Dilema dos Olhares de Aço


Senhor leitor e dona leitora, eu contarei uma pequena história de amor. Mas estou desconfiado de que as damas românticas lamentarão o final da trama e os cavaleiros valorosos se revoltarão contra o desfecho da aventura. Então, dei-me licença um instante, eu vou levantar um pouco da frente da escrita, esticar um pouco as pernas, indo à janela avistar a confusão da cidade, tomar um café, pensar um pouco na narração e em como proceder com ela. Já já retornarei...

Olá, estou de volta. Não demorei um nadinha, não é mesmo?

Já pensei sobre meu dilema. Como disse, eu estava tentado a mudar o curso da narração, porém, não seria justo alterar o rumo da prosa, isto não seria justo com vossa senhoria que me acompanha tanto por este pueril espaço virtual, fiel leitor e fidelíssima leitora. Custa-me contar, chega mesmo a embrulhar-me o estômago e virem dores à cabeça, mas devo ser leal a veracidade da história; por isto mesmo não posso, absolutamente, abster-me de dar desfecho a este caso de amor. Eu quis de fato sair à francesa, entretanto, não podendo, conto-lhes o que aconteceu... De modo que vamos à tormenta. 

Certo dia, um amigo veio ter comigo no escritório e intimou-me a irmos ao bar de esquina; havia algo a dizer.

- Pois diga, meu velho amigo!

- Olha, cara... Tenho uma coisa pra te falar... Eu considero você como o irmão que não tive... Sabe disto, né?

Assenti com cabeça estranhando. Ele continuou tartamudeando:

- Mas, por isto mesmo, preciso saber...

- Fale, rapaz... Fale de uma vez!

Ele não falou de imediato, pareceu reunir forças, depois manifestou apenas o título do capítulo ardiloso que ia tratar:

- É sobre Madalena...

- Ah, não! Esquece! Ô! Eu nem a vejo mais... Pra ser sincero, até que penso nela, às vezes... Certamente eu torço para que ela seja feliz, mas longe...

De fato, eu proferia estas palavras com pouca convicção, embora sorrindo insinuando despreocupação, quando fui interrompido:

- Espere! – disse o meu colega, muito afetado.

- O que foi que você está tão exaltado? – perguntei pulando da cadeira.

Compreendo que era difícil dizer, o pobre-diabo travava-se todo. Insisti com ele para que contasse de imediato, posto mesmo que eu já pensasse ter acontecido algo terrível à minha ex-namorada:

- Ela está bem? Aconteceu algo com a Madalena? O que foi? Fala logo, porra! – eu já esbravejava com ânsia sorvendo a cerveja.

De certa forma, era sim algo terrível:

- É que Madalena está...

Meu Deus, dona leitora! Este mundo em que vivemos ainda consegue me surpreender. Já disseram antes que o mundo todo está em todo mundo, mas há certas coisas que parecem vir de lugares muito escondidos, coisas ensaiadas que não vêm de logo ao conhecimento e ficam guardadas nas entranhas humanas. Porém agora é tarde para desistir de contar, se o café que tomei a pouco não estivesse tão frio... Bem, mas veja o que foi a mim revelado:

- É que... Madalena está comigo! Estamos juntos!

Às vezes, tudo que um homem quer é ter uma máquina com o efeito mágico de paralisar tudo, imediatamente. Porém, eu não tinha a tal máquina e empalideci na mesma hora, sem mais saber articular palavra. Não pense que era porque eu não conseguisse falar ao meu amigo, na verdade até quis, mas o engasgo na traquéia me atrapalhava. O coração galopava dentro do peito, já no quadrante seguinte percorreu-me algo por incertos caminhos dentro do organismo. Assim, tudo naquele momento me afetou as ideias. Confesso que em meio aquilo que ali ouvi só consegui gravar duas palavras do que meu desgraçado amigo pronunciou: “Estamos Juntos!”.


- Estão juntos? – eu ainda balbuciei.

- Estamos juntos! – ele confirmou.

Não! Eu não o achei desleal, sobremaneira; após alguns minutos de recuperação, declarei meu beneplácito. Mas fiquei prostrado com a notícia. Não culpei ninguém. O país é livre! Meu maior amor nesta vida se apaixonou pelo meu melhor amigo, qual este já dissera também, em oportunidade, ser eu o seu melhor amigo. Contudo, nem mesmo eu tive culpa importante; pois a coisa essencial a saber é que foi amor pela mesma mulher. Este é o mal; o mal é que dois homens se encantaram por uma só alma. Porém, amenizando ao instinto, conforto-me pensando que o intruso desta história toda não fui eu. Talvez nem haja algo a lamentar.

Mas sabe o que é terrível, leitor? É que, embora amasse Madalena muito ainda, eu devo reconhecer com sinceridade que não queria mais nada com ela – por razões que não direi aqui. Entretanto, é verdade também que custou-me aceitar que a desgraçada tivesse algo com outro alguém; e principalmente se este alguém fosse um conhecido e, além disto, conhecido parvo calhorda sabedor da angústia amorosa por qual passei com aquela mulher. Em tal caso este foi todo o meu desgosto. Madalena não estava mais comigo, sim, mas ela ainda estava em mim, em algum canto do coração onde o egoísmo da paixão tece sua teia rancorosa e irascível. Sei que o leitor de pouca paciência me dirá egocêntrico ou imaturo e que a querida dona leitora me acusará de machista ou mesmo de estúpido, contudo, desconte, de algum modo, que quando olhei no relógio de pulso eu tinha perdido o amor da minha vida, quando olhei ao relógio a própria vida tinha passado.

É preciso ter 'Nervos de Aço'...


Primeiro, declaro: isto é um conto daquele mesmo lugar entre a imaginação e a realidade; de modo que qualquer verossimilhança é coincidência. No vídeo vemos o grande compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues, torcedor e autor do hino do Grêmio Football Porto-Alegrense, comentando e cantando a música, de sua autoria, Nervos de Aço; na segunda parte o grande vascaíno Paulinho da Viola interpreta a canção com extrema maestria.


Por Ricardo Novais
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