Brasileiros,
Mais uma vez as forças e os interesses
contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me
acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam
sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a
defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.
Sigo o destino que me é imposto. Depois
de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros
internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de
libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei
ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais
aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do
trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a
justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar
liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás
e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi
obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre.
Não querem que o povo seja independente.
Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do
trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações
de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100
milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso
principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta
pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora
a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em
silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que
agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se
as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo
brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.
Escolho este meio de estar sempre
convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado.
Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a
luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento
a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a
vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa
consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo
com o perdão.
E aos que pensam que me derrotaram
respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida
eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu
sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu
resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do
povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram
meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada
receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da
vida para entrar na História.
Rio de Janeiro, 23 de agosto de 1954.
Getúlio
D. Vargas
***
Leitores,
Logo depois de escrever as
linhas acima, Getúlio Vargas, Presidente da República, retirou-se desta vida
dando um tiro de revólver contra o próprio coração.
No dia em que nós entendermos,
um pouco que seja, os motivos, não os motivos políticos, mas as causas
ideológicas, as consequências sociais e morais, a vaidade pessoal e o altruísmo, a glória e a
desonra, enfim, no dia em que lermos cada palavra, cada linha desta Carta
deixada por Getúlio com algum entendimento, seremos, certamente, uma república
federativa um pouco melhor, teremos um processo eleitoral mais transparente e
mais justo, e um eleitorado mais reflexivo e mais consciente.
Quando estivermos preparados
para a dissertação desta Carta-Testamento, certamente, a autêntica personalidade
deste povo estará finalmente formada – e, mesmo com toda a nossa incorrigível preguiça
da vida, alcançaremos a paz sublime sob toda a Nação e em nossos peitos também reinará uma silenciosa alegria.
Por
Ricardo Novais
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