Império da Mediocridade Republicana

No Rio de Janeiro, capital do Segundo Império Brasileiro, fediam o Imperador, a Imperatriz, as princesas, os duques e condes, viscondes e arqueduques, enfim, toda a corte da Quinta da Boa Vista tinha aspecto nauseabundo.

As ruas fediam a estrume, os pátios podres de mijo, as escadarias tinham odor da madeira estragada que não era enviada à Metrópole Lusitana; havia fezes de ratos por todo lado; as cozinhas, exalavam couve estragada e gordura velha; estagnados sem ar, as câmaras eram mofadas; os aposentos, os lençóis, os travesseiros, tudo era seboso; os colchões de pena ficavam úmidos do suor sujo dos homens que mal tomavam banho uma vez por semana; e o odor de azedo afetava as narinas que aproximavam-se dos penicos e das latrinas; os calçamentos eram decorados com merda.

Bandeira Real do Segundo Império Brasileiro.


Os homens suavam como porcos e suas roupas não eram lavadas; a boca vazia das mulheres fedia a dentes estragados, o estômago à cebola e a queijo vencido; e o corpo, quando já não se era mais bem moça, tinha cheiro de bacalhau deteriorado ou a leite azedo; todos no reino tinham doenças infecciosas.

Época da Regeneração do Rio, feita pelo prefeito 'verme' Pereira Passos


Fediam o povo e o sacerdote, o pecador e o gerente da casa bancária, o empreendedor da casa de pólvora e a dama da alta sociedade fidalga, o aprendiz e a mulher do mestre, fedia toda a nobreza. Os duques, como animal de rapina; as marquezas, como cabra velha.


O povo e a nobreza em pedição de miséria moral.
Fedia todo o Império, de norte a sul, do Atlântico às missóes espanholas, tanto com brisa do mar como com calor do sertão, tanto no verão quanto no inverno, montados a cavalo ou carregados pelo tílburi. O grande reinado era infestado de insetos, febre amarela, varíola, peste e toda espécie de maldição. Pois a degradação social e moral foi a marca do Brasil daqueles tempos; talvez, ainda seja...


Panorama triste, por volta de 1898, já na 'florescente' República.


Mas foi neste século XIX, sob estas condições nojentas e parasitárias, que viveu no País um homem que pertenceu à galeria dos mais geniais e dos mais desprezíveis da história deste povo. Ele chamava-se Benjamim Constant...


Bandeira Nacional da República Federativa do Brasil a tremular.


Tudo era ruim, podre, falso, repugnante, fético, extremamente malcheiroso; mas não há nada por estas bandas que não possa ficar pior... E ficou!


Consequência da reforma 'burguesa' do ínicio do século XX, no Rio.


Se hoje ele não é tão lembrado como outros geniais monstros como Vargas, por exemplo, e seu nome caiu no esquecimento, é pela sua arrogância.

Constant era exímio militar de carreira. Como tal, tinha desprezo pela raça humana, a imortalidade, era extremamente vaidoso e se concentrou na formação da República Positivista de cordeirinhos adestrados, sem criatividade autêntica e desconhecedora da própria identidade. Influenciado pelas ideias 'galicistas' de liberdade e também por teorias detestáveis de Arthur Gobineau - autor de Ensaio Sobre a desigualdade das Raças, tido como a bíblia da Era do Rascismo Científico Moderno - Benjamim Constant apregoou o 'ideário' militar ogro e cheio de pensamentos preconceituosos contra o povo civil (em alguns aspectos contrariando o próprio "mestre" do mundo das regras e das ordens, o filósofo francês Augusto Comte).

Foi este militar vaidoso e político conspirador que articulou, traiçoeiramente, o grande movimento que culminou na Proclamação da República. Isto o que ele fez, nada mais.

O importante foi o mérito pessoal, a vanglória, o nome gravado nos livros de história e nos quadros de homens poderosos. O povo brasileiro, suas origens, suas vontades, suas crenças, sua concepção de fé na vida, nada disso foi levado em conta; foram apenas peças de um presepinho montado bem longe, lá para os lados da Tijuca ou além Engenho.


Moradias 'destorcidas' de parte do povo carioca, 3º Milênio.


Benjamim Constant foi o grande embrião desta nossa sociedade, pedantemente plagiadora e genialmente hipócrita.

Sentiu-se injustiçado pela recém-formada classe republicana bajuladora e viciada nos mesmos costumes do velho regime. Também foi atraiçoado. Frequentemente, mudam-se as roupas, mas as 'virtudes' ficam empregnadas no corpo, no modo de vida do homem.

Assim, morreu. Benjamim Constant morreu de doença grave à época, mas virou nome de rua, de praça, de escola positivista que, hodiernamente, influência as leis, as ordens, a Carta... O mestre sabia que seus discípulos formariam esta nossa sociedade 'galiscista dos trópicos'.

Contudo, plagiando mais um verme da história desta Nação, desta vez da área das letras, o poeta Olavo Bilac, que, comentando os textos do inigualável Augusto dos Anjos que havia acabado de fenecer de angústia, disse o seguinte: "Este era o poeta, este era o poeta? Pois então fez bem ele em morrer!". Então, por fim - para não angustiar mais a querida e tão prudente dona leitora, assim como para não revoltar o distinto cavaleiro que neste momento está aí a ler tais lamúrias, ainda porque é muita escrita para pouca vida - também eu faço o mesmo singelo protesto: São estes os brasileiros? São estes os 'franceses' pedantes que somente dissiminaram o caos e fome a este sofrido povo? Pois fizerem bem eles em morrer!


Pátria Amada, 25 de Novembro de 2009.



Por RICARDO NOVAIS

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* Esta crônica é um ponto de vista pessoal e de total responsabilidade de seu autor. Foi inspirado na história do Rio de Janeiro do século XIX; no Brasil monárquico; no Brasil atual; e o pano de fundo são os poemas de Augusto dos Anjos, tão injustiçado pela sociedade 'europeizada' de seu tempo que não soube reconhecer o talento deste genial pensador e poeta da angústia humana; também influenciado pelos textos do escritor Raul Pompéia; e baseado nos 'adjetivos odoríficos' que aparecem no livro O Perfume, do 'magnifique' escritor francês Patrick Suskünd.
* As imagens são de divulgação e foram retiradas nos seguintes web sites: www.arquiteturabrasileira.com; www.rio.fot.br; www.bricabrac.com.br; www.memoriaviva.com.br; www.diariodorio.com; www.almacarioca.com.br.
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