Conversão de Santo Agostinho, pintura de Fra Angelico. |
Pedro Antônio nasceu
numa grande cidade brasileira. Seus pais, típico casal de classe média
e pinguço. O pai beberrão houvera desenvolvido sintomas alcoólicos de
desintegração emocional sob a forma de perversão obsessiva e surtos de violência.
Em decorrência disso, a mãe de Pedro voltou-se para a religião,
repudiou o líquido pecaminoso e transformou suas frustrações e desapontamentos
em ambições para o filho.
Desde o início a mãe o
oprimiu, embora em nenhum momento ele ouse uma palavra contra ela, cujo cristianismo extravagante e
puritano perpassa sua vida desde o primeiro sopro. "Eu era de fato um
grande pecador", ele sempre comentava, sem ironia, a respeito de seu
desgosto com a família e em relação às aulas.
Mais tarde, já adolescente,
Pedro realmente saiu da linha. Junto com colegas de escola, roubava para
sustentar o vício recente com o álcool e drogas. Como resultado dessa vil
iniquidade, entregou-se à orgia de autoflagelo que continuou até
o final das profundezas do abismo. "Eu estremeço ao olhar para isso ou
pensar em tal abominação", vivia ele a repetir esta sentença a quatro
cantos e a todas as mesas de botecos, vielas e prostíbulos.
O que quer dizer tudo
isso? Leitores com propensão à psicologia talvez encontrem traços simbólicos no
jovem rapaz roubando para sustentar os vícios inerentes à sociedade, mas essa
explicação seria por demais superficial, até fácil. Não havia dúvida que a mãe
de Pedro, mulher austera, guiava a vida doméstica da família. Ela chegou
inclusive a convencer o pai alcoólatra de Pedro a se converter
ao cristianismo, provavelmente durante uma crise, no ano anterior de sua
morte. E quando ficou evidente que o jovem filho havia herdado alguns dos
inconfessáveis hábitos do pai, ele foi banido de casa. Por pouco tempo, é
verdade. Matou a mãe à marteladas, e com um martelinho de bater bife. Ali,
virou um ser inominável!
Neste ínterim, continuou
pelejando com o problema das drogas. Desesperado, algumas vezes chegou mesmo a
voltar-se para Deus, implorando-Lhe, tocante como Santo Agostinho em suas Confissões:
"Senhor, dai-me a castidade, mas não ainda". Não podia deixar Deus
curar-lhe cedo demais das doenças viciosas que ele desejava por mais que
fizesse exame de consciência. Pedro Antônio, um garoto extremamente brilhante,
diziam as línguas conhecidas, e também um desordeiro, outras línguas
conhecidas refutavam. Os desconhecidos adoravam-no. Mais tarde, contaminado
pela paixão fosca e apedreja, foi viver com uma mulher da vida, com quem
partilhou, pela primeira e única vez na vida, relação de amor e
fidelidade. Acidentalmente. Madalena deu-lhe um filho; no entanto, o
púbere não vingou em nada. Assim como sua amada, o nada da
ilusão. Felicidade reiterada, e lhe retirada. Morreram seus amados.
Desgraçados!
- Senhor, dai-me a
castidade, mas não ainda... E, se puder, livrai-me do fogo do inferno!
O pobre-diabo não era
apenas um pedante que cultivava um problema; o desassossego que o conduziu em
tais extremos de lascívia e de degradação também o guiou em direção à
descoberta da verdade de si mesmo; julgou assim em certo dia de ressaca.
Qual a razão deste comportamento?, repetia ele à própria
alma. Como ser tão completa e mesquinhamente vil e corrompido e, ao
mesmo tempo, aspirar alguma pureza?
A psicologia e a psiquiatria
o enquadrariam na mais completa normalidade; já
o cristianismo oferecido pela mãe parecia demasiado simples para
satisfazer seu intelecto exigente. Ele precisava de uma explicação que fosse
suficientemente profunda para que ele pudesse acreditar nela. Começou a se
interessar pela filosofia, mas esta igualmente não oferecia solução e só lhe
fazia rir.
Num dia maravilhosamente
imbecil, essa crise de espiritualidade o deixou à beira da estafa mental.
Perturbado pela raiva e pela angústia, em estado de indecisão quase
completa, buscou alívio na quietude do bar. Por algum tempo, virou doze ou
treze copos de doses dos mais variados destilados, violentamente. Enfim,
atirou-se sob à mesa e chorou, copiosamente. Contudo, percebeu que
milagrosamente não tinha sequer mísero sinal de
embriaguez. Imediatamente parou de soluçar, levantou-se e, ali mesmo, procurou
na mochila e encontrou uma copia das Epístolas de São Paulo, que
eram de sua mãe, abriu-a e leu as primeiras palavras que viu: "(...) não
na orgia e na embriaguez, não na luxúria e na lascívia, não na disputa e na
inveja. Ao invés disso, tome a si o Senhor Jesus Cristo e não se demore mais
pensando na carne, a fim de saciar seus desejos". Milagre! Foi um milagre
sublime; sonhou, não fez mal em sonhar. Naquele ato, o pecador se converteu;
transformou sua história e estava decidido a ser crente e temente a Deus, mas não
há paraíso sereno e paz na Terra aos homens de boa vontade. Súbito, desencarnou
ao sofrer violentíssimo ataque fulminante do miocárdio em decorrência de
asfixia causada pelo vômito alcoólico.
Por Ricardo
Novais