algo belo sobre nossa capital. Mas é que também eu nunca estive lá... Digo tudo, vá! Jamais viveria em uma cidade onde não há esquinas; pois se não  existem esquinas, não existem lá botecos. Eis todo o mal.

Por Ricardo Novais
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