Cléber
era meu melhor amigo. Trabalhávamos juntos em uma empresa de informática. Eu
era solteiro, Cléber era casado, casado com Renata. Renata era muito ciumenta.
Nada de futebol, chopinho ou churrascos nos finais de semana. Renata tinha medo
que Cléber se enrabichasse por alguma “nega”, como ela dizia entre as amigas da
vizinhança. Não, leitor, não pense que era um tribufu, ao contrário, era uma
mulher muito bonita, porém, como muitos deste século, Renata padecia de baixa
autoestima.
-
Neto, cola lá na minha casa hoje à tarde para tomarmos umas cervejas, vamos ver
o Timão jogar? – Cléber me convidava sempre em dia de clássico Majestoso.
Eu
era são-paulino; Cléber, “coringuento”, como ele denominava um torcedor
tradicional do Corinthians. Eu sempre ia ver o jogo na casa dele. Renata
gostava de mim; fazia salgados, trazia cervejas e sentava abraçada ao lado do
marido. Aquilo me irritava, um pouco. Tarde da noite, eu ia embora sempre meio
bêbado e atordoado com as conversas de Renata e Cléber.
Um dia,
Cléber resolveu ir acompanhar seu time em um torneio fora do país. Ele era
torcedor fanático. Renata não foi, pareceu triste. O casamento parecia não ir
bem, o ciúme obsessivo dela, aliado à indiferença de Cléber, atormentavam os
dois; era perceptível a todo o prédio. Ah, eu ainda não disse, não é mesmo,
leitor? Então digo agora. Eu morava no mesmo prédio que o deles, só que no
terceiro andar enquanto que eles moravam no oitavo.
Na
segunda noite sozinha, Renata me convidou para jantar. Fui. Jantamos,
conversamos, gargalhamos, transamos. Não me julgue, implacável dona leitora.
Cléber era um bom sujeito, mas amor não se escolhe. Renata amava Cléber. Eu os
amava. Quando o Cléber retornou da viagem com toda a torcida de seu time,
Renata contou-lhe tudo – a traição, autoria, detalhe e concluiu como “caso
aventureiro” – e suplicou o perdão do marido.
-
Não! Como pode fazer isto? Não acredito... Logo agora!... Neto? Como ele pode
fazer isto comigo? – Cléber chorava como criança, mas dava murros na mesa como
um assassino prestes a atacar seu inimigo.
Repentinamente,
levantou-se da cadeira do quarto de dormir e saiu correndo, gritando:
-
Isto não fica assim! Isto não fica assim! Neto me paga! Ah, não
fica assim!
Há
coisas, meu amigo e minha amiga, que só se sabe depois. Como isto é um conto, antecipo
o que já ocorreu antes de ter ocorrido; até este parágrafo, evidentemente. Agora
sei que, depois que o Cléber saiu furioso, batendo porta, esmurrando o
elevador, Renata, receando o pior, tentou cessar o choro, tentando acalmar-se,
e sopesou que tinha que fazer algo para evitar uma tragédia. Então, foi atrás
do marido-corno. O elevador já havia descido. Parou e então ela saiu em
desabalada carreira em direção às escadas. Desceu, correndo, tropeçando,
engolindo choro, remorso e o desespero de uma morte anunciada há pouco.
Sentia-se culpada. Chegou ao andar, terceiro andar, o andar que eu morava. Parou.
Andou lentamente pelo corredor. Parou novamente. Estava em frente a meu
apartamento.
Cléber
discutia comigo:
-
Como pode fazer isto, Neto?
- Por
vingança, Cléber. Você acha que é fácil? Aguentar você com ela e eu sempre me
contentando em esperar? Ah, vá pra...
- Mas
logo agora? Se eu fui viajar justamente para dar um tempo, para tomar coragem e
contar tudo à Renata? Eu ia me separar dela, seu imbecil! Eu ia me separar dela
para ficar com você, seu cretino!
Nisto,
Renata entrou no apartamento. Ela escutara tudo atrás da porta, que havia
ficado entreaberta.
-
Renata? – eu gritei. – Renata, eu te amo!
- Ai,
meu Deus! O que é isto? Vocês... Vocês... Vocês... Um casal?
-
Perdoe-me, Renata. Eu ia te contar...
-
Cala a boca! – ela gritou colocando as mãos sob as orelhas, mas os ouvidos
estavam abertos.
- Eu
te amo, Renata! – eu exclamei.
- E
eu amo você, Neto! – gritou Cléber.
-
Bichas! – concluiu Renata e saiu correndo.
Renata
saiu correndo, entrou no elevador e fechou a porta. Cléber me segurava. Dei-lhe
um murro. Fui atrás de Renata pelas escadas. Toquei a campainha, arrombei a
porta. Renata havia pulado da janela do oitavo andar. Eu perdi o chão. Cai no
assoalho e chorei. Levantei-me com a polícia me fazendo perguntas e com o
síndico dando a última notícia:
- Mas
que tragédia nesta família! Dona Renata pulou da janela e... Bem, sabe, doutor
Neto, o doutor Cléber... Bem, o doutor Cléber está pendurado pelo cinto da
calça em uma pilar de seu apartamento...
Há
coisas que não se explicam, senhor leitor e dona leitora. Como um cinto de
calça aguenta o peso de um homem e como um homem não aguenta o peso da dor de
uma derrota em um clássico do futebol? Há coisas que não se explicam.
Por
Ricardo Novais